FOIRN será conduzida por Dário Baniwa e Janete Desana, eleita primeira vice-presidente mulher. Gestão de Marivelton Baré teve como desafios a pandemia e o governo Bolsonaro, mas saiu fortalecida
A Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (FOIRN), que atua na Bacia do Rio Negro, tem novo diretor-presidente. Os povos do Rio Negro elegeram durante a XVII Assembleia Geral Ordinária Eletiva, em São Gabriel da Cachoeira (AM), na sexta-feira (28/06), Dário Casimiro, do povo Baniwa. É a primeira vez que um representante do povo Baniwa estará à frente da federação. O atual diretor-presidente é Marivelton Barroso, povo Baré, que esteve no cargo por dois mandatos.
Janete Alves, do povo Desana, é a nova vice-presidente, sendo a primeira mulher a assumir o cargo. A diretoria é composta ainda por Carlos Nery, do povo Piratapuya, Hélio Lopes, do povo Tukano e Edson Cordeiro, do povo Baré.
A nova composição, que será empossada em agosto, assume a FOIRN em um momento de crescimento e fortalecimento da federação e do movimento indígena – no cenário regional e nacional.
Além disso, as pautas indígenas vêm ganhando atenção no mundo todo, em grande parte devido à emergência climática. Isso porque os modos de vida dos povos originários representam uma alternativa à crise, porém, são também os mais ameaçados pelas mudanças climáticas.
Em depoimento logo após a eleição, Dário Baniwa agradeceu aos delegados e falou sobre a luta por direitos territoriais. “Em nome do povo Baniwa e Koripako, eu quero agradecer às lideranças que me antecederam e, em especial, ao nosso amigo Isaías Fontes, in memoriam. E quero agradecer a todos os povos indígenas do Rio Negro. Contem comigo: estamos juntos em prol dos direitos territoriais para o nosso bem viver. Na história de lutas e conquistas dos povos do Rio Negro, especificamente os Baniwa chegam pela primeira vez à presidência da FOIRN”, declarou.
Isaías Fontes, do povo Baniwa, foi diretor da FOIRN entre 2016 e 2020 e havia sido reconduzido para o segundo mandato quando faleceu, em fevereiro de 2021, após contrair Covid-19.
“Vamos fazer uma gestão com os cinco diretores. Precisamos de uma gestão democrática, dialógica. Estou aberto às orientações das lideranças mais antigas. E digo aos nossos parceiros: a FOIRN estará de braços abertos para o diálogo, para acordos de cooperação técnica e que possam trazer apoios em prol de nossos direitos”, disse Dário Baniwa.
Janete Alves também agradeceu aos povos do Rio Negro e falou da representatividade de jovens e mulheres. “Quero agradecer pelo voto de confiança. Agradeço em especial à minha coordenadoria [Coordenadoria das Organizações Indígenas do Distrito de Iauaretê] COIDI e a todas as delegações que votaram em mim. Eu venho lutando pela conquista de espaço para as questões de gênero e juventude. E a gente mostra como movimento indígena que temos dado essa oportunidade para mulheres e jovens. Para mim é um marco histórico eleger uma vice-presidente. Para mim é uma honra”, comemorou.
Em uma fala emocionada, o atual diretor-presidente, Marivelton Baré, agradeceu aos povos do Rio Negro, parabenizou os eleitos e falou dos desafios a serem enfrentados.
“Foi a nossa luta incansável e conjunta que nos trouxe até aqui. O movimento é o controle social: a gente luta e conquista. Para a gente, é um sonho fortalecer a FOIRN. Peço aos parceiros, financiadores e lideranças que mantenham o compromisso conosco. Movimento indígena é luta, é direito coletivo. Nós vamos ter que defender o processo de demarcação de terra e temos o desafio de segurança na fronteira, do monitoramento, da proteção territorial, dos direitos humanos”, elencou.
A assembleia aconteceu no auditório do Instituto Federal do Amazonas (Ifam) e contou com 150 delegados – 30 de cada uma das cinco coordenadorias da federação – um modelo democrático reconhecido nacionalmente. O encontro multiétnico reuniu indígenas dos povos Baniwa, Koripako, Desano, Baré, Tukano, Tuyuka, Piratapuya, Tariano, Wanano, Yanomami, Dâw, Hupä´h, entre outros.
Liderança histórica do Rio Negro, Maximiliano Correa Menezes, do povo Tukano, afirmou que um dos grandes desafios da FOIRN é crescer sem perder o contato com as bases, ou seja, com quem está no território indígena. “É necessário termos presença constante dos diretores nas bases. Estar em Brasília e Manaus é importante, mas não podemos descuidar dos nossos projetos de sustentabilidade no território”, recordou. Ele acompanhou o surgimento da FOIRN – que completou 37 anos em 2024 – e fez parte da diretoria por 12 anos.
