As mudanças climáticas estão no topo da lista dos maiores desafios socioambientais enfrentados pela humanidade atualmente. E têm gerado graves implicações nos biomas brasileiros.
De 1970 para cá, o planeta está mais quente do que nos últimos dois mil anos. Segundo relatório do MapBiomas, para minimizar tais efeitos, há urgência na mudança de comportamento e de estilo de vida, além de ações para conservação e restauração ambientais.
É dentro deste contexto que o Redário, uma iniciativa que une redes de coletores de sementes, se destaca. A restauração ecológica em rede realizada por meio do trabalho de base com comunidades tradicionais utiliza o conhecimento ancestral na luta pela preservação ambiental com aqueles que sempre souberam o valor que a floresta tem.
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Nota técnica propõe critérios para escolha de projetos de infraestrutura no Brasil
Documento conjunto ISA, IBRAOP, TI Brasil, IEMA e GT Infra sugere parâmetros para análise e classificação de projetos candidatos a programas públicos como o “novo PAC”
Como o planejamento de infraestrutura pode resultar em melhores escolhas, em termos de maiores benefícios socioeconômicos para a sociedade, enquanto evita intervenções que levem ao desperdício do dinheiro público e graves danos socioambientais? Como pode ter mais transparência e participação da sociedade na tomada de decisões sobre alternativas de projetos nos setores de transporte e energia?
O documento contém um conjunto de critérios para a análise prévia de alternativas de investimentos em infraestrutura e uma proposta de categorias de diagnóstico e de classificação com o objetivo de contribuir com a escolha de projetos incluídos no planejamento do governo. Considerando o recém-anunciado lançamento do “novo PAC” (Programa de Aceleração do Crescimento) pelo governo federal, que seria um novo conjunto de obras prioritárias para o Brasil, o texto traz a reflexão sobre quais critérios foram utilizados para selecionar essas obras.
A nota “Critérios para análise e classificação de empreendimentos de infraestrutura propostos para inclusão no Plano Plurianual 2024-2027 e no Programa de Parcerias de Investimentos (PPI)” apresenta quatro categorias de análise da infraestrutura: alinhamento com orientações estratégicas do governo; análise prévia e gestão de riscos socioambientais; avaliação socioeconômica; e transparência e participação e cinco elementos para sua classificação.
“A elaboração de cenários alternativos de infraestrutura que incorporem critérios socioambientais e econômicos transparentes na comparação de projetos, com ampla participação da sociedade, deveriam fundamentar a seleção dos investimentos que estruturam tanto o orçamento público como as Parcerias Público Privadas (PPI).
No entanto, esta não é uma prática usual no Brasil e não se tem clareza dos critérios utilizados na seleção destes investimentos”, explica André Luis Ferreira, diretor-presidente do IEMA. “Por isso, esse documento propõe um conjunto destes critérios e sua divulgação contribui para começar a jogar luz sobre o processo decisório de investimentos em infraestrutura no Brasil”, completa.
O propósito da nota é contribuir para o fortalecimento dos procedimentos e normas que disciplinam a governança, o planejamento, a seleção e a avaliação dos investimentos em infraestrutura no país. É importante que o processo de escolha de quais infraestruturas serão priorizadas pelo governo seja transparente e esteja aberto à participação da sociedade, e, ao mesmo tempo, que seja baseado em critérios considerando os riscos e os impactos socioambientais.
"A nota técnica tem por objetivo, de forma inovadora, nortear a seleção de projetos para o PPA e PPI neste ano, mas está inserida num contexto maior que é o de institucionalizar elementos mínimos para tomada de decisão dos governos sobre investimentos em infraestrutura, fundamentada em planos de longo prazo e subsidiadas por estudos técnicos, econômicos e socioambientais robustos", explicou a presidente do Ibraop, Adriana Portugal.
Esses critérios não apenas servem como ferramenta de avaliação prévia e de priorização, mas também podem ser empregados como referência para o controle e o monitoramento de projetos de infraestrutura já incluídos no Plano Plurianual (PPA) e no Programa de Parcerias para Investimentos (PPI), num modelo consistente e transparente, que garanta a adequada execução e o acompanhamento desses projetos.
A proposta de classificação das obras, no final da nota técnica, é uma aplicação concreta dos critérios listados com o objetivo de auxiliar o governo a priorizar e aprimorar suas propostas de obras de infraestrutura em todo o país. Vale ressaltar que esses critérios estão alinhados às diretrizes nacionais – como de promoção da transparência, da participação social e a redução do desmatamento – e com as boas práticas internacionais de avaliação de riscos socioambientais e análise de viabilidade socioeconômica.
É crucial que as diversas ações de infraestrutura sejam articuladas de forma integrada com outras políticas públicas em cada região. Esta articulação evita projetos em territórios cuja governança é frágil, permite a otimização dos recursos, evita duplicações e promove uma abordagem abrangente e sustentável para o desenvolvimento socioeconômico e ambiental da sociedade.
Por fim, o respeito e a proteção aos direitos de povos e comunidades tradicionais e comunidades locais afetadas pelas infraestruturas devem ser um ponto de atenção.
“Historicamente, o planejamento de infraestrutura no país enxerga os danos aos povos e comunidades tradicionais e locais como ‘sacrifícios necessários’ para o desenvolvimento dos projetos, e isso não é mais aceitável. Os povos e as comunidades impactados exigem que seus direitos de participação, como a consulta prévia e a inclusão de seu bem-estar, sejam considerados no planejamento e que sejam selecionados projetos que apresentem resultados verdadeiramente positivos para os territórios”, ressalta Mariel Nakane, do ISA.
Em imagem de 2013, Sítio Pimental visto do km 52 da Rodovia Transamazônica. Os buracos gigantes nas rochas abrigaram as turbinas da casa de força principal da Usina Hidrelétrica de Belo Monte, no Pará/Letícia Leite/ISA
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Diálogo de saberes fortalece modo de vida de beiradeiros do Xingu
Módulo sobre economia debateu relações históricas entre a formação da identidade beiradeira e as cadeias de valor a partir da reflexão sobre o futuro da juventude nos territórios
Thamires Silva, Wellington Josée Silva e Evandro Silva durante o Curso de Gestão Territorial|Silia Moan/ISA
Jovens beiradeiros das Reservas Extrativistas Riozinho do Anfrísio, Rio Iriri e Rio Xingu, e também da Estação Ecológica Terra do Meio, outra Unidade de Conservação da região do Pará, refletiram no curso de gestão territorial do Beiradão sobre a história e a cultura associadas à identidade beiradeira e ao território do “beiradão”.
Das conversas, feitas em Altamira, às margens do rio Xingu, nasceram desejos de se criar caminhos para promover o diálogo com a sociedade envolvente, representantes do governo e parceiros, na busca pela proteção das suas vidas e de seus territórios.
O primeiro Curso de Gestão Territorial aconteceu entre 2011 e 2016, e foi realizado pelo Instituto Socioambiental (ISA) e Fundação Viver Produzir e Preservar (FVPP), com apoio da Universidade Federal do Pará (UFPA) e do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio).
Naquela época, o ciclo formativo tinha como objetivo fortalecer as lideranças das Reservas Extrativistas da Terra do Meio. O resultado foi a formação de assessores e lideranças das organizações comunitárias.
Em janeiro de 2023, foi realizado mais um módulo do curso de gestão territorial, dessa vez com o tema “economia”. Durante um mês, o coordenador do curso e antropólogo no ISA, Augusto Postigo, ao lado de Nurit Bensusan, especialista em biodiversidade do ISA e Raquel dos Santos, ecóloga, educadora e consultora do ISA, estiveram nas comunidades Gabiroto, São Francisco e Morro do Anfrísio, com cerca de 90 jovens beiradeiros.
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Nurit Bensusan, especialista em biodiversidade do ISA, interpreta o conceito de economia da sociobidiversidade a partir dos conhecimentos dos estudantes do curso de Gestão Territorial, na Resex Rio Xingu|Silia Moan/ISA
Para compreender como o conceito está relacionado à prática, Nurit Bensusan dividiu a palavra Sociobiodiversidade em três: sócio, bio e diversidade. Com os beiradeiros da Resex Rio Xingu, a bióloga refletiu e interpretou sobre os sentidos de cada um dos termos para, ao fim, discutir com os estudantes a força da união do socio+bio+diversidade, que para os estudantes pode ser resumido como "o meio pelo qual o conhecimento tradicional do beiradão gera vida, protege e faz floresta”.
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Thamires Silva, estudante do curso de gestão territorial|Silia Moan/ISA
Ela conta que é sempre um desafio falar sobre o jargão que nós, que vivemos fora das comunidades, usamos para nos referir às práticas, muitas vezes usuais e consagradas, dos povos e comunidades tradicionais, como economia da sociobiodiversidade.
“É o que essas pessoas fazem todos os dias: tirar castanha, pescar, tirar borracha, botar roça, fazer farinha. E, dessa forma, garantir sua soberania alimentar e a floresta íntegra”, afirma Bensusan. Entretanto, afirma a especialista em biodiversidade do ISA, “os termos que a gente usa são, muitas vezes, enigmáticos para beiradeiros e outros povos e comunidades que constituem a rica sociobodiversidade desse país”.
