Cientistas da RAISG apontam, rumo à COP30, que a proteção das florestas mais preservadas da Amazônia é decisiva para conter o aquecimento global
Os povos indígenas têm se mostrado os melhores guardiões da Amazônia. Graças aos seus conhecimentos ancestrais e à gestão sustentável, as Terras Indígenas e Áreas Naturais Protegidas abrigam as florestas mais conservadas e com menores taxas de desmatamento. Além disso, concentram 61% do carbono florestal capturado em 2023 em toda a Amazônia, ajudando a reduzir o excesso de CO₂ na atmosfera e a mitigar o aquecimento global, segundo a Rede Amazônica de Informação Socioambiental Georreferenciada (RAISG), da qual o Instituto Socioambiental (ISA) e outras sete organizações fazem parte.
Se nos próximos cinco anos os governos amazônicos aplicarem pouco ou nenhum controle sobre o desmatamento, sobretudo em Áreas Protegidas, a Amazônia deixará de capturar 2,94 bilhões de toneladas de carbono em 2030.
É o que revela o levantamento inédito do projeto Ciência e Saber Indígena pela Amazônia, da RAISG e do Woodwell Climate Research Center, que projeta três cenários futuros para as reservas de carbono: “Cenário 1: ausência de Terras Indígenas e Áreas Naturais Protegidas” (*) – descrito acima –, “Cenário 2: regulação permissiva” e “Cenário 3: inação”.

Para isso, os cientistas utilizaram a ferramenta de simulação Dinâmica Ego e dados atuais de monitoramento por satélite, com o objetivo de orientar melhores políticas públicas, às vésperas da COP30, em novembro, no Brasil.
No Cenário 1: a Amazônia passaria de capturar mais de 85 bilhões de toneladas de carbono em 2023, para capturar apenas 82,257 bilhões em 2030, representando uma redução de 3,5%. Isso ocorreria caso os governos aplicassem pouco ou nenhum controle sobre o desmatamento, permitindo o avanço descontrolado de atividades como agricultura, pecuária, infraestrutura e mineração, que destroem e degradam as florestas, principalmente em TIs e ANPs.
"Cada tonelada de carbono que conseguimos manter nas florestas amazônicas é um investimento no futuro do planeta. Fortalecer a proteção das Terras Indígenas e das Áreas Protegidas significa conservar as maiores reservas de carbono florestal do mundo, um pilar indispensável para cumprir os compromissos climáticos globais”, lembra Mireya Bravo Frey, coordenadora regional do Projeto Ciência e Saber Indígena pela Amazônia.
Mas o que é a captura de carbono florestal e qual sua importância no contexto atual? Durante a fotossíntese, árvores e vegetação capturam carbono, um elemento do dióxido de carbono (CO₂) presente na atmosfera, e o retêm em raízes, troncos e folhas. Dessa forma, ajudam a controlar este gás de efeito estufa, produzido em excesso principalmente pelo uso de combustíveis fósseis e pelo desmatamento causado por atividades econômicas, como a pecuária.
Por isso, sua função é vital em um contexto no qual, apesar do Acordo de Paris – que estabelece manter o aumento da temperatura abaixo de 2 °C – já ultrapassamos 1,5 °C e os efeitos do aquecimento global se agravam.
“Ter menos florestas é ter menos reservas de carbono na Amazônia, o que significa mais emissões poluentes para o mundo. Isso gera temperaturas mais altas no planeta e eventos climáticos extremos cada vez mais frequentes, como secas, inundações, florestas mais suscetíveis a incêndios e chuvas mais imprevisíveis. Um cenário que compromete não apenas a biodiversidade e a cultura amazônica, mas também a segurança hídrica e alimentar do planeta”, alerta Jose Victorio, especialista em Sistemas de Informação Geográfica e Sensoriamento Remoto da RAISG.