A FOIRN conta atualmente com 74 funcionários e cerca de 330 colaboradores, entre comunicadores, articuladores, agentes ambientais e outros, e 92 associações. Durante a atual gestão, a federação triplicou o número de funcionários e passou a ter novos parceiros.
“Este crescimento teve como base projetos que ampliam e aprofundam os eixos de ação em que a Federação atua e que foram acordados com sua base a partir da elaboração de 10 PGTAs (Planos de Gestão Territorial e Ambiental) publicados. Foi possível fortalecer as instâncias de governança, aumentando o número de conselheiros, de participantes nas assembleias e ampliar seus departamentos que agora contam com articuladores regionais nas áreas de educação, jovens, comunicadores e mulheres indígenas”, analisou o antropólogo do Instituto Socioambiental (ISA), Renato Martelli.
Dário Baniwa e Janete Desana foram reeleitos como diretores de referência das coordenadorias regionais Nadzoeri e Coidi, respectivamente. Carlos Nery fica à frente da Caimbrn, antes ocupada pelo diretor-presidente Marivelton Barroso, povo Baré. Hélio substitui Nildo Fontes, Tukano, que atuava como vice-presidente e diretor de referência da Diawi´i. Edson Gomes, povo Baré, fica no lugar de Adão Francisco, povo Baré, da Caibarnx.
A FOIRN atua numa das regiões mais preservadas da Amazônia, em área de abrangência dos municípios de São Gabriel da Cachoeira, Santa Isabel do Rio Negro e Barcelos, na Bacia do Rio Negro, no Amazonas. São 23 povos indígenas que convivem ancestralmente num território de aproximadamente 13 milhões de hectares com 12 Terras Indígenas reconhecidas e outras em processo de identificação pela Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai).
Desde as roças tradicionais até os rituais de proteção, o Alto e Médio Rio Negro resguardam um modo de vida indígena diverso, com um sistema político e de trocas que resiste milenarmente.
Mas a região sofre com a deficiência de políticas públicas referentes às mais diversas áreas, como saúde, educação, meio ambiente e segurança pública. Ainda assim, junto com os parceiros, a FOIRN vem constantemente propondo projetos que levam em conta a realidade local e a cultura ancestral indígena, atuando em áreas como etnoeducação, economia da sociobiodiversidade, proteção territorial e medidas de mitigação às mudanças climáticas.
Entre os problemas enfrentados estão as pressões crescentes do narcotráfico, garimpo, turismo ilegal, além de violência de gênero. Os impactos das mudanças climáticas também estão sendo sentidos, com a região passando por dois anos de cheias extremas e, em 2023/2024, pela seca histórica.
Alianças e parcerias
A assembleia da FOIRN aconteceu entre os dias 25 e 28 de junho. Foram debatidos temas como o crescimento da federação, fortalecimento de sua atuação como controle social e das associações de base para a sustentabilidade de projetos da sociobioeconomia e, ainda, transição geracional dentro do movimento indígena e a incidência para as políticas públicas de longo prazo de forma a implantar os PGTAs.
A aliança com instituições governamentais e não governamentais é uma das marcas de atuação da FOIRN e continua sendo apontada como uma forma de fortalecimento dos povos indígenas.
Vários parceiros estiveram presentes na reunião. A coordenadora-adjunta do Programa Rio Negro do ISA, Natália Pimenta, apresentou o planejamento estratégico do ISA e projetos em desenvolvimento no território, orientados a fortalecer os espaços de transparência com os parceiros.
“O ISA trabalha com a defesa dos direitos sociais das comunidades tradicionais. Esse trabalho só faz sentido em diálogo com as organizações que estão no território e são detentoras dos conhecimentos de suas regiões. Temos olhado, junto com a FOIRN, para a necessidade de uma formação intercultural para as equipes técnicas da federação, as associações e lideranças. Essa formação deve ser continuada, considerando que há novas lideranças jovens chegando e há preocupação com a transição geracional”, sublinhou.
A coordenadora da Funai - Coordenação Regional Rio Negro – CR-RN, Maria do Rosário Piloto, Dadá Baniwa, falou da importância das parcerias para o enfrentamento aos desafios da região do Rio Negro e fortalecimento dos povos indígenas, citando o Acordo de Cooperação Técnica (ACT) assinado entre Funai, FOIRN e ISA.
Chefe do ICMBio em São Gabriel da Cachoeira, Daniel Assis falou sobre a atuação conjunta com a FOIRN e o ISA nas TIs em sobreposição com o Parque Nacional Pico da Neblina.
