Em Santa Cruz de la Sierra, Bolívia, rede apresentou o aplicativo AMA 2.0, divulgou dados inéditos e lançou uma animação sobre sua trajetória de quase 20 anos
A Rede Amazônica de Informação Socioambiental Georreferenciada (RAISG), rede formada por oito organizações da sociedade civil dos países amazônicos, entre elas o Instituto Socioambiental (ISA), realizou em Santa Cruz de la Sierra, Bolívia, o evento “Amazônia em chamas: Dados que alertam, gente e água mais vulnerável”, organizado pela Fundação Amigos da Natureza (FAN), membro boliviano da rede. A atividade marcou três lançamentos: o novo aplicativo AMA 2.0, dados atualizados sobre o sistema hídrico continental mais extenso do planeta, a dinâmica demográfica e os incêndios florestais na região, além de uma animação sobre a trajetória e atividades da RAISG.
Assista!
No início do evento, realizado no dia 11 de setembro, RAISG divulgou resultados preliminares e alarmantes do Relatório de Áreas Queimadas na Amazônia até 2024. O estudo apontou que, no ano passado, a região enfrentou uma das piores temporadas de fogo já registradas, com mais de 2,9 milhões de focos de calor detectados.
Brasil e Bolívia concentraram 95% das ocorrências, em grande parte devido à seca extrema.
Os dados revelam que, entre 2016 e 2024, a superfície afetada por queimadas chegou a 188 milhões de hectares, área equivalente a quase quatro vezes o território da Espanha. Em 2024, 57% ocorreram no Brasil e 28% na Bolívia. Cerca de 39% das áreas queimadas estavam em florestas, ecossistemas que não são adaptados ao fogo e perdem rapidamente carbono, biomassa e biodiversidade após cada evento.
As análises também mostram que, embora a maioria das áreas (52%) tenha queimado apenas uma vez no período analisado, 7% foram queimadas entre cinco e nove vezes, revelando pontos de alta recorrência que comprometem a regeneração e aumentam a vulnerabilidade socioambiental.

O relatório mapeou ainda o comportamento das queimadas ao longo do ano. Os meses de agosto a novembro concentram a maior parte dos focos, período em que a seca e a ação humana se combinam para expandir o fogo em áreas de pastagens, savanas e florestas. RAISG alerta que a combinação de mudanças climáticas e eventos extremos como o El Niño vem intensificando a ocorrência de queimadas em áreas antes consideradas resistentes, como florestas úmidas.
A análise também apontou a incidência de queimadas em Terras Indígenas e Áreas Naturais Protegidas, que historicamente funcionam como barreiras contra a degradação. Em 2024, milhões de hectares desses territórios foram atingidos, evidenciando o avanço das pressões mesmo sobre áreas legalmente reconhecidas. Segundo RAISG, isso compromete tanto os modos de vida das comunidades locais quanto a conservação de serviços ecossistêmicos fundamentais, como a regulação climática e a proteção das águas.
Mudanças demográficas e hídricas
Para chegar aos resultados sobre o fogo, também foram analisados dados demográficos e hídricos. A população amazônica quase dobrou nos últimos 40 anos, passando de 29 milhões de pessoas em 1985 para 58 milhões em 2025. Mais da metade dessa população está concentrada em apenas dez grandes bacias hidrográficas, como Mamoré, Tocantins e Negro.
Esse crescimento se traduziu em maior urbanização – hoje 72% da população amazônica vive em áreas urbanas – e aumento da pressão sobre água, energia, infraestrutura e alimentos.

O relatório também destacou que a Amazônia é o maior sistema hídrico continental do planeta, responsável por cerca de 20% da descarga de água doce para os oceanos. No entanto, pressões como desmatamento e queimadas vêm comprometendo a qualidade da água.
Campanhas de monitoramento realizadas em diferentes rios amazônicos encontraram coliformes totais e fecais em todos os pontos analisados, além de metais como ferro, alumínio e manganês. Foram identificadas ainda altas concentrações de mercúrio em sedimentos e peixes em regiões do Peru e da Bolívia, ultrapassando os limites estabelecidos pela Organização Mundial da Saúde, o que representa risco direto à saúde de populações humanas e ecossistemas aquáticos.
Aplicativo e animação

Como parte dos esforços de RAISG para avançar em inovação, tecnologia e comunicação, foi lançado no encontro o aplicativo AMA 2.0, versão para celular da plataforma de monitoramento socioambiental da rede.
Aberta ao público e disponível em todas as plataformas, a ferramenta reúne 23 camadas de informação que permitem acompanhar em tempo real pressões como desmatamento, focos de calor, mineração, expansão de infraestrutura e mudanças no uso do solo.
O sistema também traz indicadores de degradação, como fragmentação de habitats, impactos sobre corpos d’água e variações no carbono florestal.
Outro destaque é a ênfase no papel estratégico das Terras Indígenas e Áreas Protegidas como barreiras à destruição, além da integração de dados sobre biodiversidade, serviços ecossistêmicos e conectividade ecológica.
O evento foi marcado também pela exibição de uma animação da RAISG, que apresenta a trajetória da rede desde 2007, sua metodologia de produção de informações socioambientais acessíveis e confiáveis e a importância de torná-las disponíveis a comunidades, pesquisadores, jornalistas e tomadores de decisão.
O material audiovisual, elaborado pela secretaria executiva da rede, destaca as principais linhas de trabalho, como monitoramento do fogo, desmatamento, conectividade ecológica, demografia e recursos hídricos , e reforça a necessidade de cooperação transnacional para enfrentar as múltiplas ameaças à Amazônia.