Parlamentares se articulam para derrubar amanhã vetos de Lula à lei de licenciamento, restaurando o PL da devastação e pondo em risco a saúde dos brasileiros, a segurança e o clima
Do Observatório do Clima (OC) - Poucos dias depois dos presidentes da Câmara e do Senado, Hugo Motta (Republicanos-PB) e Davi Alcolumbre (União-AP), irem a Belém supostamente para defender o clima na COP30, encerrada no último sábado (22/11), o Congresso se prepara para impor ao país o pior retrocesso ambiental de sua história. Nesta quinta-feira (27/11), uma sessão conjunta do Congresso deve apreciar os vetos do presidente Luiz Inácio Lula da Silva à Lei Geral do Licenciamento Ambiental (Lei nº 15.190/2025), e a pressão é para que eles sejam integralmente derrubados. O "PL da Devastação", que virtualmente elimina o licenciamento no país, retornaria, assim, à sua forma original.
Manter os vetos de Lula é crucial para impedir o esvaziamento do licenciamento ambiental, o principal instrumento de prevenção de danos ambientais do país, criado há mais de quatro décadas pela Política Nacional do Meio Ambiente, de 1981.
Caso o Congresso derrube os vetos de Lula, passarão a ser lei no país coisas como o autolicenciamento amplo e geral, com elevado número de licenças emitidas num mero apertar de botão, sem qualquer estudo ambiental e sem a devida avaliação de impactos ambientais. Isso cria, além de insegurança jurídica, enorme risco à saúde e à segurança da população, já que a avaliação de quais empreendimentos poderão ser autolicenciados passa a caber a cada estado e município.
Além disso, empreendimentos em zonas ambientalmente sensíveis, como estradas e outras grandes obras na Amazônia, poderão ser feitos de forma expressa e sem salvaguardas ambientais, aumentando as emissões de gases de efeito estufa do Brasil, em contradição direta com a agenda da COP30.
Além de um risco aumentado de desmatamento, queimadas e desastres ambientais devido ao grande número de flexibilizações nos processos de licenciamento, o "PL da Devastação" também é um ataque aos direitos dos povos indígenas, quilombolas e outros povos e comunidades tradicionais. Essas populações poderão ser simplesmente ignoradas no processo de licenciamento se seus territórios não estiverem demarcados ou titulados.
Veja a seguir declarações de representantes de organizações da sociedade civil.
“A derrubada dos vetos seria um ataque aos fundamentos da nossa política ambiental, conflitando com tudo o que o país defendeu na COP30. Colegiados como o Conama e o próprio papel regulamentar da União ficam esvaziados. A lista de problemas é extensa, com muitas inconstitucionalidades recolocadas na lei, um prato cheio para judicialização, no STF e em outras esferas. O Congresso Nacional, mais uma vez, expõe um descaso completo com a questão climática e o meio ambiente.” Suely Araújo, Coordenadora de Políticas Públicas do Observatório do Clima (OC)
“A derrubada dos vetos significa a institucionalização do racismo ambiental, por meio da fragilização territorial e da amplificação de violências e conflitos contra povos indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais e seus territórios.” Alice Dandara de Assis Correia, advogada do Instituto Socioambiental (ISA)
“O momento político não é ideal para votar os vetos ao pior retrocesso ambiental do Brasil nos últimos 40 anos. A perspectiva de derrubada dos vetos pode nos levar ao precipício ambiental e climático, com mais desastres como os de Mariana e Brumadinho, explosão do desmatamento e descontrole generalizado da poluição e suas consequências para a saúde da população.” Mauricio Guetta, diretor de Políticas Públicas e Direito da Avaaz
“Vivemos uma das maiores mobilizações da sociedade civil brasileira e internacional na COP30: povos indígenas, juventudes, periferias, ambientalistas e organizações do Sul Global fizeram de Belém o centro da luta climática. O mundo ouviu nossa pressão. Mas o Congresso Nacional decidiu ignorar essa voz coletiva e articular, às pressas, um golpe contra o clima. Derrubar os vetos ao licenciamento é escolher retrocesso, conflito e destruição, justamente no momento em que o Brasil deveria assumir responsabilidade e coerência com o futuro que defende lá fora.” Lucas Louback, gestor de advocacy do Nossas
