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Tá Na Hora da Roça: campanha pede respeito ao plantio tradicional quilombola

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Comunidades quilombolas do Vale do Ribeira lançam campanha para pressionar governo de SP na emissão de licenças para suas roças tradicionais. Assine a petição!
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As comunidades quilombolas do Vale do Ribeira, no sudeste do estado de São Paulo, lançam nesta sexta-feira, 17/8, a campanha "Tá Na Hora da Roça", em defesa de suas roças tradicionais, ameaçadas pela burocracia e falta de conhecimento dos órgãos ambientais de SP. A campanha pede que o governo de São Paulo autorize, com a emissão de licenças no tempo adequado, a abertura das roças de coivara nos quilombos, garantindo segurança alimentar, autonomia e fortalecimento cultural para as comunidades.

Há anos, essas comunidades enfrentam sérios obstáculos junto à burocracia de órgãos estaduais, como a Secretaria de Meio Ambiente, Itesp, Fundação Florestal e Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (Cetesb), para conseguir as licenças que liberam o corte de vegetação, procedimento necessário para o plantio de alimentos voltados à subsistência.

A falta das autorizações no tempo certo para a abertura das roças enfraquece a cultura tradicional dos quilombos, incentiva o êxodo rural dos mais jovens, prejudica a saúde e a cultura dessas populações tradicionais do Vale do Ribeira, região que concentra a maior parcela de Mata Atlântica conservada de São Paulo.

As licenças atrasam ano após ano. Sem a autorização, os quilombolas são impedidos de plantar e acabam abandonando as roças. “O medo [de multas] impera na comunidade. Deixou muito de se fazer roça pela questão da legislação mesmo”, explica Vanessa França, 31 anos, do quilombo São Pedro.



As roças de coivara fazem parte do Sistema Agrícola Tradicional Quilombola (em processo de reconhecimento como patrimônio imaterial pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional - Iphan) e parte central do manejo dos recursos naturais do Vale do Ribeira que promovem há mais de 200 anos a conservação da Mata Atlântica na região (veja mais aqui). Não por acaso, o Vale do Ribeira concentra 21% do que resta desse bioma em todo o Brasil.“Você anda pelo Vale do Ribeira (fora das comunidades) e é tudo pasto, bananal. A gente tá aqui e preserva há quanto tempo?”, questiona Regiane Lilian, 35 anos, moradora do quilombo São Pedro.

Veja abaixo o vídeo completo da campanha:

O tempo das coisas

A burocracia estatal ignora que as roças quilombolas seguem ao cronograma da natureza: a época ideal para a abertura da área é julho, quando o clima está seco e, assim, permite que a vegetação fique seca para a queima. O plantio costuma ocorrer em agosto e setembro, e a colheita a partir do próximo ano, dependendo da espécie de cultivar. Por isso, é essencial que as autorizações cheguem, no máximo, até junho do mesmo ano, para que os quilombolas possam iniciar o corte da mata no momento correto.

“A demora (na emissão das licenças) é um meio de desanimar a gente porque eles não seguem o nosso tempo. A nossa roça tem tempo para tudo: tem o tempo de escolher o lugar, tem o tempo de roçar, tem o tempo de derrubar”, explica dona Diva, 72 anos, do quilombo Pedro Cubas de Cima. Autorizações solicitadas no início de 2017, por exemplo, só chegaram mais de um ano depois, em junho de 2018.



Mas há outros impactos impostos pela burocracia estatal: a perda do ciclo de plantio tem impacto direto na perda de variedade de sementes. As sementes, orgânicas e não modificadas, precisam ser plantadas pouco depois de colhidas. Com o atraso, espécies de alimentos estão desaparecendo. Um estudo do grupo de estudos em Ecologia Humana de Florestas Neotropicais, da Universidade de São Paulo, coordenado pela bióloga Cristina Adams, mostra que, entre 1986 e 2000, houve uma perda de 52% das variedade agrícolas locais. São espécies de arroz, feijão, cará, mandioca, mandioca, banana, abóbora que nunca mais poderão ser plantadas. E a variedade agrícola é justamente um dos maiores patrimônios dessas comunidades.

Para Maria Sueli Berlanga, a irmã Sueli, da Equipe de Articulação e Assessoria às Comunidades Negras do Vale do Ribeira (EAACONE), a burocracia para emitir as licenças faz parte de uma política de esvaziamento das comunidades tradicionais do vale. Segundo ela, o solo e subsolo das comunidades despertam interesse de setores econômicos. Há 92 requisições de mineração na área.

“Então tem uma política de esvaziamento do território, e como faz essa política? Coibindo toda a ação das comunidades tradicionais”. afirma Sueli. “Porque tanta dificuldade pra fazer uma roça que eles tão fazendo há séculos?”, questiona. “É uma política de impedir que a população viva da própria cultura”, conclui.



Entre 2015 e 2017, a licença para a abertura das roças atrasou em 45% dos pedidos, aponta levantamento realizado com entrevistas com 193 quilombolas de 14 comunidades. Desse total de entrevistados, 76% deixou de plantar. São ao menos 90 roças que deixaram de ser feitas. .

O ISA registrou a produção de alimentos orgânicos de algumas roças em 2017. Os dados mostram que uma roça pode produzir de 1.650 quilos a mais de 30 mil quilos de alimentos, uma variação muito grande. Se considerássemos a roça do José de Assis Pereira, por exemplo, foram 3.018 quilos de alimentos produzidos em uma roça durante um ano. Se as 90 roças que deixaram de ser feitas devido ao atraso das licenças produzissem uma quantidade de alimentos equivalente a de seu Assis, seriam cerca de 270 mil quilos de alimentos que deixariam de ser produzidos em um ano.

Veja abaixo o teaser da campanha:

Cetesb e Itesp

A Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (Cetesb) é responsável pela autorização da supressão de vegetação nativa em trechos da Mata Atlântica. No caso das áreas em que as Unidades de Conservação estão sobrepostas, a autorização fica a cargo da Fundação Florestal, que também faz a parte técnica do processo. No caso dos territórios quilombolas que têm suas áreas sobrepostas pela Apa Quilombos do Médio Ribeira e nos quilombos sem nenhuma sobreposição, o Instituto de Terras do Estado de São Paulo (Itesp) é responsável pela elaboração dos laudos técnicos, pela produção de material georreferenciado e organização da documentação exigida pelo rito de licenciamento.

O ISA procurou a Cetesb e o Itesp para esclarecimentos sobre o atraso das autorizações. Segundo a Cetesb, as autorizações são emitidas com base na Lei Florestal ( Lei Federal 12.651/2012) e na Lei da Mata Atlântica (Lei Federal 11.428/2006). “O processo de solicitação de autorização exige, entre outros documentos, a comprovação de posse ou propriedade, a delimitação da área a ser cortada e a quantificação e classificação do estágio sucessional da vegetação a ser cortada”, afirmou o órgão em nota. Segundo a Cetesb, uma vez que o Itesp envie toda essa documentação, a avaliação é muito rápida - apesar de não detalhar qual o tempo exato para esse processo.

Procurado, o Itesp não se manifestou.

As comunidades quilombolas precisam do seu apoio para que suas roças tradicionais sejam respeitadas. Assine e compartilhe a petição: http://isa.to/tanahoradaroca

Clara Roman
ISA
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