Ainda assim, ela acredita que o esforço é válido, pois é conhecendo esses termos, esse jargão, que as comunidades da Terra do Meio podem se organizar para garantir seus direitos.
Em resposta à provocação de Bensusan sobre a relação entre economia e sociobiodiversidade, a estudante Thamires Silva sintetizou que, para ela, "economia é como a gente se organiza para ter um futuro melhor”.
Num momento em que a bioeconomia é a palavra da “moda”, é fundamental entender o que está em jogo no futuro próximo do país - que está associado ao beiradão, ou seja, a vida dessas pessoas - e assegurar que as economias da sociobiodiversidade tenham seu lugar, com políticas, instrumentos e inovação. Afinal, bioeconomia se escreve com S de sociobiosiversidade, afirma a professora do Curso de Gestão Territorial no Beiradão.
A sociobiodiversidade faz parte do modo de vida beiradeiro, desde as relações entre diversidade biológica, sistemas agrícolas tradicionais e a cultura beiradeira. E para que o beiradão continue sendo diverso, é preciso que os direitos territoriais dos beiradeiros sejam garantidos, com o reconhecimento, acesso pleno, posse e segurança dos territórios beiradeiros.
Lembrando do passado para compreender o presente e sonhar com o futuro!
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Jovens beiradeiros apresentando sua visão sobre economia durante o curso de Gestão Territorial|Silia Moan/ISA
Foi ativando a memória dos estudantes que o grupo refez os caminhos percorridos pelos produtos do extrativismo, desde o aviamento à organização para a produção, coleta, comercialização e beneficiamento.
Assim, foi possível compreender como esses caminhos e personagens envolvidos mudaram ao longo dos últimos 150 anos, desde a época dos barracões até os seringais da Terra do Meio, como conta o livro “Xingu: histórias dos produtos da floresta" organizado por André Vilas-bôas, Natalia Ribas Guerreiro, Rodrigo Gravina Prates Junqueira e Augusto Postigo.
Nesse módulo, foram os alunos que contaram essa história a partir da análise de como o conhecimento sobre os valores e economia foram atualizados com a implementação da Rede de Cantinas e do protagonismo dos beiradeiros na produção extrativista.
A partir do aprofundamento sobre como as Redes de Cantinas são estruturadas, com base nas cadeias de valor, os jovens fizeram leituras e cálculos para fortalecer os conhecimentos nas línguas portuguesa e matemática, ao mesmo tempo em que compreendiam mais sobre a história de formação do mosaico da Terra do Meio.
Além da relação profunda com o mundo das águas, os beiradeiros da Terra do Meio nomeiam de beiradão o território como um todo, afirma Augusto Postigo.
“Beiradão significa o território como um todo, composto de florestas, rios, igarapés, numa diversidade de paisagens reconhecidas pelos beiradeiros.”
É por meio da identificação “beiradeiro” que essas comunidades tradicionais se colocam no mundo, relacionando sua cultura e seus saberes locais ao modo harmonioso de se relacionar com a floresta.
A forte conexão com as águas, animais e plantas, influencia seus hábitos e costumes. Há ainda a teia de relações de parentesco que se espalha pelo território, conectando do Alto Iriri e Xingu até Altamira.
Ao longo dos dias do curso de gestão, a troca de conhecimento entre os participantes do módulo de Economia e os técnicos do ISA possibilitou que as relações estruturadas no beiradão fossem reconhecidas e valorizadas.
Essa edição do curso de gestão é parte de um projeto financiado pela Iniciativa Darwin.
O que muda com esse governo?
Foi com essa pergunta que os beiradeiros refletiram sobre a mudança nas políticas públicas, principalmente sobre a criação da Secretaria Nacional de Povos e Comunidades Tradicionais, liderada por Edel Nazaré, uma mulher da águas, nascida no município de Curralinhos, localizado no arquipélago do Marajó - (PA).
Patricia Lima, estudante e comunicadora da Rede Xingu+, falou que “Edel tem a realidade do modo de vida beiradeiro”.
Como é o futuro que queremos? O curso de gestão territorial pelos olhos das comunicadoras beiradeiras!
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Quadro com perguntas orientadoras do Curso de Gestão Territorial|Silia Moan/ISA
Protagonistas das articulações entre os diferentes territórios e povos da Bacia do Xingu, os Comunicadores da Rede Xingu+ constituem um grupo de 26 jovens indígenas e beiradeiros que têm se aperfeiçoado, durante as formações, no uso de ferramentas de comunicação para o fortalecimento das estratégias de proteção do corredor de Áreas Protegidas do Xingu.
Durante o módulo sobre economia, realizado na Resex Rio Xingu, a comunicadora beiradeira Patricia Lima utilizou diferentes linguagens abordadas durante o curso para roteirizar, filmar, dirigir e entrevistar os participantes do curso, resultando no vídeo "Curso de Gestão Territorial: Beiradeiros na luta pelos seus direitos!", onde os jovens contam qual é o futuro que querem para suas vidas no Beiradão.
Patricia Lima, comunicadora da Resex Rio Xingu, durante filmagem do vídeo com os participantes do curso de Gestão Territorial|Silia Moan/ISA
Participantes do Curso de Gestão Territorial na região do médio Xingu (PA)|Silia Moan/ISA
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Exposição de produtos do Território Indígena do Xingu fortalece laços por uma economia do cuidado
Realizada no Diauarum, polo com maior número de aldeias no Xingu, primeira edição da EXPOTIX aproximou artesãos, agricultores e agroextrativistas por um modelo de economia xinguano
Mexulã Waujá segura cerâmica durante a EXPOTIX, Exposição de Produtos do Território Indígena do Xingu|Tairu Kayabi Juruna/Rede Xingu+
Polvilho, batata-doce roxa, centenas de espécies de amendoim, banana, sal de aguapé, mel, pimenta, pulseiras, brincos, cerâmicas, peneiras, tipoias, redes de algodão tecidas pelas mãos dos povos do Território Indígena do Xingu (TIX), mostram uma parte da extensa diversidade presente na primeira edição da Exposição de Produtos do Território Indígena do Xingu (EXPOTIX).
No encontro, realizado pela ATIX (Associação Terra Indígena do Xingu) no Diauarum, polo com maior número de aldeias no Xingu, os xinguanos puderam apresentar suas produções para divulgar, trocar e compartilhar entre diferentes povos do Xingu as histórias dos modos de fazer e produzir suas artes e alimentos tradicionais.
Estiveram presentes lideranças, produtores locais, organizações da sociedade civil e representantes do governo sobre soluções econômicas com base na sociobiodiversidade do TIX. Durante os três dias de encontros, os povos do TIX refletiram sobre as lógicas de produção, circulação, distribuição, divulgação e consumo de bens e serviços, a partir das suas estruturas, experiências sociais e políticas locais.
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Artes e artefatos do povo Yudjá e exibidos na EXPOTIX, que aconteceu no Diauarum, polo com maior número de aldeias no Xingu|Tairu Kayabi Juruna/Rede Xingu+
“Divulgar os produtos indígenas xinguanos, incentivar o debate sobre a viabilidade econômica das produções para as comunidades e refletir sobre a importância da valorização dos produtos tradicionais com base nas diversas manifestações culturais dos povos do TIX é o que motivou a ATIX a produzir um encontro entre os xinguanos. Para que os produtores apresentassem seus modelos de produção para inspirar outras famílias presentes”, afirmou Ianukula Kaiabi, presidente da ATIX, durante as apresentações dos produtores xinguanos.
A diretora do departamento de mulheres da ATIX, Amairé Kaibi, acompanhou de perto a produção de farinha, polvilho e sal de aguapé no TIX. Segundo ela, são as mulheres que cuidam dessa produção e precisam ter as condições adequadas para desenvolver esse trabalho que beneficia a todos nas comunidades.
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Amairé Kaibi, diretora do departamento de mulheres da ATIX, defende a produção de mulheres indígenas durante a EXPOTIX|Tairu Kayabi Juruna/Rede Xingu+
Com apoio da estratégia PPPECOS (Paisagens Produtivas Ecossociais), Fundo Amazônia e do Instituto Sociedade, População e Natureza (ISPN) em parceria com a ATIX, as comunidades do TIX receberam equipamentos e formação para o aperfeiçoamento da produção de alimentos para consumo e circulação interna.
Segundo Purã Kaiabi, da aldeia xinguana Caiçara, é possível trabalhar com a comunidade e fazer movimentar a economia local. “Já trabalhamos com farinha, amendoim e polvilho. A produção está ajudando muito a comunidade. Cada morador da aldeia produz e vende para outras comunidades que precisam, levando alimentos de qualidade por um valor acessível para todos”, contou.
“São os povos do Xingu falando o que é importante para eles”, complementou o presidente Ianukula Kaiabi.
A castanha é o nosso tempero!
“Vou chamar duas pessoas para mostrar de que lado se planta a semente da castanha para germinar. Quero chamar uma mulher do Alto Xingu e um homem do Baixo Xingu”, convocou o produtor de castanha e ex-presidente da ATIX, Makupá Kaibi, no início de sua oficina de mudas de castanheira.
