Votação no plenário está prevista para a tarde desta quarta (21). De última hora, relator acata proposta que permite desmatar no bioma mais ameaçado do país: a Mata Atlântica

O Projeto de Lei (PL) 2.159/2021 foi aprovado nas comissões de Meio Ambiente (CMA) e de Agricultura (CRA) do Senado nesta terça (20). A votação no plenário está prevista para acontecer na sessão que começa às 14h desta quarta (21). Se for aprovado, o PL volta à Câmara.
A proposta implode o sistema de licenciamento ambiental no país e sua aprovação seria o maior retrocesso na legislação ambiental desde a Constituição, na avaliação de ambientalistas e especialistas.
O texto prevê a isenção de licenças para alguns empreendimentos e setores econômicos; confere a estados e municípios o poder de conceder mais dispensas; e generaliza a Licença por Adesão e Compromisso (LAC), um licenciamento autodeclaratório e automático, sem análise prévia ou controle de órgão ambiental.
O PL também ameaça povos indígenas e quilombolas. Ele considera apenas os territórios dessas populações cuja regularização já eativer concluída, para efeito do licenciamento ambiental de empreendimentos e atividades econômicas que os afetem (saiba mais no quadro ao final do texto).
O parecer aprovado agora é fruto do consenso entre os relatores na CMA, Confúcio Moura (MDB-RO), e na CRA, Tereza Cristina (PP-MS), ex-ministra de Agricultura do governo de Jair Bolsonaro.
Na votação na Comissão de Meio Ambiente, pela manhã, Moura conseguiu piorar o texto, acatando de última hora uma emenda do senador Jayme Campos (União-MT) que abre caminho para o corte de vegetação na Mata Atlântica, o bioma mais ameaçado do país, só com 24% de cobertura vegetal original. A proposta acaba com a necessidade de autorização para o desmatamento em alguns casos. Organizações ambientalistas consideram que a emenda é um “jabuti”, ou seja, um dispositivo inserido numa proposta legislativa que não tem relação com seu tema principal.

Inconstitucionalidades
Apesar da oposição de organizações da sociedade civil e do Ministério do Meio Ambiente (MMA), o PL foi aprovado por votação simbólica em ambos os colegiados sob a pressão de ruralistas e bolsonaristas. A CRA aprovou um requerimento para que a proposta seja votada com urgência no plenário.
Na CMA, votaram contra apenas Eliziane Gama (PSD-MA), Augusta Brito (PT-CE), Beto Faro (PT-PA) e o líder do governo, Jaques Wagner (PT-BA). Na qualidade de presidente da comissão, Fabiano Contarato (PT-ES) não votou, mas disse que seria contra no plenário. Eles listaram vários pontos do projeto que seriam inconstitucionais.
Eliziane lembrou que já há quatro decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) contra dispositivos da proposta, a exemplo do licenciamento autodeclaratório para empreendimentos de porte e potencial poluidor médios. De acordo com o tribunal, apenas empreendimentos de pequeno porte e potencial poluidor podem ser licenciados assim.
“Ou seja, o que nós temos aqui com a aprovação dessa proposta, se ela for finalizada pelo Congresso Nacional, é que fatalmente teremos outras ações que poderão derrubar esse projeto de lei”, alertou a senadora. Ela argumentou que o enfraquecimento de controles previstos no PL vai abrir caminho para que desastres como o de Brumadinho (MG) se repitam. Lembrou que, antes da catástrofe, as instalações da mineradora Vale tiveram sua classificação reduzida para efeito da fiscalização prevista no licenciamento.
De acordo com uma análise do Instituto Socioambiental (ISA), 85% dos empreendimentos de mineração em Minas Gerais poderão ser feitos via LAC se o PL fora aprovado com sua redação atual.
“A prioridade absoluta assumida pelos parlamentares é o autolicenciamento e as isenções de licença. O conteúdo irresponsável que está sendo consolidado gerará insegurança jurídica e judicialização”, reforça Suely Araújo, coordenadora de Políticas Públicas do Observatório do Clima (OC).
“Infelizmente, quando se vota nesta Casa, e alguns não se sentem contemplados, se recorre ao Supremo Tribunal. Eu acho que essa prática diminui o Congresso”, contrapôs Tereza Cristina. “O STF só foi contra algumas leis estaduais, porque não existia esse marco do licenciamento ambiental”, arriscou. Ela voltou a negar que a aprovação da proposta vai provocar mais desmatamento.
Outra análise do ISA, publicada nesta semana, no entanto, mostra que a aprovação do projeto coloca em risco mais de 3 mil áreas protegidas, como Terras Indígenas e Territórios Quilombolas, e pode significar o desmatamento de uma extensão do tamanho do Paraná.