Para Mariazinha Baré, da Apiam, a FOIRN é uma escola para outras organizações. “Com seus 37 anos, dentro de um processo de luta, a FOIRN tem sede própria e faz sua própria gestão administrativa e financeira. Esse foi um sonho dos que antecederam as atuais lideranças. É necessário também pensar em como manter a qualificação de pessoal em diálogo constante com o movimento indígena para uma formação técnica, mas também crítica e política. A formação deve qualificar futuras lideranças para que possam ser propostivas”, ponderou.
Toya Machinery, da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (COIAB), indica que a FOIRN vem se consolidando como referência na Amazônia e se torna exemplo para outras regiões. “Vimos a transformação e o fortalecimento da FOIRN, com um modelo político e administrativo que fortalece as ações no território. A gente vê que só demarcar não faz que o território fique nas mãos dos povos, é necessário termos atuações diversas. A FOIRN se consolida como exemplo na Amazônia. Com apoio de parceiros como [Operação Amazônia Nativa] Opan, Conselho Indigenista Missionário [Cimi] e ISA, temos conquistas na Amazônia: são 110 milhões de hectares de Terra Indígena na Amazônia Brasileira. Queremos fortalecer essa atuação e as organizações em outras regiões também”.
Pela primeira vez, o encontro foi transmitido ao vivo pelas redes sociais da FOIRN, com atuação do Departamento de Comunicação (Decom) e Rede Wayuri de Comunicadores Indígenas do Rio Negro. O cineasta indígena Kamikia Kisedje participou da cobertura. Segundo a coordenadora do Decom, Gicely Ambrosio, a transmissão foi acompanhada de vários lugares do território indígena, como Querari, São Joaquim, Iauaretê e Maturacá.
Fortalecimento da Foirn
Marivelton Baré ocupou dois mandatos como diretor-presidente da FOIRN (2016-2020 e 2020-2024). Antes de assumir a presidência, foi diretor de referência para a sua região. Ele esteve à frente da federação durante o governo Bolsonaro – declaradamente anti-indígena – e a crise sanitária da Covid-19.
Marivelton assumiu a coordenação do Comitê de Combate e Enfrentamento à Covid-19 em São Gabriel da Cachoeira, tendo papel essencial na articulação de parcerias para garantir estrutura mínima de atendimento aos povos indígenas. O enfrentamento à pandemia na região também foi marcado pelo fortalecimento dos conhecimentos da medicina indígena.
Em São Gabriel da Cachoeira, um marco do fortalecimento da FOIRN foi a inauguração de uma segunda sede, em fevereiro. Ainda durante a gestão de Marivelton Barroso e a diretoria de Nildo Fontes, Janete Desana, Dário Baniwa e Adão Francisco, foi aprovado o Protocolo de Consulta dos Povos do Rio Negro, importante instrumento de proteção e garantia dos direitos.
Outro ponto importante foi o fortalecimento da economia da sociobiodiversidade: a Casa Wariró ampliou negócios e vem construindo parcerias com as artesãs e artesãos dos Rio Negro para levar adiante o artesanato e a cultura do Rio Negro, gerando renda e protegendo a cultura. Há ainda a estruturação dos projetos de turismo de base comunitária, como o Yaripo, no Território Yanomami, e Serras Guerreiras de Tapuruquara.
Na área de comunicação, a FOIRN fortaleceu o Departamento de Comunicação (Decom) e ampliou conexões, com a instalação de aproximadamente 330 antenas Starlink no território.
A Rede Wayuri de Comunicadores Indígenas inaugurou a rádio web e mantém três programas de rádio semanais, além de atuação nas redes sociais. O coletivo de comunicação indígena recebeu dois prêmios em reconhecimento à sua atuação: do Repórteres sem Fronteiras e World Justice Project, em Haia, na Holanda.
Em relação às pesquisas interculturais, houve a ampliação da rede de Agentes Indígenas de Manejo Ambiental (AIMAs), que observam o ambiente nas comunidades da Amazônia, fazendo anotações em diários e tablets. Para fortalecimento das associações e defesa do território, foram contratados advogados indígenas.
O Departamento de Mulheres Indígenas (DMIRN) e o Departamento de Adolescentes e Jovens Indígenas (DAJIRN) passaram a contar com o coordenador e com articuladores nas bases, de forma a ampliar a representatividade. Atualmente, o coordenador do DAJIRN é Elson Kene, povo Baniwa, e do DMIRN é Cleocimara Reis, povo Piratapuya.
“Como mulheres, ainda temos desafios para encontrar espaços e desenvolver projetos. Mas o DMIRN é um exemplo para mulheres de outras regiões e daqui também. Isso nos fortalece”, disse Cleocimara Reis.
