Eventos promovidos junto com organizações parceiras apontam ações de adaptação e necessidade de ouvir quem mais sofre com as mudanças do clima
Durante a 30ª Conferência da ONU sobre Mudanças Climáticas (COP30), o Instituto Socioambiental (ISA), em parceria com organizações parceiras de povos indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais, promoveu uma série de debates abordando os impactos da crise climática nos territórios e estratégias de adaptação desenvolvidas por povos indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais.
O primeiro deles tratou do tema “Crise climática na Bacia do Xingu: fogo, água e segurança alimentar nos territórios indígenas e ribeirinhos” e apresentou os Mapas de Vulnerabilidade Climática do Xingu. Organizada em parceria com a Rede Xingu+, a mesa contou com a participação de Ewesh Yawalapiti Waura, Karin Yudjá e Kaiaia Suya, conselheiros da Rede Xingu+; e de Wint Suya, da Associação Indígena Khisetje (AIK) e um dos fundadores da Rede Xingu+.
Já o painel “Soluções territoriais para o clima” trouxe alternativas de adaptação baseadas na gestão territorial e ambiental de povos indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais e teve a presença de Davi Kopenawa, presidente da Hutukara Associação Yanomami; Cleide Terena, liderança da Associação das Mulheres Indígenas da Terra Indígena Tirecatinga (Thutalinãnsu); Kátia Penha, coordenadonra da Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq); Luene Karipuna, liderança da Associação Mulheres Indígenas em Mutirão (AMIM); e Ewesh Yawalapiti Waurá, representante da Rede Xingu+. O evento foi realizado em parceria com a Operação Amazônia Nativa (Opan) e a Rede de Cooperação Amazônica (RCA).
Vulnerabilidades no Xingu apontam urgência
O corredor da Bacia do Xingu, rico em biodiversidade e um importante escudo de proteção socioambiental no arco de desmatamento da Amazônia, abriga 24 Terras Indígenas, nove unidades de conservação, 26 povos indígenas e inúmeras comunidades beradeiras e extrativistas. Com uma população aproximada de 25 mil pessoas, o modo de vida garante proteção das florestas e rios, conservação dos serviços ecossistêmicos, mitigação e adaptação climática.
“A gente não consegue mais ter acesso ao que a gente tinha antigamente, de ter essa disponibilidade de água. E acaba tendo bastante seca que também prejudica o acesso à água de qualidade”, explicou Kaiaia Suya, conselheira da Rede Xingu+, ao apresentar os mapas de vulnerabilidade da Bacia do Xingu no debate realizado na Aldeia COP, na Universidade Federal do Pará (UFPA).
Elaborados com a participação de lideranças das comunidades do corredor do Xingu e com o apoio de entrevistas e dados espaciais do MapBiomas, os estudos analisam quatro categorias de vulnerabilidade climática: mobilidade fluvial, acesso à água de qualidade, grandes incêndios e soberania alimentar e de renda.
Os dados apontam o nível de esvaziamento dos rios, com 40 mil hectares de superfície hídrica perdidos em 40 anos; poços de água secando; rios e igarapés contaminados e falta de saneamento nas aldeias e comunidades. Em relação aos incêndios, foram mais de 4 milhões de hectares queimados em 2024, atingindo 40% do Corredor Xingu - 259% a mais em relação ao ano anterior.
Os mapas de vulnerabilidade apontam, ainda, as que secas prolongadas, queimadas e enchentes atípicas impactam as fontes de alimento, como instabilidade na produção da castanha e aumento da dependência por produtos industrializados; as mudanças no regime de chuvas interferem nos calendários agrícolas; e o aumento da temperatura da água causa a morte de peixes.
Para conter esse cenário, uma das iniciativas apresentadas por Ewesh Yawalapiti é a criação do Fundo Xingu+ como mecanismo de financiamento de ações de adaptação climática. Segundo ele, alguns dos objetivos do Fundo é “viabilizar programas e projetos com as organizações da Rede Xingu+ voltados à proteção territorial e adaptação e trabalhar de forma integrada com as organizações indígenas e ribeirinhas do corredor do Xingu”.
Winti Suya também reforçou que a ideia de criar o Fundo Xingu+ é desenvolver iniciativas que possam frear a destruição do corredor da bacia do Xingu. “Por isso também a ideia criar o fundo para captar recursos para defender essa bacia e quem mora dentro do território”, defendeu.
Soluções precisam vir dos territórios
Na Zona Azul da COP, no centro das negociações sobre a política climática, lideranças indígenas e quilombolas trouxeram a realidade enfrentada por suas comunidades durante painel organizado pelo ISA, Operação Amazônia Nativa (Opan) e a Rede de Cooperação Amazônica (RCA).
Ciro Brito, analista de políticas climáticas do ISA, destacou a importância de povos e comunidades tradicionais estarem no centro dos debates que irão pautar as decisões da Conferência do Clima de Belém. “Esse é um momento crucial, que nos convida conectar o conhecimento ancestral com a urgência de futuro. Estamos na Zona Azul, no coração das negociações, mas hoje o nosso olhar se volta para os territórios”, disse, ao abrir a discussão.
Para a liderança Yanomami e xamã, Davi Kopenawa, mudança climática significa pobreza, veneno, poluição e alteração no curso das águas. “A natureza não criou isso, mas criou a nossa terra mãe, que é muito bonita. Não tinha lixo, não tinham invasores, não tinha mineração, não tinha fazendeiro tirando a riqueza da floresta. Será que os americanos, que criaram as mudanças climáticas, estão aqui para explicar porque fizeram isso?”, questionou o xamã.
Liderança quilombola e coordenadora nacional da Conaq, Kátia Penha ressaltou que pensar em estratégias de enfrentamento à crise do clima passa por trazer as comunidades quilombolas para o centro das discussões e por garantir o direito aos seus territórios. “Não há solução climática sem pensar em território quilombola titulado no Brasil. Não há solução climática, sem haver adaptações viáveis e a gente falando como nós queremos construir essas soluções climáticas. As tragédias já estão nos nossos territórios, então quais soluções a UNFCCC (Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas), o governo e a ONU querem ouvir de nós, enquanto comunidades quilombolas?”, disse Kátia Penha.
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