Projeto já passou pelo Congresso e está em análise pelo Executivo. STF tem decisões sobre necessidade de licenciamento para atividades com danos similares
A Associação Brasileira de Membros do Ministério Público de Meio Ambiente (Abrampa), o ISA, o Observatório do Clima (OC) e o WWF Brasil publicaram notas técnicas recomendando que o presidente Lula vete integralmente o Projeto de Lei (PL) nº 1.366/2022, que exclui a silvicultura (monocultura de pinus e eucalipto para fins comerciais) do rol de atividades potencialmente poluidoras sujeitas ao licenciamento ambiental e ao pagamento da Taxa de Controle e Fiscalização Ambiental (TCFA). Aprovado no início de maio, o projeto altera a Política Nacional do Meio Ambiente (Lei 6.938/1981) e passou em plenário horas após ganhar caráter de urgência.
A nota da Abrampa assinala que o PL viola a legislação nacional e internacional a respeito da proteção da biodiversidade. “Trata-se de rompimento explícito com o direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, especialmente quando toda a comunidade científica isenta e não comprometida com a atividade econômica não foi ouvida e não teve seus estudos respeitados”, diz o texto.
Para o presidente da organização, Alexandre Gaio, a aprovação do PL é um grave retrocesso. “A silvicultura, especialmente em larga escala, possui um potencial poluidor significativo que não pode ser ignorado. Permitir que essa atividade ocorra sem o devido licenciamento ambiental é um convite à ampliação da degradação ambiental e à extinção de espécies. O projeto afronta diretamente o interesse público e a Constituição da República e ainda causa clara insegurança jurídica, razões pelas quais instamos o presidente da República a vetá-lo."
O documento enviado a Lula pelo ISA, OC e WWF Brasil baseia-se em reiteradas decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) que sustentam a necessidade do licenciamento para atividades que possam causar degradação ambiental, como é o caso do PL 1.366/2022. As organizações alertam para potenciais impactos negativos da silvicultura, entre eles:
• fragmentação de habitats, aumentando a vulnerabilidade de espécies nativas e facilitando a propagação de espécies exóticas invasoras;
• contaminação de corpos d'água pela utilização intensiva de agrotóxicos e fertilizantes, afetando a saúde das populações locais;
• redução da biodiversidade e comprometimento de serviços ecossistêmicos essenciais, como a polinização e a regulação do clima, pela conversão de áreas naturais em monoculturas florestais;
• impactos sociais como a possível desapropriação de comunidades tradicionais e a alteração de seus modos de vida, bem como conflitos pelo uso da terra e recursos hídricos.
“O presidente da República tem todos os elementos nas mãos para vetar o projeto de lei”, afirma Mauricio Guetta, consultor jurídico do ISA. “São múltiplas as decisões do STF afirmando a inconstitucionalidade de se dispensar a silvicultura de licenciamento ambiental, por se tratar de atividade potencialmente causadora de degradação ambiental. A dispensa de licenciamento para a atividade vai resultar em descontrole ambiental generalizado, com impactos aos recursos hídricos e à biodiversidade, em prejuízo da população", analisa Guetta.
Suely Araújo, coordenadora de políticas públicas do OC reforça esse entendimento. “O texto, na prática, implicará inexistência de licenciamento ambiental, e não apenas isenção da Taxa de Controle e Fiscalização Ambiental do Ibama. Não há como liberar esses empreendimentos dessa forma -- nem da licença, que será em regra estadual, nem da TCFA. Grandes projetos do setor podem gerar problemas, como rebaixamento de lençol freático, além de implicações graves para a biodiversidade e as comunidades locais. A análise técnica de tipologias de empreendimentos necessita ser realizada pelos órgãos ambientais. Essa não deve ser uma decisão política.”
A analista sênior de políticas públicas do WWF-Brasil, Daniela Malheiros Jerez, destaca que “sem o licenciamento ambiental, não haverá a adoção de medidas para a prevenção, mitigação ou compensação de impactos socioambientais, resultando em insegurança jurídica e conflitos não solucionados previamente".
As organizações concluem que o PL deve ser vetado por inconstitucionalidade e contrariedade ao interesse público, reforçando a importância do licenciamento ambiental como medida preventiva essencial para o desenvolvimento sustentável do país.