O povo Kawaiwete vivia nas nascentes do Rio Tapajós, entre os rios Juruena e Teles Pires, e foram transferidos em 1960 para o TIX. Desde então buscam estratégias para se adaptar às diferenças do ecossistema da região do Rio Xingu e reproduzir a base alimentar que tinham em seus antigos territórios como cacau, cupuaçu, copaíba e castanha.
Com esses alimentos, os Kawaweite trazem histórias e modos de fazer que, com o tempo, vão sendo enfraquecidos por não terem os alimentos para a prática. Makupá Kaibi finalizou sua oficina contando que foi com apoio do fundo Apoio a Iniciativas Comunitárias (AIC) que conseguiu produzir 500 mudas.
“Eu não estava pensando só em geração de renda! A castanha é o nosso tempero. As mulheres Kawaiwete usam no cabelo e preparam o leite da castanha. O meu objetivo é produzir 200 mil mudas para o Xingu. Antes desse projeto eu não conseguia dormir direito, pois ficava pensando em tudo que iriamos perder junto com a perda dos nossos castanhais”, finalizou Makupá Kaibi.
Ainda durante o intercâmbio de estratégias produtivas da sociobiodiversidade no Xingu, Mytang Kaiabi, da aldeia Guarujá, compartilhou o passo a passo para o preparo do tradicional beiju do povo Kawaiwete com farinha de mandioca pubada e amendoim torrado, seguido da preparação de “Maritxa” - bebida fermentada de mandioca - realizada pelas mulheres Yudjá.
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Apresentação de mulheres Alto Xinguanas|Tairu Kayabi Juruna/Rede Xingu+
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Apresentação de mulheres do povo Kīsêdjê|Tairu Kayabi Juruna/Rede Xingu+
Para ampliar a troca de experiências, a ATIX convidou 10 representantes das organizações indígenas da Rede de Cooperação Amazônica (RCA), para apresentar as cadeias de valor estruturadas em seus territórios.
Luciane de Lima, representante da Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (Foirn) e gerente da Casa Wariró, contou como o espaço de comercialização e valorização da cultura dos povos indígenas do Rio Negro tem estruturado e comercializado sua produção a partir da organização das mulheres indígenas do Rio Negro.
Os representantes do Conselho Indígena de Roraima (CIR), da Associação de Mulheres Indígenas do Oiapoque (AMIN), da Associação do Movimento dos Agentes Agroflorestais Indígenas do Acre (AMAAIAC), da Organização dos Professores Indígenas do Acre (OPIAC) e da Organização Geral do povo Matsés (OGM) também apresentaram suas experiências e levaram suas produções para trocar com os xinguanos.
Para fechar a EXPOTIX, foi realizado um grande Moitará – ritual de troca de artefatos –, em uma lógica tradicional xinguana de circulação de bens, a partir da estruturação de vínculos entre aqueles que trocaram os bens, mostrando na prática que o bem mais valioso é aquele que movimenta a troca, ou seja, as relações e parcerias que se estruturam a partir da economia que faz circular cuidado e produz floresta.
EXPOTIX pelos olhos dos comunicadores do Xingu
Quinze comunicadores de coletivos diversos se reuniram durante a EXPOTIX para cobriros três dias de encontro. Entre eles estiveram Dadyma Juruna – diretora do filme Mandayaki e Takino, do Instituto Caititu –, os cineastas Bob e Jairo Kuikuro – do coletivo Kuikuro de Cinema –, os comunicadores da Produtora audiovisual da Associação Kisedje (AIK) – e os comunicadores Arewana Juruna e Kujãesãge Kaiabi, da Rede Xingu+.
Veja abaixo alguns dos registros feitos pelos comunicadores durante a EXPOTIX:
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Apresentação de jovens do povo Kīsêdjê|Tairu Kayabi Juruna/Rede Xingu+
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Apresentação de jovens do povo Kawaiwete|Tairu Kayabi Juruna/Rede Xingu+
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Abertura da primeira Exposição de produtos do Território Indígena do Xingu|Tairu Kayabi Juruna/Rede Xingu+
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Arewana Juruna na filmagem e Kujaesãge entrevistando a ex-diretora executiva da ATIX, Iré Kaiabi|Tairu Kayabi Juruna/Rede Xingu+
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No Xingu, a economia do futuro fica a dois dias de barco, subindo o rio
Na Reserva Extrativista Riozinho do Anfrísio (PA), povos da floresta se reuniram com empresários na Semana do Extrativismo para viabilizar, de fato, negócios que garantem a floresta viva
Criança brinca na Reserva Extrativista Riozinho do Anfrísio, na Bacia do Xingu (PA), onde aconteceu a 9ª Semana do Extrativismo|Soll Sousa/SUMAÚMA
Numa sala de aula na Amazônia, indígenas, ribeirinhos, agricultores familiares e empresários não indígenas conversam sobre o futuro. A sala é uma das instalações do polo Morro do Anfrísio, uma das localidades da Reserva Extrativista Riozinho do Anfrísio, na Bacia do Xingu, no Pará.
A reunião faz parte da 9ª Semana do Extrativismo (Semex) - um evento onde aqueles que defendem e vivem da floresta se encontram com empresários para discutir negócios e viabilizar, de fato, uma economia sustentável.
Das janelas da sala, cobertas com telas para os mosquitos, avista-se o Riozinho do Anfrísio, um rio de águas escuras e cheias de vida, afluente do Rio Iriri. Do outro lado, a floresta densa a perder de vista. Apesar da paisagem serena, os tempos não estão fáceis: enquanto os extrativistas se reuniam, deputados federais discutiam a aprovação do PL 490, que abre as Terras Indígenas para o garimpo, estradas, arrendamentos, empreendimentos agropecuários, entre outros (veja aqui).
A Semex, que aconteceu entre os dias 23 e 28 de maio, foi promovida pela Rede Terra do Meio. A articulação surgiu em 2009 para possibilitar preços justos nas cadeias dos produtos da sociobiodiversidade, e remunerar ribeirinhos e indígenas de forma digna, garantindo seu bem viver dentro das comunidades.
Semex pelo olhar dos comunicadores da Rede Xingu+
A 9ª Semex contou com a cobertura de comunicadores da Rede Xingu+.
Joelmir Silva, da comunidade Maribel, e Maxiel Xavier, da Resex Rio Iriri, registraram o evento em fotos, vídeo, texto e áudios. Ao final, produziram um vídeo emocionante.
Começou com o nome de Rede de Cantinas e, há um ano, foi rebatizada como Rede Terra do Meio. A cantina é um local de troca de saberes, de produtos e mantimentos, onde o produtor entrega sua produção retirada da floresta (de borracha, castanha ou babaçu, por exemplo) em troca de dinheiro ou de mercadorias. A partir da cantina, esse material será levado para a “rua”, como os beiradeiros chamam a cidade. De barco, esses produtos chegam na sede da Rede no centro de Altamira e de lá vão abastecer empresas ou vão direto para a venda ao consumidor final.
A cantina opera de forma parecida ao sistema que já ocorria nesses locais há séculos, conhecido por aviamento, e que era viabilizado por meio de atravessadores - os patrões e os regatões. A diferença é que a cantina parte da governança local compartilhada e transparente e de uma remuneração justa ao produtor, acabando com as trocas desiguais que aconteceram na região por anos.
O cantineiro faz parte da Rede, recebe sua porcentagem pelo trabalho junto à comunidade, mas sem levar uma vantagem desigual. “A gente já trabalhava com produtos extrativistas, com nossos antepassados, mas nós vendíamos os produtos para patrões e regatões”, afirma Pedro Pereira, da comunidade Paulo Afonso, no Riozinho do Anfrísio, e fundador da primeira cantina da Rede.
Com a Rede, os produtores passaram a negociar o valor dos seus produtos diretamente com as empresas, pulando o intermediário. O primeiro contrato foi com a empresa Firmenich, em 2009. Depois dela, muitas outras empresas apareceram ao longo dos anos.
Do lado da produção, a Rede foi ganhando adesão de novas cantinas, paióis (lugares para secagem dos produtos nas comunidades) e mini-usinas (que processam os produtos in natura, fazendo óleos, farinhas etc).
Apesar de ter começado com as Resex, com as populações ribeirinhas, hoje também conta com uma ampla participação dos povos indígenas da região. A Rede está conectada a 20 associações comunitárias de sete Terras Indígenas e três Reservas Extrativistas, além da Comunidade Maribel e da Associação Agroextrativista Sementes da Floresta, da Transamazônica. Ao todo, são mais de nove milhões de hectares, beneficiando diretamente mais de três mil pessoas.
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Kokote Xikrin, primeira mulher mẽbengôkre da Terra Indígena Trincheira-Bacajá a coordenar a gestão de uma mini-usina de extração de óleo de coco babaçu, aplica pintura corporal. À esquerda, extração de látex de seringueira |Soll Sousa/SUMAÚMA
“A rede não discute só produção, ela não vende só produto, ela discute sobre proteção territorial, saúde, educação, política como um todo. “As comunidades que não têm essa mentalidade de manter esse legado da floresta não adianta vir para a discussão na rede”, diz Nei Xipaya, cantineiro e liderança da Terra Indígena Xipaya.