“Os vetos preservam critérios técnicos fundamentais para evitar danos ambientais irreversíveis e reduzir o risco crescente de desastres climáticos. Derrubá-los significa ignorar a ciência, ampliar a insegurança jurídica e fragilizar a governança ambiental do país. Logo após a COP30, quando o mundo observa a capacidade do Brasil de liderar com coerência, manter esses vetos é a única decisão compatível com nossos compromissos climáticos e com um desenvolvimento que respeite os povos, as comunidades e o meio ambiente.” Clarissa Presotti, especialista de Políticas Públicas do WWF-Brasil
“A derrubada dos vetos do governo expõe o país a riscos desnecessários. Ao admitir licenças automáticas, reduzir controles técnicos e ignorar povos indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais, o Congresso cria um cenário de maior conflito, atacando direitos coletivos e ampliando a insegurança jurídica. É contraditório que, logo após a COP30, o Brasil afrouxe os mecanismos que garantem responsabilidade e transparência ambiental. Manter os vetos é defender a Constituição, a ciência e os direitos coletivos ao meio ambiente equilibrado.” Ícaro Jorge Santana, advogado do Instituto de Direito Coletivo
“É urgente que o Congresso compreenda a importância dos vetos à lei do licenciamento ambiental para assegurar a segurança climática e um futuro melhor para o Brasil. O desenvolvimento com responsabilidade, respeitando a ciência e a Constituição, não pode ser opcional. A derrubada dos vetos representaria um golpe inaceitável contra a proteção ambiental, o pacto federativo e a saúde pública.” Luiza Chaer, assessora de advocacy do IDS
“Os vetos levantados na sanção presidencial garantem um mínimo de segurança jurídica para processos administrativos em curso, evitando uma judicialização em massa dos atos emitidos pelos órgãos licenciadores. Além disso, mesmo diante do cenário catastrófico de fragilização do arcabouço jurídico ambiental, o gesto da Presidência sinaliza algum esforço em prol da manutenção do balanceamento entre atividades econômicas e equilíbrio ecológico.” Rárisson Sampaio, assessor político do Inesc
“A derrubada dos vetos afeta conquistas essenciais da sociedade brasileira como a Lei da Mata Atlântica. Libera o desmatamento justamente nas porções mais maduras da floresta, impactando a disponibilidade de água, agravando os efeitos de eventos climáticos e potencializando tragédias. E coloca o Brasil na contramão da agenda climática.” Malu Ribeiro, diretora de políticas públicas da SOS Mata Atlântica
“Os parlamentares mal esperaram o término da COP30 e já se organizaram para reativar a pauta-bomba do licenciamento ambiental no Congresso. Se essa bomba estourar, serão detonados artigos relevantes da Constituição e da nossa política ambiental. Os alvos mais vulnerabilizados dessa empreitada serão as periferias, os povos indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais, cuja força e importância para o enfrentamento da crise climática pudemos constatar ao longo da COP em Belém. A sociedade precisa se mobilizar para evitar esse retrocesso.” Gabriela Nepomuceno, Greenpeace
“É lamentável que o Congresso Nacional vá na contramão de toda discussão promovida durante a COP30 e já assegurada na legislação ao derrubar os vetos ao PL da Devastação. As incontáveis perdas à nossa biodiversidade promovida por essa derrubada serão responsabilidade dos legisladores brasileiros, caso optem por seguir o caminho da destruição.” Natalia Figueiredo, Proteção Animal Mundial
“O PL da Devastação ameaça de forma direta a zona costeira brasileira — uma região já extremamente vulnerável à erosão, ao avanço do nível do mar e à pressão sobre territórios tradicionais pesqueiros. É justamente ali que se concentram grandes empreendimentos de petróleo, energia offshore, portos e a expansão descontrolada da carcinicultura. A derrubada dos vetos agravaria desigualdades sociais, ampliaria danos ambientais e aprofundaria ainda mais a crise climática no país.” Letícia Camargo, consultora de advocacy do Painel Mar
Sobre o Observatório do Clima – Fundado em 2002, é a principal rede da sociedade civil brasileira com atuação na agenda climática. Reúne hoje 161 integrantes, entre organizações socioambientais, institutos de pesquisa e movimentos sociais. Seu objetivo é ajudar a construir um Brasil descarbonizado, igualitário, próspero e sustentável. O OC publica desde 2013 o SEEG, estimativa anual das emissões de gases de efeito estufa no país.
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