Nota de pesar pela morte de Angelita Proporita Yanomami
O Instituto Socioambiental (ISA) se solidariza com o luto de sua família e reivindica que as investigações sobre o ocorrido sigam com rigor. Angelita, que tinha 35 anos, deixa dois filhos e uma filha
O Instituto Socioambiental (ISA) lamenta a morte de Angelita Proporita Yanomami e se solidariza com o luto de sua família. Ex-esposa de Dário Kopenawa, vice-presidente da Hutukara Associação Yanomami, Angelita, de 35 anos, foi encontrada morta em Boa Vista, Roraima. Ela deixa dois filhos e uma filha.
Angelita trabalhava como tradutora junto à Casa de Saúde Indígena (Casai) e na maternidade Nossa Senhora de Nazaré, em Boa Vista, além de ter sido uma potente voz na defesa dos direitos das mulheres Yanomami e de todo o seu povo. Ela cursava Odontologia e concluiria a graduação neste ano, com o objetivo de retornar ao território e servir ao povo Yanomami.
Pela memória de Angelita, o ISA reivindica que as investigações sobre o ocorrido sigam com rigor até que a justiça seja feita. Em conformidade com a cultura Yanomami, o ISA não divulgará imagens de Angelita e orienta que o mesmo comportamento seja adotado por outras pessoas, instituições e veículos de mídia.
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As principais informações sobre o ISA, seus parceiros e a luta por direitos socioambientais ACESSE TODAS
Povos do Rio Negro lançam grito contra o Marco Temporal com mobilização no território e nas redes sociais
"Não vamos aceitar nenhuma proposta ou projeto que venha para nos exterminar", afirmou Marivelton Barroso, diretor-presidente da Foirn
Marivelton Barroso, diretor-presidente da Foirn (ao centro), esteve em protesto contra o PL 490 em São Gabriel da Cachoeira (AM)|Ana Amélia Hamdan/ISA
Representantes dos 23 povos do Rio Negro deram um grito de guerra contra o Marco Temporal em São Gabriel da Cachoeira (AM), cidade mais indígena do Brasil, no dia de votação do PL 490 na Câmara dos Deputados.
A manifestação, convocada pela Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (Foirn), aconteceu nesta terça-feira (30/05) em resposta aos retrocessos à pauta indígena e ambiental em tramitação no Congresso e também utilizou as redes sociais e a organização política no território para amplificar suas vozes.
A mobilização aconteceu na Casa do Saber – Maloca da Foirn, em São Gabriel da Cachoeira (AM), e reuniu indígenas das cinco coordenadorias da Foirn, garantindo representatividade do território de aproximadamente 13 milhões de hectares em uma das regiões mais preservadas da Amazônia.
Estavam presentes os diretores Nildo Fontes, do povo Tukano, Dário Casimiro, do povo Baniwa, e Adão Francisco, do povo Baré.
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Movimento indígena do Rio Negro compareceu em peso à manifestação contra a aprovação do Marco Temporal na Câmara|Ana Amélia Hamdan
Diretor-presidente da Foirn, Marivelton Barroso, do povo Baré, reforçou que os povos do Rio Negro seguem mobilizados também nas bases para se posicionarem contra projetos que violam seus direitos.
“Não vamos aceitar nenhuma proposta ou projeto que venha para nos exterminar ou que tenha o olhar ambicioso da exploração. A região do Rio Negro é exemplo de mobilização e conquistas por sua organização política que envolve associações de base, coordenadorias e a federação. Somos a federação que garante que os povos indígenas da região sejam ouvidos. Vamos juntos contra as propostas que violam nossos direitos nos níveis municipal, estadual ou federal”, disse.
No ano passado, os povos do Rio Negro aprovaram o protocolo de consulta, instrumento para garantir que os indígenas sejam ouvidos sobre projetos de lei ou atos administrativos que impactem em suas vidas.
Coordenadora regional da Funai – Coordenação do Rio Negro, Dadá Baniwa participou do ato, na Foirn. “A luta é contínua, é árdua e não vamos aceitar retrocessos como o PL 490. Vamos continuar com nossas lutas, nossa fala e reivindicações”, afirmou.