Com muitas conquistas a comemorar, a Rede enfrenta desafios importantes. A destruição dos últimos quatro anos do governo Bolsonaro ainda é um dado presente nestes territórios. As Resex e as Terras Indígenas da região sofrem com invasões, desmatamento, garimpo e roubo de madeira. Na Terra Indígena Trincheira Bacajá, do povo indígena Xikrin, por exemplo, os invasores têm destruído áreas importantes de castanhais, prejudicando a coleta do produto.
No próprio Riozinho do Anfrísio, há uma explosão de abertura de estradas ilegais, utilizadas para o roubo de madeira. De 2017 a 2022, o número de quilômetros de estradas ilegais dentro da Resex aumentou em 48%. A chegada desses criminosos, além da destruição em si, também desestrutura as relações comunitárias. Existe o risco iminente de aliciamento da juventude.
Nesse contexto, a Rede tornou-se ainda mais vital para mostrar outros caminhos possíveis enquanto a ilegalidade bate com força na porta dessas comunidades. “A meta é que a cantina consiga absorver os produtos todos da aldeia, produtos da floresta, da roça, do artesanato. Porque, se não, você pode perder para outras práticas atrativas como o garimpo, o roubo de madeira, que estão aí na porta das comunidades”, afirma Nei Xipaya.
Muito mais do que produtos
Em 2023, a Rede viveu outro desafio: as castanheiras tiveram dois anos de grande produção, jogando o preço do produto lá embaixo devido à grande oferta e ao estoque acumulado nas empresas.
A principal compradora do produto na Terra do Meio também sofreu efeitos da crise econômica e não conseguiu ampliar muito o volume de compra em um cenário de preços baixos e alto volume. Assim, parte da produção foi negociada com os valores baixos praticados pelo mercado, que impactou castanheiros em toda Amazônia..
A verdade é que, na prática, economias da sociobiodiversidade, sustentáveis, regenerativas, circulares possuem desafios gigantescos para concorrer com economias que buscam exclusivamente a maximização dos lucros e degeneram ecossistemas e vidas.
Como garantir um preço razoável na mão do produtor, que possibilite uma renda digna, conserve e regenere ecossistemas e ainda seja competitivo junto ao mercado ou consumidor final?
Outro ponto importante é garantir a real participação das comunidades e dos produtores nos processos de decisão. Os pontos precisam ser discutidos em reuniões e assembleias definidas para tal, e as decisões devem ser representativas do desejo dos presentes, e não algo de cima para baixo.
Manter esses espaços é um trabalho constante, mas é o que garante que a Rede não seja meramente um local de compra e venda de produtos, mas um espaço de troca e discussão das questões importantes dessas comunidades.
“O que eu vejo que a empresa que vem aqui não busca somente o produto, mas a história, o modo de vida, a proteção do território e a vivência do povo naquele local, pra não deixar sair de lá”, afirma Raimunda Rodrigues, ribeirinha, extrativista e gestora da mini-usina da comunidade Rio Novo, na Resex Rio Iriri.
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Raimunda Rodrigues, ribeirinha, extrativista e gestora da mini-usina da comunidade Rio Novo, na Resex Rio Iriri, fala na 9ª Semex|Soll Sousa/SUMAÚMA
O desafio da Rede, portanto, é esse: construir caminhos, parcerias e soluções que agreguem todos os valores, conhecimentos e serviços associados ao manejo da floresta realizado pelos comunitários ao trabalharem com suas castanheiras, seringueiras, roçados e outras atividades.
Os trabalhos realizados pelas comunidades ao manejarem o território através de seus conhecimentos tradicionais e inovações devem ser entendidos como serviços de conservação do bioma. Esse manejo - que transforma de forma contínua floresta em floresta e não em pasto ou monocultura de soja - promove e entrega agro e biodiversidade, sequestra e estoca carbono, fertiliza o solo, mantêm os ciclos hidrológicos do rio Xingu, que garante a água para as cidades e para a Usina Hidrelétrica de Belo Monte e gera os rios voadores que garantem a chuva no centro oeste e sudeste.
Sem essas chuvas as grandes cidades estariam desabastecidas e os grandes produtores de leite, carne, soja, laranja e cana não conseguiriam produzir, nem mesmo com todos os subsídios que recebem para se manterem competitivos globalmente.
Parte do desafio se encontra em estruturar parcerias que consigam inovar e buscar soluções que agreguem esses valores em seus modelos de negócio e em políticas públicas. Ao longo dos anos, a Rede vem construindo relações duradouras e inovadoras que buscam conjuntamente soluções tecnológicas e de negócio para superarem gargalos da competitividade das cadeias da sociobiodiversidade com produtos substitutos sintéticos ou oriundos de monoculturas.
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Participantes da 9ª Semex, que aconteceu na Reserva Extrativista Riozinho do Anfrísio, na Bacia do Xingu, no Pará|Soll Sousa/SUMAÚMA
Ali na Semex, estavam presentes representantes do setor privado - Amázzoni, Mazô Maná, Manioca, Mercur, Citrobio, Moma, Cura da Floresta e Alpargatas - e do governo - CONAB, FUNAI e ICMBio.
“Estamos aqui discutindo futuro e novas formas de promover economias verdadeiramente sustentáveis. As comunidades da Terra do Meio manejam essa floresta há milênios e vão continuar conservando a floresta viva porque isso está conectado às culturas e modos de vida de cada povo e comunidade da região . Quando as empresas vêm aqui não estão buscando meramente insumos e matérias-primas para seus produtos, estão buscando rastreabilidade e garantia de origem, que conectem esses produtos à floresta viva, manejada por pessoas, com base em seus conhecimentos e modos de vida. Mais do que produtos, o que está sendo negociado conhecimentos e práticas de manejo e de governança que prestam serviços socioambientais de conservação”, diz Jeferson Straatmann, colaborador do ISA membro da Secretaria-Executiva da Rede.
“Essa Semex, a nona, foi o maior evento que aconteceu, que teve mais empresas envolvidas. Quando você vê a linha do tempo, todas aquelas empresas que já passaram, você vê que é uma grande conquista”, afirma Raimunda Rodrigues.
“Hoje a gente vê as empresas como meio de comunicação para quebrar lá fora no mundo do branco os preconceitos que têm em relação aos nossos povos, “ah, são preguiçosos”. Muito pelo contrário, são povos que desde o princípio da colonização lutam pela sua valorização”, afirma Nei Xipaya.
Para ele, ao colocar um produto da floresta na mesa do consumidor da cidade, as empresas ajudam a aproximar esses mundos e quebrar preconceitos. “Hoje você vê uma discriminação de muitos principalmente da classe alta de querer menosprezar esses povos “ah eu uso um vestido, uma caneta, um produto importado. Mas de onde vem a origem dele? Vem daqui, da floresta.”
Participantes da 9ª Semana do Extrativismo, que aconteceu na Reserva Extrativista Riozinho do Anfrísio|Soll Sousa/SUMAÚMA
Participantes da 9ª Semana do Extrativismo, que aconteceu na Reserva Extrativista Riozinho do Anfrísio|Soll Sousa/SUMAÚMA
Paisagem na Reserva Extrativista Riozinho do Anfrísio|Soll Sousa/SUMAÚMA
Paisagem na Reserva Extrativista Riozinho do Anfrísio|Soll Sousa/SUMAÚMA
Notícias e reportagens relacionadas
As principais informações sobre o ISA, seus parceiros e a luta por direitos socioambientais ACESSE TODAS
Com “novo PAC” à vista, indígenas e ribeirinhos discutem impactos de grandes obras de infraestrutura no Xingu
Encontro promovido pela Rede Xingu+ em Brasília reafirmou direitos dos povos no contexto de novos investimentos em infraestrutura na Amazônia
Indígenas e ribeirinhos da Bacia do Rio Xingu se reuniram em Brasília para discutir o estágio de desenvolvimento das principais obras de infraestrutura projetadas para a região e os seus impactos sobre o Corredor de Diversidade Socioambiental do Xingu.
Promovido pela Rede Xingu+ — articulação de 32 organizações da sociedade civil que atuam nos estados de Mato Grosso e Pará —, o encontro, que aconteceu nos dias 20 e 21 de abril, buscou atender a uma urgência do momento atual: alinhar informações e traçar estratégias conjuntas para lidar com os impactos esperados.
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Kayapó protestam em agosto de 2020 por medidas de saúde e proteção territorial em trecho da BR-163 em Novo Progresso (PA)|Lucas Landau
Desde a campanha presidencial de 2022, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva tem afirmado publicamente o intuito de retomar investimentos massivos em obras de infraestrutura no seu 3º mandato, aos moldes do Plano de Aceleração do Crescimento (PAC) dos mandatos anteriores.
Com lançamento atrasado, o “Novo PAC”, como vem sendo chamado pela imprensa, deverá ser divulgado até o final de junho de 2023. No rol de empreendimentos visados pelo novo governo se destacam projetos como a EF-170 (“Ferrogrão”) e a pavimentação da BR-242/MT.