Posição do governo
Ao final da sessão da CMA, já do lado de fora da sala, Wagner evitou uma resposta categórica sobre a posição do governo. “Eu fiz as ressalvas que o governo está fazendo. Na hora do encaminhamento da votação, eu vou saber como é que eles querem que encaminhe, porque tem muito destaque [emenda com proposta de alteração para plenário]. Na verdade, tem muita coisa ali que na nossa interpretação é inconstitucional”, afirmou.
Documento de orientação de voto da Liderança do Governo obtido pela reportagem defende a aprovação do projeto “com ajustes”. Entre os pontos listados que precisariam ser rediscutidos, aparecem a LAC, a dispensa de licença para setores como a agropecuária, o poder de estados e municípios para conceder mais dispensas e a renovação automática de alguns tipos de licença.
Inicialmente, a votação do PL estava prevista para o início do mês. Wagner foi responsável pelo acordo que transferiu a análise da proposta para esta semana. Nesta terça, no entanto, embora ele e Contarato tenham se manifestado contra o projeto, não sinalizaram nenhum outro movimento para evitar ou postergar a votação. Ao contrário, defenderam-na.
Há semanas, informações de bastidores dão conta das pressões do presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP), para que o texto fosse votado rapidamente. Isso ficou claro nas falas de Contarato e Moura, por exemplo. Há meses, Alcolumbre e o Planalto pressionavam a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva (Rede-SP), e o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama) pela liberação da exploração de petróleo pela Petrobrás na Foz do Amazonas. A medida beneficiará o Amapá, estado do parlamentar. Coincidentemente, o Ibama autorizou ontem o prosseguimento dos procedimentos para que a atividade possa acontecer.
Quais os principais pontos do novo relatório do PL do Licenciamento e suas consequências?
- Autolicenciamento. A Licença por Adesão e Compromisso (LAC), pela qual qualquer pessoa consegue automaticamente a licença ambiental preenchendo um formulário na internet, torna-se a regra, e o licenciamento convencional, com análise prévia do órgão ambiental, a exceção. O problema é que essa autorização não vai valer apenas para empreendimentos de pequeno porte e potencial poluidor, mas para os de médio porte, potencial poluidor e risco ambiental.
- Dispensa de licenças. A proposta concede de antemão isenção de licenciamento para 13 atividades e empreendimentos econômicos, como agricultura, pecuária, “manutenção e ao melhoramento da infraestrutura em instalações preexistentes”, sistemas e estações de tratamento de água e de esgoto sanitário.
- Estados e municípios. A proposta concede poder quase ilimitado para esses entes da Federação criarem sua própria lista de isenções de licenciamento. Isso pode gerar confusão regulatória, insegurança jurídica e uma “guerra ambiental” entre quem libera mais e flexibiliza mais para atrair investimentos.
- Áreas protegidas. Terras Indígenas e territórios quilombolas cuja regularização não foi concluída não seriam consideradas para efeitos do licenciamento de empreendimentos e atividades econômicas que os impactem. As Unidades de Conservação só serão consideradas se o impacto for direto. No caso dos quilombos, mais de 96% das comunidades não seriam levadas em consideração para impactos de licenciamento, pois não contam com seus territórios titulados. Cerca de 40% dos territórios indígenas podem ser afetados.
- Condicionantes. O PL pretende isentar empreendimentos privados de cumprir as chamadas “condicionantes ambientais”, jogando a conta dos seus impactos para a população e os cofres públicos. As condicionantes previstas no licenciamento são as obrigações de prevenção, redução e reparação de impactos socioambientais.
- Renovação automática. O PL permite a qualquer pessoa interessada renovar automaticamente sua licença apenas preenchendo uma declaração na internet, sem nenhuma análise dos órgãos ambientais. Se as condicionantes não forem cumpridas, o empreendedor não precisa dar satisfação a ninguém.
- Bancos. O PL impede que os bancos sejam punidos por crimes e danos ambientais cometidos por empreendimentos e empresas que eles financiam. Isso ameaça a norma que proibiu crédito bancário para desmatadores.