Políticas fracas e sem mudanças
O Cenário 2: regulação permissiva, ocorreria se os países amazônicos aplicassem políticas ambientais e marcos legais mais fracos nos próximos cinco anos. Isso geraria picos máximos na mudança do uso do solo, transformando grandes áreas de florestas amazônicas em terras agropecuárias, urbanas e mineradoras.
Nesse caso, a Amazônia deixaria de capturar 2,294 bilhões de toneladas de carbono em 2030, em relação a 2023, devido ao avanço do desmatamento e da degradação florestal. Ou seja, as florestas passariam, de capturar mais de 85 bilhões de toneladas em 2023, para armazenar apenas 82,904 bilhões em 2030, representando uma redução de 2,7% nessas importantes reservas.
Por fim, no Cenário 3: inação, em que os governos não promovem mudanças significativas nas políticas ambientais e as atuais taxas de desmatamento se mantêm, a Amazônia deixaria de capturar 1,113 bilhões de toneladas de carbono até 2030, em relação a 2023 — ou seja, 2% a menos.
O panorama de 2023
Segundo a RAISG, nas últimas décadas a Amazônia já teve suas funções de combate às mudanças climáticas enfraquecidas. Em 2023, suas florestas deixaram de capturar 5,7 bilhões de toneladas de carbono, em comparação ao ano 2000, o que representou uma redução de 6,3%.
De acordo com dados do MapBiomas Amazônia – Uso e Cobertura, da RAISG, entre 1985 e 2023, mais de 88 milhões de hectares de florestas que regulavam o clima global foram transformadas em terras agropecuárias, urbanas e mineradoras.
Além disso, essas atividades fragmentaram as florestas e causaram um dano silencioso às árvores remanescentes, afetando sua mortalidade, capacidade de regeneração e processos de fotossíntese, fundamentais para a captura de carbono.
Como evitar os piores cenários?
Para evitar os piores cenários futuros, a RAISG faz um chamado aos tomadores de decisão. Antes de 2030, é urgente implementar estratégias que eliminem o desmatamento, a degradação e os incêndios florestais, dentro e fora das Terras Indígenas e Áreas Naturais Protegidas. Além disso, é essencial fortalecer o papel dos povos indígenas como guardiões das florestas, garantindo seus direitos humanos e territoriais.
“Estamos diante de uma contagem regressiva ambiental: se não forem fortalecidas as políticas de proteção e não for reconhecido o papel central dos povos indígenas e das comunidades locais, a Amazônia deixará de ser um aliado climático e se tornará uma fonte de crise. Não se trata apenas de árvores; trata-se da vida no planeta”, afirma Renzo Piana, diretor executivo do Instituto do Bem Comum, membro da RAISG.
Nesse sentido, recomenda-se priorizar políticas que articulem ciência e saberes dos povos amazônicos, para desenvolver modelos econômicos e tecnologias baseados em baixas emissões de CO₂ e usos sustentáveis de florestas e sistemas hídricos. Também é necessário conter o desmatamento, os incêndios e o avanço de atividades ilegais e crimes ambientais, que ameaçam a conservação dos ecossistemas e o bem-estar dos habitantes da Amazônia.
Do mesmo modo, recomenda-se preencher lacunas de proteção criando corredores entre Terras Indígenas, territórios coletivos comunitários, Áreas Naturais Protegidas e outras Unidades de Conservação, dos Andes à Amazônia, por meio de articulação, titulação de terras e fortalecimento da gestão dos povos indígenas.
"A Amazônia ainda pode ser nosso melhor aliado climático se agirmos com urgência. Reconhecer o papel dos povos indígenas e fortalecer a proteção de seus territórios é fundamental para garantir água, alimentos e estabilidade climática. Não se trata apenas de conservar uma floresta: trata-se de assegurar a vida e o futuro de todos", conclui Mireya Bravo Frey.
(*) “Ausência de Terras Indígenas e Áreas Naturais Protegidas” refere-se a unidades territoriais com foco em sustentabilidade socioambiental ou conservação.