Desenhada para ligar a produção de grãos como soja e milho de Mato Grosso ao complexo portuário em Itaituba (PA), a Ferrogrão deverá consolidar o Corredor Logístico Tapajós-Xingu — complexo formado por obras de infraestrutura e equipamentos de logística. E, com isso, ampliar os impactos sobre a região de interflúvio entre as bacias do Xingu e do Tapajós, que já vive as consequências de obras feitas nas décadas passadas, como a BR-163 (veja abaixo).
De Mato Grosso, lideranças indígenas do Território Indígena do Xingu e da Terra Indígena Capoto Jarina compartilharam suas preocupações com o avanço da produção de monocultivos agrícolas sobre territórios tradicionais e nas proximidades das Terras Indígenas em Mato Grosso.
Impactos Sinérgicos e Cumulativos do Corredor Logístico Tapajós-Xingu
Grande parte dos impactos da Ferrogrão sobre os territórios indígenas está relacionada à combinação e acúmulo entre os impactos e passivos socioambientais de outros empreendimentos de infraestrutura ou atividades que já ocorrem na região.
Muitas vezes, os impactos de duas obras, quando somados, originam um outro impacto, que é chamado tecnicamente de impacto “sinérgico”. É o que pode acontecer com a construção da Ferrogrão e demais obras do do Corredor Logístico Tapajós-Xingu, como a BR-163, cujo asfaltamento já gera consequências na região. A construção da Ferrogrão deve impulsionar ainda mais o desmatamento no sudoeste do Pará, já que a região tende a viver um boom populacional de trabalhadores atraídos pela construção do da ferrovia e pelas obras na rodovia que já estão acontecendo.
O passo seguinte é que, uma vez terminada a obra, algumas dessas pessoas busquem oportunidades no mercado ilícito de terras e em atividades ilegais que causam desmatamento ilegal.
Já os impactos cumulativos ocorrem quando duas ou mais obras ocasionam o mesmo efeito na região, potencializando um mesmo tipo de impacto adverso sobre os territórios. Esse processo também pode ser observado com a Ferrogrão junto a outras obras, como a pavimentação da MT-322, que deverá reduzir os custos de logística em Mato Grosso e com isso incentivar ainda mais a ampliação da produção de grãos no norte do estado.
Os participantes do encontro em Brasília também compartilharam experiências de luta pelo cumprimento do direito à consulta livre, prévia e informada no ciclo de investimento em infraestrutura, além de estratégias para o monitoramento independente de impactos socioambientais de grandes obras.
Sobre a consulta, foi dado destaque ao processo em curso de Consulta Prévia sobre a BR 242 e a Ferrovia de Integração Centro-Oeste (FICO 2) aos povos do Território Indígena do Xingu, pactuado junto ao governo federal em 2019 a partir da atuação da Associação Terra Indígena do Xingu (ATIX), membro da Rede Xingu+.
Indígenas e ribeirinhos do Monitoramento Ambiental e Territorial Independente da Volta Grande do Xingu (MATI-VGX) compartilharam os desafios enfrentados para o reconhecimento das informações sobre impactos produzidas por impactados e especialistas independentes no contexto de renovação da licença de operação da UHE Belo Monte (veja abaixo)
“O novo governo se esforça para pensar medidas que impulsionem a economia do país. Isso faz sentido, porém, não pode atropelar a proteção ao meio ambiente e a redução do desmatamento, compromissos assumidos por Lula durante a campanha e reforçado em uma série de anúncios feitos na segunda-feira (5/6) no Dia do Meio Ambiente com o lançamento do PPCDAm ”, afirma Biviany Rojas, assessora do ISA.
A Bacia do Xingu é, nesse sentido, uma região estratégica para barrar o avanço da destruição na Amazônia, ao mesmo tempo que se situa numa região central para a produção do agronegócio brasileiro.
"Para defender essa parte da Amazônia, é preciso que as obras previstas para a região não aumentem as pressões que já incidem sobre a floresta e sobre os territórios dos povos indígenas e tradicionais. A solução passa necessariamente pelo reconhecimento dos direitos territoriais de povos indígenas e comunidades tradicionais, assim como pelo respeito do direito de consulta e consentimento livre, prévio e informado desses povos", diz Rojas.
Hidrograma das Piracemas
Durante o evento, os participantes também discutiram os impactos da Usina Hidrelétrica de Belo Monte, na região do Médio Xingu, no Pará. A Licença de Operação da Usina está vencida, e passa por um processo de renovação junto ao Ibama.
A disputa principal se dá sobre a quantidade de água que Belo Monte deve liberar para o Rio Xingu, no trecho abaixo da barragem, chamado de “trecho de vazão reduzida”. A região é conhecida como Volta Grande do Xingu.
O rio nessa região está morrendo. Com isso, peixes e outras espécies estão morrendo ou deixando de se reproduzir, comprometendo a alimentação e a renda dos indígenas e ribeirinhos que sempre viveram da pesca.
Em 2022, indígenas, ribeirinhos e pesquisadores de universidades públicas desenvolveram uma proposta para a vazão da água na região, chamada de “Hidrograma das Piracemas”. Se Belo Monte executar as quantidades de água previstas nessa proposta nos tempos indicados pelos pesquisadores, a reprodução aquática volta a acontecer no Xingu. Piracema é o nome das áreas de reprodução dos peixes no rio.
O Ibama ainda não definiu sua resposta, mas, em abril, o presidente do órgão, Rodrigo Agostinho, manifestou o compromisso com a manutenção da vida na Volta Grande do Xingu. “A garantia que eu posso dar é que com esse Hidrograma de Consenso esquece a licença. A prioridade nossa é a vida no Xingu”, afirmou no momento.
Megaron Txucarramãe fala em evento sobre Obras da Rede Xingu+ | Crédito: MIRÁ/Design de Organizações
Em Brasília, grupo discute impacto de obras no Corredor de Sociobiodiversidade do Xingu | Crédito: MIRÁ/Design de Organizações
Conselheiros políticos e demais representantes da Rede Xingu+, em Brasília, analisam mapa do Corredor de Sociobiodiversidade do Xingu | Crédito: MIRÁ/Design de Organizações
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As principais informações sobre o ISA, seus parceiros e a luta por direitos socioambientais ACESSE TODAS
Filme 'Escute: A Terra foi Rasgada' ganha sessão especial online durante mobilizações contra o Marco Temporal
Documentário faz parte da programação da 12ª Mostra Ecofalante de Cinema e ficará disponível na plataforma Spcine Play por 48h, a partir das 18h desta terça-feira (06/06)
O documentário Escute: A Terra foi Rasgada, de Cassandra Mello e Fred Rahal Mauro, ficará disponível na plataforma Spcine Play por 48 horas - a partir das 18h desta terça-feira (06/06) até às 18h da quinta-feira (08/06), durante as mobilizações por todo o país pelo #MarcoTemporalNão.
O filme, que faz parte da programação da 12ª Mostra Ecofalante de Cinema, propõe uma aproximação do pensamento de três povos indígenas - Yanomami, Munduruku e Mebêngôkre (Kayapó). Pressionados pela destruição causada pelo garimpo, eles formaram uma aliança inédita e histórica em defesa e manutenção de seus territórios físicos e subjetivos.
Para além da destruição causada pelo garimpo, trata-se de um filme sobre resistência, resiliência e a impossibilidade de separação entre a existência indígena e o seu território.
Em Brasília, a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) espera reunir mais de duas mil pessoas para acompanhar o julgamento do Marco Temporal, que deve acontecer no Supremo Tribunal Federal (STF) no dia 7 de junho e pode decidir o futuro das demarcações de Terras Indígenas no país.
A tese do Marco Temporal é defendida por ruralistas e prevê que os povos indígenas só teriam direito às terras onde estivessem fisicamente até 5 de outubro de 1988, data de promulgação da Constituição.
Para assistir ao filme, basta acessar a Spcine Play através do link. Caso não tenha uma conta na plataforma, crie um cadastro gratuito, confirme seu e-mail e acesse o link novamente.
A 12° Mostra Ecofalante de Cinema acontece até 14 de junho, em São Paulo, no Espaço Itaú Augusta, Cine Olido, Centro Cultural São Paulo e mais 20 espaços da cidade, com entrada gratuita.
Pedro Righi, pequeno agricultor, posa ao lado da primeira árvore plantada no seu lote, no PDS Bordolândia (MT)|Ismael Silva/ISA
No meio de extensas plantações de monoculturas, como a da soja, pequenos agricultores familiares mostram que é possível aliar restauração de florestas com a geração de renda a partir da produção de alimentos orgânicos.
O projeto "Conectividade Ecológica e Econômica no Xingu Araguaia", faz a conexão de restauração de florestas em fluência com o cultivo sustentável garantindo a manutenção, restauração e manejo das áreas degradadas e o estímulo de hortas agroecológicas e quintais produtivos nas bacias dos rios Xingu e Araguaia, no Mato Grosso.
Iniciado em 2020, o projeto faz parte do Programa REDD Early Movers (REM) Mato Grosso, e com a parceria do Instituto Socioambiental (ISA), junto às suas associações de pequenos agricultores, promovem melhorias em suas produções utilizando a restauração de florestas e áreas degradadas como base fundamental.