Luciane Lima, povo Tariano, está à frente do Departamento de Negócios da Sociobiodiversidade. Ela ressalta que nos últimos anos a Wariró recuperou a confiança dos artesãos por meio de articulações e encontros regionais nas comunidades indígenas. O Departamento de Educação Indígena é coordenado por Melvino Fontes, povo Baniwa. Hildete Araújo está à frente do Departamento de Patrimônio Cultural e Pesquisa Intercultural.
Na abertura da Assembleia da FOIRN, o diretor eleito Edson Gomes, do povo Baré, trouxe uma reflexão sobre as mudanças na região. “Vocês estão chegando das mais diversas calhas dos rios: Içana, Xié, Baixo Rrio Negro, Alto Rio Negro. Vieram de voadeira, barco, expresso. Alguns vieram de avião. Antigamente não existia isso. Nossos avós remavam dias para chegar ao local. As pessoas que iniciaram essa discussão que damos continuidade hoje, remavam. Por que estou dizendo isso? Este é o momento de a gente refletir em que ponto estamos. E o que queremos conseguir ainda.”
Conheça a nova diretoria da FOIRN:
Nadzoeri (Organização Baniwa e Koripako)
Diretor de referência: Dário Emílio Casimiro, povo Baniwa
Dário Baniwa, de 38 anos, nascido na comunidade de Nazaré, é do clã Waliperi-Dakenaii dos Baniwa. Formado em educação indígena e mestre em antropologia social pela UFAM, atua como professor e assessor pedagógico. Após concluir o mestrado, voltou a São Gabriel da Cachoeira e assumiu a coordenação do departamento de educação da FOIRN. Em 2021, foi eleito diretor de referência da Nadzoeri e reeleito em 2024. Em 28 de junho, tornou-se o primeiro de seu povo a ser eleito diretor-presidente da FOIRN. Fala Baniwa e Nheengatu.
COIDI (Coordenadoria das Associações Indígenas de Iauaretê)
Diretora de referência: Janete Figueiredo Alves, povo Desana
Janete Alves, nascida em Caruru Cachoeira, mudou-se para Iauaretê para acessar a educação. Lá, integrou a Pastoral da Igreja Católica e a Associação das Mulheres Indígenas (Amidi). Em 2017, foi eleita coordenadora do Departamento de Mulheres Indígenas da FOIRN, atuando na linha de frente contra a Covid-19. Em 2021 e 2024, foi eleita diretora de referência da Coidi. Em 28 de junho, tornou-se vice-presidente da FOIRN. Janete, de 37 anos, fala Tukano e Desano.
Diawi´i (Coordenadoria das Organizações Indígenas do Tiquié, Uaupés e Afluentes)
Hélio Gessem Monteiro Lopes, povo Tukano
Nascido na comunidade de Colina do Rio Tiquié e criado em Taracuá, Hélio Lopes, de 30 anos, é o mais jovem diretor da FOIRN. Interrompeu o curso de técnico em administração para servir na Aeronáutica. Voluntário no movimento indígena, apoiou a Associação das Mulheres Indígenas da Região de Taracuá (AMIRT). Em 2022, participou do Acampamento Terra Livre, fortalecendo a luta indígena em meio a um contexto político adverso. Em 2024, foi eleito diretor de referência da região da Diawii. Hélio é do grupo Tukano Oákahapea e fala Tukano.
CAIMBRN (Coordenadoria das Associações Indígenas do Médio e Baixo Rio Negro)
Carlos Alberto Teixeira Neri, povo Piratapuya
Carlinhos Neri, 51 anos, de Santa Isabel do Rio Negro (AM), formou-se técnico em agropecuária pelo IFAM. Engajou-se no movimento indígena após ser convidado pelo irmão para uma assembleia da ACIMRN. Atuou na proteção territorial e desenvolvimento de projetos culturais e socioeconômicos. Integrante do projeto que tornou o Sistema Agrícola do Rio Negro patrimônio cultural pelo Iphan, foi eleito diretor de referência para CAIMBRN em 2024. Fala Tukano e Nheengatu.
CAIBARNX (Coordenadoria das Associações Indígenas do Balaio, Alto Rio Negro e Xié)
Edson Cordeiro Gomes, povo Baré
Edson Gomes, de 40 anos, filho de professores, sempre viveu na região do Alto Rio Negro. Participou da Pastoral da Juventude e atuou como professor. Envolveu-se no movimento indígena, trabalhando no Departamento de Educação e no Departamento de Negócios da Sociobiodiversidade da FOIRN. Em 2023, participou da tradução da Constituição para Nheengatu. Este ano, foi eleito diretor da CAIBARNX. É falante de Nheengatu e fundador da Academia de Língua Nheengatu.