O sócio-fundador e presidente do ISA, Márcio Santilli, comenta os impasses e o histórico das negociações internacionais sobre mudanças climáticas até a conferência em Belém
Nesta segunda (17), completou uma semana, em Belém do Pará, a tão esperada COP30, a 30ª conferência da ONU sobre as mudanças climáticas globais. Será a primeira COP no Brasil sobre o tema, após a própria convenção da ONU sobre Mudança do Clima (UNFCCC, na sigla em inglês) e a sobre Diversidade Biológica (CDB) terem sido assinadas pelos chefes de Estado em 1992, no Rio de Janeiro. O mundo volta ao Brasil, 33 anos depois, para avaliar o que ocorreu.
Mas não será bem assim. A situação é reavaliada a cada COP e em todo lugar, mas o simbolismo pátrio faz algum sentido. Antes, os acordos climáticos focavam a redução das emissões oriundas da queima de combustíveis fósseis, que são o principal fator de emissões dos gases de efeito estufa causadores da crise climática, mas rejeitavam incluir as emissões oriundas da destruição das florestas, que passaram a integrar a discussão da convenção há alguns anos.
De 1992 a 2025, rolaram muitas outras tentações. Em 1997, foi acordado o Protocolo de Quioto, que, no entanto, só entrou em vigor em 2005, após um complexo processo de ratificação. Ele estabelecia metas obrigatórias de redução de emissões para os países que iniciaram a Revolução Industrial, os países ditos desenvolvidos, os emissores históricos. O protocolo foi boicotado pelos EUA e poucos países reduziram suas emissões. Podemos dizer, no entanto, que houve avanços importantes na geração de energia eólica e solar, por exemplo.
Assinado no âmbito da convenção de mudanças climáticas, o Acordo de Paris veio em 2015, incorporando todos os países, por meio das metas de redução das emissões assumidas por cada um deles, as Contribuições Nacionais Determinadas (NDCs, na sigla em inglês). O objetivo geral seria conter o aumento da temperatura média na superfície do planeta em até 2 ºC, de preferência em 1,5 ºC, este último teto alcançado ano passado, cinco anos antes do esperado (2030).
BRASIL NA FRENTE
Como anfitrião do evento, o Brasil chega à COP30 em posição de força, mas imerso em contradições. Sua matriz energética é relativamente limpa, com forte presença de energia hidráulica. A redução da disponibilidade de chuvas em várias regiões, no entanto, vem fazendo o país usar termelétricas movidas a diesel, piorando a qualidade da matriz.
Mas a maior parte das nossas emissões decorre do desmatamento e do uso inadequado do solo, ou seja, da agropecuária. Com o êxito dos programas de redução do desmatamento, em especial na Amazônia, o Brasil é um poucos países que diminuíram emissões, numa contribuição enorme em contexto difícil.
Mas tem um outro grilo nesse mato. O governo federal decidiu pavimentar a rodovia BR-319, entre Porto Velho (RO) a Manaus (AM). A estrada atravessa a região mais conservada da Amazônia e, caso se repita ao longo dela o mesmo patamar de desmatamento ocorrido na BR-163, entre Cuiabá (MT) e Santarém (PA), o país vai estourar as metas futuras de redução de emissões e haverá o risco de romper, para sempre, todos os ciclos naturais gerados pela floresta, a exemplo da regulação climática.
Sobretudo na Amazônia, as estradas induzem o desmatamento por sua capacidade de atrair e viabilizar atividades predatórias associadas a ele, como a grilagem de terras e o garimpo ilegal.
O governo propõe implantar um programa de desenvolvimento regional sustentável para a BR-319. É uma providência urgente, mas insuficiente. Já circulam notícias de que a grilagem de terras públicas está mais intensa após o anúncio da obra. A presença do Estado na região é fundamental.
A Petrobrás inicia a pesquisa sobre a presença de petróleo na região da Foz do Rio Amazonas. A empresa alega que esse petróleo será necessário para cobrir a redução da produção do pré-sal, prevista a partir de 2030. Significa que a Petrobrás não espera redução do consumo interno, ou da exportação, nem antes, nem logo depois de 2030.
MUNDO LENIENTE
Dez anos depois, seria agora a hora de fazer um balanço do Acordo de Paris. Porém, os EUA se retiraram dele e dezenas de países ainda não apresentaram as suas NDCs. As emissões globais seguem crescendo e o mundo todo sente o agravamento das condições climáticas, com a ocorrência de eventos extremos.
Que ninguém espere demais, nem desperdice tempo e esperança. Não está no horizonte nenhum acordo geral efetivo para reduzir as emissões globais. Podem rolar acordos colaterais, como para reduzir às emissões de metano e para a criação do chamado TFFF, um fundo para a proteção das florestas tropicais proposto pelo Brasil.
Enquanto a temperatura da atmosfera bate recordes, tudo arde em Gaza e em outros cenários de guerra. A tensão entre Rússia e Otan agrava-se, a posição dos EUA é ambígua e leva seus aliados a investir em armas, em vez do combate às mudanças climáticas ou à fome. A guerra é o lado latente da febre mundial e a urgência que os muitos governos entendem.
Alguma notícia boa poderá vir de outros membros do BRICS. A China, maior emissora atual, deve anunciar a antecipação do seu pico de emissões, antes previsto para 2030. A Índia, terceira maior emissora atual, quer quadruplicar o uso de energias renováveis e reduzir a intensidade de CO2 em relação ao PIB.
"FODAM-SE!"
Antes da COP30 começar, o empresário Bill Gates, um dos homens mais ricos do mundo, apareceu do nada, como um gênio da lâmpada, reconhecendo que a mudança climática vai atingir os mais pobres, mas negando que ela vá extinguir a humanidade. Ele disse que o financiamento climático não é prioritário e que é melhor a filantropia investir no combate à doença e à fome. Foi exemplar da postura de parte da elite global diante da emergência climática.
Enquanto a COP30 segue, em Belém, em Iauareté, em São Gabriel da Cachoeira (AM), na fronteira com a Colômbia, no outro extremo da Amazônia brasileira, o Rio Uaupés está no nível mais baixo da história. Não é uma estiagem isolada, mas recorrente, com efeitos cumulativos. Impede a navegação, a assistência social e o abastecimento, sobretudo das populações indígenas. Provoca a mortandade dos peixes, contamina a água e prolifera doenças. Gates poderia enviar um galão de água mineral para Iauareté.
Nos desvios do Acordo de Paris, a dissimulação vai virando cara de pau. A diplomacia da “enrolation” chegou no limite, assim como as metas de redução de emissões não foram atingidas e a temperatura média global passou de 1,5 ºC, assim como os oceanos continuam morrendo.
Vai se instaurando uma diplomacia do “fodam-se!”. Não é o negacionismo clássico, de dizer que não existe mudança climática, ou que ela não decorre da queima de combustíveis fósseis. Os atores sabem da situação e do seu porquê, mas querem se esconder no final da fila (da morte).
Sobreviver e fortalecer a resiliência da vida é a resposta política essencial para esses tempos. Furar a fila, organizar a multidão e evitar o inferno e os seus porteiros. O espaço das COPs, à margem das negociações oficiais, favorece a articulação entre os movimentos sociais, cientistas, comunicadores, organizações civis e todos os que precisam se descobrir para cooperar.
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