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Rede que fortalece e multiplica: encontro do PDS Bordolândia (MT) fez balanço dos três anos da iniciativa junto a pequenos agricultores|Ismael Silva/ISA
Os Projetos de Assentamento Guatapará, localizado em Canarana, Pé da Serra e Beira Rio de Nova Xavantina e o Projeto de Desenvolvimento Sustentável (PDS) Bordolândia, em Serra Nova Dourada, foram os três projetos de assentamentos da reforma agrária na região de Mato Grosso contemplados com o projeto.
As atividades envolveram o acompanhamento técnico para o manejo e fertilidade do solo, o aumento da produtividade, e a produção de alimentos diversificados sem veneno pela agricultura familiar que otimizaram diretamente a geração de renda extra para 47 famílias agricultoras.
A restauração de áreas prioritárias, como as Áreas de Preservação Permanente (APPs) foi o ponto alto dessa ação, como explica Guilherme Pompiano, técnico de restauração do ISA e coordenador do projeto.
“Esse é um trabalho que pode parecer até de formiguinha frente a uma região que deve ter mais de mil hectares de áreas degradadas, mas o que se está fazendo aqui vai diminuindo assoreamento e melhorando a qualidade d'água. A restauração dessas áreas é fundamental para segurar a água e nascentes que estão na emergência da seca e que impactam não só os pequenos mas grandes produtores”, afirma.
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Equipe ISA Canarana no Encontro do PDS Bordolândia (MT): da esquerda para a direita, Cleiton Neto, Murielli Garcia e Guilherme Pompiano|Ismael Silva/ISA
Ao se caminhar na área do lote de Silvio Domingos, agricultor do (PDS) Bordolândia, o resultado da restauração dessas áreas não deixa dúvidas. Sua área, com a extensão de 33 hectares, estava totalmente degradada. Agora, ele fez a floresta retornar aos poucos, a florescer, em uma área restaurada com sementes nativas. “Eu questionei no começo, porque essa área era muita pedra, mas me explicaram como é o processo e eu concordei, retirei as pedras grandes e fizemos. Agora, eu tô pensando em ampliar a área”, diz.
Ao todo, foram reflorestados quase seis hectares, distribuídos em 11 propriedades rurais associadas. Além disso, houve a implementação de 33 quintais produtivos que envolvem o cultivo de hortas e plantio de pomares e 13 áreas de recuperação de pastagens que estavam degradadas, que otimizaram, principalmente, o cultivo de leite das famílias de pequenos agricultores.
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Silvio Domingos, agricultor do (PDS) Bordolândia|Ismael Silva/ISA
“É importante fazer a conectividade dessas áreas, porque elas ficam menos suscetíveis à degradação, ao fogo e dentro desses corredores ecológicos há uma probabilidade maior de efetividade da restauração e da manutenção das nascentes”, explica Aline Ferragutti, engenheira florestal do ISA que acompanhou o projeto.
No PDS Bordolândia, o projeto contou com a parceria da Associação Agroecológica Caminhos da Paz (Acampaz) e da Comissão Pastoral da Terra (CPT), que ampliaram a capacidade e eficácia da iniciativa. No início, estava previsto para este assentamento somente a aplicação do projeto em três lotes e a reforma da sede da associação. No entanto, ao final, o número quase que triplicou com a ajuda da comunidade que se articulou para fazer a extensão do projeto para mais famílias.
“Esse é o poder das sementes: faz as coisas ficarem mais vivas e bonitas e também ajuda na nossa produção, a floresta produz água limpa que vai direto para nossa horta, pastagem, mata a sede dos animais. Não vejo produção de qualidade longe das florestas. Isso foi um aprendizado desta ação”, avalia Roni Cezar, presidente da Acampaz.
Em Bordolândia, foram realizados trabalhos de restauração ecológica em 2,3 hectares, distribuídos em cinco áreas. Os resultados alcançados até o momento são animadores. Um dos destaques do PDS Bordolândia, além da restauração de Áreas de Preservação Permanente (APPs), foi a restauração das pastagens, que impactou diretamente na produção de leite de Pedro Righi, que duplicou sua produtividade leiteira.
“O projeto aqui foi muito bom para mim, fez uma diferença grande na minha venda, estou produzindo 25 litros a mais e isso eu vendo para cooperativa e ganho uma renda boa”, comemora.
A horta de Andreia Teresinha também foi beneficiada com o projeto, o que a ajudou a estabelecer renda extra com a venda de produtos semanais extraídos ali, do seu próprio quintal. Com uma produção abundante, ela consegue suprir tanto a demanda alimentar da sua casa quanto em feiras locais e se orgulha.
“Aqui no meu terreno não tem veneno e quase eu não passo no mercado para dar conta da comida, só uma coisinha ou outra para complementar. Já pensou eu passar veneno e entregar para alguém e a pessoa passar mal com o veneno? eu não”, afirma.
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Andreia Teresinha foi beneficiada pelo Projeto de Desenvolvimento Sustentável (PDS) Bordolândia, em Serra Nova Dourada (MT)|Ismael Silva/ISA
Plantar água é semear vida
A técnica utilizada para a restauração das áreas nos assentamentos de Mato Grosso é a "Muvuca de Sementes". Apesar do nome curioso, essa técnica de raiz ancestral vai muito além de uma simples mistura aleatória de sementes.
A muvuca é uma tradução popular da semeadura direta, que é uma técnica para restauração florestal que consiste na combinação de sementes agrícolas e florestais, incluindo sementes nativas e de adubação verde, juntamente com areia, formando um insumo que favorece, em algumas regiões, a formação da estrutura da floresta em curto tempo. Essa tecnologia otimiza os recursos disponíveis e promove a recuperação de áreas degradadas de forma eficiente e econômica.
Através da "Muvuca de Sementes", a restauração florestal ganha uma nova abordagem, combinando tradições ancestrais com inovações científicas. Essa técnica promissora tem o potencial de transformar a forma como encaramos a recuperação de áreas degradadas, permitindo a reconstrução de ecossistemas resilientes e sustentáveis.
A Rede de Sementes do Xingu (RSX), junto aos seus mais de 600 coletores beneficiados de 21 municípios, 14 assentamentos rurais, uma reserva extrativista e sete povos indígenas distribuídos em 17 aldeias desenvolve a muvuca há 16 anos na região, e de semente em semente já reflorestou mais de oito mil hectares no Brasil.
Quer conhecer melhor a Rede de Sementes?
Assista ao filme Fazedores de Floresta e se aproxime das histórias, sementes e pessoas que provaram que floresta em pé é bom pra todo mundo.
As principais informações sobre o ISA, seus parceiros e a luta por direitos socioambientais ACESSE TODAS
Filme 'Escute: a terra foi rasgada' mostra luta Kayapó, Yanomami e Munduruku contra o garimpo ilegal
Com estreia na 12ª Mostra Ecofalante de Cinema, documentário da Aliança em Defesa dos Territórios e parceiros apresenta impacto nos territórios indígenas por quem sente a violência na pele
Cartaz oficial do documentário dirigido por Cassandra Mello e Fred Rahal
Com estreia marcada para 4 de junho em São Paulo, na 12ª Mostra Ecofalante de Cinema, o documentário Escute, a Terra foi Rasgada, realizado pela Aliança em Defesa dos Territórios e parceiros, propõe um mergulho na luta e no pensamento dos povos Kayapó, Yanomami e Munduruku contra o garimpo ilegal em seus territórios.
Dirigido por Cassandra Mello e Fred Rahal, ele conta com gravações realizadas entre 2021 e 2022 e depoimentos de lideranças dos três povos, os mais impactados pelo avanço da exploração ilegal de ouro na Amazônia.
Têm presença confirmada na sessão de estreia as lideranças indígenas da Aliança em Defesa dos Territórios Davi Kopenawa Yanomami, Beka Munduruku e Maial Paiakan Kayapó.
A invasão garimpeira nessas regiões provoca danos socioambientais devastadores, como o desmatamento, a poluição dos rios, a contaminação por mercúrio, a disseminação de doenças – dentre elas a malária –, além de ataques violentos de garimpeiros.
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Lideranças Munduruku, Yanomami e Kayapó denunciam em filme violência e destruição provocadas pelo garimpo ilegal em seus territórios|Teia Documenta
Além disso, sem ter como manter seus modos de vida, que se baseiam na caça, na pesca e na agricultura de coivara, os indígenas sofrem com a insegurança alimentar e a desnutrição infantil. No início do ano, imagens de indígenas Yanomami vítimas da crise humanitária no território rodaram o mundo e estimularam ações do governo federal para combater o garimpo na região.
O dossiê da Aliança ainda explica os mecanismos que promovem o avanço do garimpo ilegal, altamente mecanizado e capitalizado, e aponta as fragilidades institucionais da cadeia do ouro que favorecem a atividade, listando uma série de medidas para combatê-lo.
Alessandra Munduruku durante visita à Terra Yanomami|Fred Rahal/Teia Documenta
Em depoimento ao filme, lideranças históricas como Davi Kopenawa, Megaron Txucarramãe, Tuíre Kayapó Mẽbêngôkre, Alessandra Korap Munduruku e O-é Paiakan Kayapó contam sobre os impactos da exploração desenfreada da floresta, como a contaminação de rios e solos, o aumento da violência e criminalidade na região, além das ameaças ao modo de vida, à cultura e à espiritualidade de seus povos.
“Você, jornalista, escute isso. Você tem que divulgar para todo mundo. Você tem que divulgar o que eu falo. Minha fala tem que aparecer todo dia, todo mês no jornal. Você tem que mostrar minha fala para esses brancos que querem madeira, que querem garimpo, que ainda não me conhecem. Vocês vão divulgar minha fala para todo lugar, espalhar por aí, para as pessoas conhecerem, respeitarem a floresta, respeitarem a terra, e respeitarem nossos corpos", diz Tuíre Mẽbêngôkre, liderança histórica do povo Kayapó na luta contra os impactos ambientais da construção da então denominada Usina Hidrelétrica Kararaô.
A Aliança em Defesa dos Territórios surgiu após a publicação de uma carta-manifesto por nove organizações indígenas desses territórios durante o acampamento Luta Pela Vida, em agosto de 2021 (saiba mais abaixo). O documentário inclui registros de encontros da articulação, que se desenvolveu ao longo do ano seguinte nos territórios Munduruku e Kayapó, e da celebração de 30 anos da demarcação da Terra Indígena Yanomami, realizada em maio de 2022.
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Filme mostra a relação dos povos indígenas com os territórios|Cassandra Mello/Teia Documenta
“Se a terra-floresta estiver seca, se estiver moqueada, se estiver queimada, nós não existimos. Se a floresta estiver padecendo, eu também sofro. Se a floresta apodrece, eu também fico com feridas, com cicatrizes. Se a floresta queimar, minha pele fica também enrugada”, explica o xamã Yanomami, Davi Kopenawa.
A produção traz elementos da cultura e do cotidiano dos povos Kayapó, Yanomami e Munduruku, revelando sua força, suas belezas e potências, e evidencia os impactos que o garimpo ilegal imprime nos três territórios.
“No meio de nós não deve prevalecer qualquer tipo de individualismo. Devemos lembrar que temos o mesmo sangue, o mesmo rio, a mesma floresta. E esta é nossa região munduruku a qual defendemos. É isso que queria enfatizar, a fim de contar a todos. É assim que tem que ser, tanto no Baixo Tapajós, no Médio e no Alto Tapajós. Todo mundo tem que falar em uma só voz e uma só decisão coletiva. Isso será a nossa força”, afirma o cacique Juarez Saw Munduruku, na Terra Indígena Sawré Muybu.
Os diretores Cassandra Mello e Fred Rahal lembram que, desde a primeira reunião, as lideranças estabeleceram o que deveria fazer parte da narrativa, e destacam a importância da narração, feita de forma pessoal e predominantemente em línguas maternas, para que o filme exerça um papel político importante na sensibilização e mobilização pela defesa dos direitos dos povos e territórios indígenas.
Sobre a Aliança em Defesa dos Territórios
Em agosto de 2021, durante o acampamento Luta Pela Vida, em Brasília, lideranças das Terras Indígenas mais afetadas pelo avanço do garimpo ilegal se juntaram para escrever um documento que expressasse publicamente o seu repúdio à atividade garimpeira — considerada “uma doença que os brancos estão trazendo para dentro dos nossos territórios”.
A carta-manifesto foi assinada por nove organizações indígenas: Hutukara Associação Yanomami, Instituto Raoni, Instituto Kabu, Associação Bebô Xikrin do Bacajá, Associação Floresta Protegida, Associação das Mulheres Munduruku Wakoborũn, Associação Indígena Pariri do Médio Tapajós, Hwenama Associação dos Povos Yanomami de Roraima e Associação Wanasseduume Ye’kwana.
Desse encontro, nasceu a proposta de constituir uma aliança entre os Kayapó, Yanomami e Munduruku, para fortalecer as lutas que cada um desses povos promove em defesa de suas terras. A articulação se desenvolveu ao longo de 2022, em ações promovidas conjuntamente por lideranças desses povos nos territórios, em grandes mobilizações nas capitais e, ainda, internacionalmente. A publicação do dossiê e o documentário Escute: a terra foi rasgada fazem parte dos esforços promovidos pela iniciativa.
Itaú Augusta | R. Augusta, 1475 - Consolação, São Paulo - SP
04/06 - Domingo, 17h - Sala 3 - Seguido de debate com lideranças
09/06 - Sexta, 20h - Sala 3
14/06 – Quarta, 19h - Sala 4
Olido | Av. São João, 473 - Centro Histórico, São Paulo - SP
07/06 – Quarta, 14h
Biblioteca Roberto Santos | Rua Cisplatina, 505 - Ipiranga, São Paulo - SP
08/06 – Quinta, 17h
CEU’s
08/06 – Quinta, 17h
Confira a programação completa no site da Mostra Ecofalante.
Ficha Técnica
Título: Escute: a terra foi rasgada
Direção: Cassandra Mello e Fred Rahal
Produção: Teia Documenta e Aliança em Defesa dos Territórios
Ano: 2023
Duração: 1h 28 m
Apoio
Conselho Político da Aliança em Defesa dos Territórios: Dário Kopenawa Yanomami, Alessandra Korap Munduruku, Maial Paiakan Kayapó, Júlio Ye’kwana, Ademir Kaba Munduruku, Doto Takak-Ire Kayapó
Associações: Hutukara Associação Yanomami, Associação Indígena Da’uk, Instituto Kabu, Associação das Mulheres Yanomami Kumirãyõma, Associação Indígena Pariri, Associação Floresta Protegida, Associação Wanasseduume Ye’kwana, Instituto Raoni
Instituições Parceiras: Instituto Socioambiental, Greenpeace Brasil
Apoio: Environmental Defense Fund (EDF)
Imagem do documentário Escute, a Terra foi Rasgada, realizado pela Aliança em Defesa dos Territórios e parceiros|Cassandra Mello/Teia Documenta
Imagem do documentário Escute, a Terra foi Rasgada, realizado pela Aliança em Defesa dos Territórios e parceiros|Teia Documenta
Imagem do documentário Escute, a Terra foi Rasgada, realizado pela Aliança em Defesa dos Territórios e parceiros|Cassandra Mello/Teia Documenta
Imagem do documentário Escute, a Terra foi Rasgada, realizado pela Aliança em Defesa dos Territórios e parceiros|Teia Documenta
Imagem do documentário Escute, a Terra foi Rasgada, realizado pela Aliança em Defesa dos Territórios e parceiros|Fred Rahal/Teia Documenta
Imagem do documentário Escute, a Terra foi Rasgada, realizado pela Aliança em Defesa dos Territórios e parceiros|Cassandra Mello/Teia Documenta
Imagem do documentário Escute, a Terra foi Rasgada, realizado pela Aliança em Defesa dos Territórios e parceiros|Teia Documenta
Imagem do documentário Escute, a Terra foi Rasgada, realizado pela Aliança em Defesa dos Territórios e parceiros|Fred Rahal/Teia Documenta
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Para combater desmatamento na Amazônia, Lula precisa olhar para o Xingu
Lideranças da Rede Xingu+ apresentam panorama de destruição dos últimos quatro anos e exigem ações efetivas para preservar barreira de proteção do bioma
Se o novo governo quiser cumprir as promessas de campanha e demonstrar efetividade no combate à destruição ambiental, a Bacia do Xingu terá de ser um alvo prioritário. O imenso maciço florestal na Amazônia Oriental, composto pelo Corredor de Sociobiodiversidade do Xingu, é uma das principais barreiras para o avanço da destruição no bioma e está sob forte ameaça.
Nos últimos quatro anos, no governo de Jair Bolsonaro, a destruição avançou a uma velocidade de 200 árvores derrubadas por minuto, totalizando 730 mil hectares de floresta no chão – uma área equivalente à região metropolitana de São Paulo. Os dados são do Sirad-X, sistema de monitoramento da Rede Xingu+.
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Vista de estrada aberta em sobrevoo pelas Terras Indígenas Apyterewa e Cachoeira Seca, campeãs de desmatamento na Bacia do Xingu|Rogério Assis/ISA
Grilagem, incêndios florestais, uso indiscriminado de agrotóxicos, roubo de madeira, obras de infraestrutura, mineração e garimpo compõem um cenário desolador de pressões sobre essa região. O Xingu é hoje uma das principais barreiras para o desmatamento da Amazônia e cumpre funções ecológicas fundamentais para o Brasil e para o mundo.
Para fazer um alerta sobre a gravidade da situação, a Rede Xingu+, articulação que reúne 32 organizações indígenas, ribeirinhas e indigenistas da região, lançou um mapa-ativista, intitulado “Xingu Sob Pressão”. Ele traça um panorama dessas ameaças. Paralelamente, a Rede também produziu um documento detalhando casos emblemáticos de todos esses tipos de pressão.
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Localização da Bacia do Xingu e pressões representadas pelo avanço do desmatamento (em vermelho para os anos mais recentes, 2019 a 2022) e pelas Obras de Infraestrutura. Acesse o mapa|Rede Xingu+
O mapa e o documento foram apresentados aos principais órgãos federais. Uma comitiva de lideranças de diferentes regiões do Pará e Mato Grosso, como Mydjere Mekrãgnotire, Ianukula Kaiabi, Doto Takak-Ire, Ewésh Yawalapiti Waurá e Giliarde Juruna, se reuniu com o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), o Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA), a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) e o novo Ministério dos Povos Indígenas (MPI).
Uma boa notícia já veio dessas reuniões. No Ibama, os membros da Rede Xingu+ obtiveram do presidente do órgão, Rodrigo Agostinho, o compromisso com a manutenção da vida na Volta Grande do Xingu.
Hoje, a região vive uma disputa pela água que é liberada pela usina hidrelétrica de Belo Monte. “A garantia que eu posso dar é que com esse Hidrograma de Consenso esquece a licença. A prioridade nossa é a vida no Xingu”, afirmou.
O Hidrograma de Consenso é uma proposta de vazão de água para a região que tem impedido a reprodução dos peixes e a manutenção da vida no Xingu. No momento, o Ibama discute a licença de operação da usina, que está vencida desde o fim de 2021.
Agostinho reafirmou que a proposta apresentada por pesquisadores da academia, indígenas e ribeirinhos, o Hidrograma das Piracemas, está sob análise e que qualquer proposta que seja aprovada deve garantir a vida na região.
Desmatamento em explosão
Os dados mostram que, em 2022, o desmatamento na Bacia do Xingu foi 12% maior em comparação a 2018, ano anterior ao início do mandato de Bolsonaro. Nas Áreas Protegidas, o cenário é catastrófico: ao longo dos quatro anos, elas concentraram cerca de 37% do total desmatado na bacia.
Das seis Terras Indígenas mais desmatadas na Amazônia Legal em 2022, cinco estão no Xingu: Apyterewa, Cachoeira Seca, Ituna Itatá, Trincheira-Bacajá e Kayapó. Juntas, elas alcançaram mais da metade (60%) do desmatamento de todas as Terras Indígenas da Amazônia legal.
Já o aumento do desmatamento para garimpo entre 2018 e 2022 foi de 21%. Essa expansão ocorreu principalmente na TI Kayapó — o território mais impactado por garimpo na Amazônia.
A situação é grave e a retirada dos invasores é urgente. Para se ter uma ideia, de 2021 para 2022, por exemplo, o desmatamento na TI Ituna Itatá aumentou 303%, segundo dados do Prodes. Entre setembro e dezembro de 2020, mais de 1,7 mil hectares de florestas foram retirados da TI Cachoeira Seca.
O documento destaca os casos emblemáticos da TI Apyterewa e da TI Trincheira-Bacajá, que sofrem com uma mesma frente de invasão grileira e têm ocupado, nos últimos anos, o topo do ranking das TIs mais desmatadas do país.
Uma soma de fatores levou ao atual cenário de destruição da bacia. A região do Xingu-Tapajós, no sudeste do Pará, se tornou prioridade de investimentos em logística para o escoamento da produção agrícola de Mato Grosso, sem previsão de ações integradas para lidar com passivos nem futuros impactos socioambientais.
Esse processo começou há 20 anos com a pavimentação da BR-163 entre Mato Grosso e Santarém (PA) seguiu com a inauguração da rota logística pelo Baixo Tapajós, em 2014, e atualmente prevê uma estrada de ferro Ferrogrão (EF-170) e a pavimentação de rodovias secundárias, como a rodovia estadual MT-322, que vai interligar as zonas de produção de soja à Ferrogrão, na estação de Matupá (MT), consolidando o Corredor Logístico Xingu-Tapajós.
Além disso, no início da década passada, o governo federal iniciou a construção da Usina Hidrelétrica de Belo Monte na cidade de Altamira (PA). As obras impulsionaram o preço da terra, e estimularam um processo de invasão de terras públicas e Áreas Protegidas. O “Dia do Fogo", que ocorreu em agosto de 2019 e se concentrou nos municípios na área de influência da BR-163, exemplifica o elevado nível de conflito que ainda persiste nas zonas de influência dessas obras.
Finalmente, o discurso pró-destruição e o estímulo à invasão de terras, ao desmatamento e ao garimpo de Jair Bolsonaro foram a tempestade perfeita para impulsionar a devastação. Agora, para reverter esse cenário, o novo governo precisará de uma ação articulada entre Funai, Ibama e Polícia Federal para combater quadrilhas e retirar invasores.
Um caso emblemático desse cenário é a Terra Indígena Trincheira-Bacajá, território dos Mebêngôkre Kayapó Kararaô e Mebêngôkre Xikrin. As invasões começaram em 2016 e 2017, já num cenário de influência da UHE Belo Monte, mas se intensificaram em 2019, quando a destruição atingiu a marca de quatro mil hectares derrubados – um aumento de 95% em relação ao ano anterior.
Investigações da PF mostram que um grupo de grileiros com terras nas imediações controla as invasões na Terra Indígena. A estratégia consiste em ocupar espaços com gado e em vender glebas a posseiros - muitas vezes, famílias pobres, que são atraídas por ofertas de lotes com valores de R$ 5.000.
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Guerreiro Xikrin observa um sinal de demarcação deixado por grileiros dentro da Terra Indígena Trincheira-Bacajá, no Pará|Lalo de Almeida
Outro exemplo é a Terra Indígena Apyterewa, do povo Parakanã. Em 2021, ela foi a campeã de desmatamento entre Terras Indígenas da Amazônia e registrou, segundo o sistema de detecção da Rede Xingu +, mais de 8,1 mil hectares de desmatamento.
O território também é alvo de especulação fundiária, que piorou quando o Supremo Tribunal Federal (STF) deferiu um pedido da prefeitura de São Félix do Xingu (PA) que abria a possibilidade para a redução da área. Tal possibilidade já foi derrubada pelo próprio STF, mas as consequências nefastas para a floresta dos Parakanã ainda é visível.
“A situação da nossa terra é cada vez pior, com mais desmatamento. Foram quatro anos sem ação nenhuma. Esse ano, temos esperança que aconteça alguma coisa”, afirmou Venatoa Parakanã, presidente da associação Tato'a, do povo Parakanã, que vive na Terra Indígena Apyterewa.
Bebere Xikrin, liderança do povo Xikrin, da Trincheira-Bacajá, relatou que seu território convive com ao menos duas frentes de invasão, ao sul e ao norte. Uma estrada vindo da Apyterewa já rompe a floresta Xikrin, facilitando a entrada de grileiros. “Quanto mais demora, mais difícil de tirar. Nós temos o nosso planejamento, mas os invasores também tem o planejamento deles. Nosso medo é que eles construam uma vila como na Apyterewa, que tem a Vila Renascer”, afirma.
Para Bebere, os próximos quatro anos são estratégicos para retirar os invasores de seu território. “Tão matando nosso povo para tomar o que a gente tem. Isso acontece há 500 anos, mas hoje a estratégia mudou. E hoje temos Funai, Ibama, MPI”, diz ele.
Roubo de madeira
Ao menos três territórios estão sofrendo com o roubo desenfreado de madeira dentro de seus limites. O documento detalha dois casos. No Mato Grosso, o Território Indígena do Xingu (TIX), que por anos se constituiu como um oásis protegido dentro da Amazônia, agora é alvo da ação de quadrilhas de madeireiros, que estão explorando ilegalmente a floresta do território em seu limite oeste.
Ao menos 27 km de ramais ilegais madeireiros foram abertos. A atuação dessas quadrilhas também tem inibido a presença do Estado, impedindo a entrada de brigadas de combate a incêndios florestais e equipes de saúde.
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Transporte de desmatamento ilegal em estrada utilizada para escoamento de madeira, especialmente da Terra Indígena Cachoeira Seca, no Pará|Lilo Clareto/ISA
Na região do Rio Ronuro, entre os meses de julho e setembro de 2022, um incêndio consumiu a floresta durante três meses, destruindo 2.762 hectares. As brigadas de combate ao fogo do Prevfogo foram impedidas pelos madeireiros de acessar o local dos incêndios.
Além disso, equipes de saúde que visitam as aldeias viram muitas vezes alvo de ameaças e intimidações, o que prejudica significativamente o acesso dos indígenas aos cuidados de saúde necessários.
Na Resex Riozinho do Anfrísio, Unidade de Conservação no Pará, mais de 407 km de estradas foram abertas ilegalmente. A extração ilegal madeireira na UC, espalhada por todo o seu território, vem degradando e emprobrecendo a floresta, a deixando mais vulnerável a outras atividades como o desmatamento e a grilagem de terras.
No processo de exploração, os criminosos se utilizam de serrarias móveis para fazer pranchas de madeira, facilitar seu escoamento e dificultar a localização pelas operações de fiscalização. Relatos de campo apontam que os grupos madeireiros estão diversificando as espécies de madeira extraída, que antes eram predominantemente Ipê. Há relatos também de coação e intimidação dos beiradeiros além da invasão e derrubada dos seus castanhais.
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