As mulheres indígenas também estiveram mobilizadas nas redes sociais e presencialmente. Em um vídeo gravado na língua indígena nheengatu, a articuladora das mulheres, Belmira Melgueiro, do povo Baré, deu um recado claro.
“Não queremos retrocesso. Vocês já disseram muitas vezes como é que devemos viver. Não vamos aceitar mais. Não ao Marco Temporal”, exclamou. A coordenadora do Departamento de Mulheres Indígenas da Foirn, Cleocimara Reis, do povo Piratapuya, também esteve presente no protesto.
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As principais informações sobre o ISA, seus parceiros e a luta por direitos socioambientais ACESSE TODAS
Novo estudo mostra que ingestão diária de mercúrio excede os limites seguros em seis estados da Amazônia
Levantamento do ISA, Fiocruz, UFOPA, Greenpeace Brasil, Iepé e WWF-Brasil mostra que, em casos críticos, a ingestão de mercúrio pode ser até 31,5 vezes superior ao nível recomendado pela OMS
Segundo estudo inédito, uso do mercúrio em zonas de garimpo em estados na Amazônia provoca altos níveis de contaminação em peixes|Daniel Marenco
Um novo estudo realizado nos principais centros urbanos da Amazônia, abrangendo seis estados e 17 municípios, revela que os peixes da região estão contaminados por mercúrio. Os resultados mostram que peixes de todos os seis estados amazônicos apresentaram níveis de contaminação acima do limite aceitável de ≥ 0,5 µg/g, estabelecidos pela Organização Mundial da Saúde (OMS).
Os piores índices estão em Roraima, com 40% de peixes com mercúrio acima do limite recomendado, e Acre, com 35,9%. Já os menores indicadores estão no Pará, com 15,8%, e no Amapá, com 11,4%. Na média, 21,3% dos peixes comercializados nas localidades e que chegam à mesa das famílias na região amazônica têm níveis de mercúrio acima dos limites seguros.
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Em todas as camadas populacionais analisadas, a ingestão diária de mercúrio excedeu a dose de referência recomendada. No município mais crítico, de Rio Branco (AC), a potencial ingestão de mercúrio ultrapassou de 6,9 a 31,5 vezes a dose de referência indicada pela Agência de Proteção Ambiental do governo norte-americano (EPA), 0,1 μg/kg pc/dia. As mulheres em idade fértil - público mais vulnerável aos efeitos do mercúrio - estariam ingerindo até nove vezes mais mercúrio do que a dose preconizada; enquanto crianças de dois a quatro anos até 31 vezes mais do que o aconselhado.
Em Roraima, segundo estado mais crítico, a potencial ingestão de mercúrio extrapolou de 5,9 a 27,2 vezes a dose de referência. Considerando os estratos populacionais mais vulneráveis à contaminação, mulheres em idade fértil estariam ingerindo até oito vezes mais mercúrio do que a dose indicada, e crianças de dois a quatro anos até 27 vezes mais do que o recomendado.
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Essas informações são de um estudo realizado por pesquisadores da Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca da Fundação Oswaldo Cruz (Ensp/Fiocruz), da Universidade Federal do Oeste do Pará (UFOPA), Greenpeace Brasil, Iepé, Instituto Socioambiental (ISA) e WWF-Brasil. O levantamento buscou avaliar o risco à saúde humana em função do consumo de peixes contaminados - e, para isso, visitou mercados e feiras em 17 cidades amazônicas onde foram compradas as amostras utilizadas nesta pesquisa.
“Este é o primeiro estudo que avalia os principais centros urbanos amazônicos espalhados em seis estados. Ele reforça um alerta para um assunto já conhecido, mas não resolvido, que é o risco à segurança alimentar na região amazônica gerado pelo uso de mercúrio na atividade garimpeira. É preocupante que a principal fonte de proteína do território, se ingerida sem controle, provoque danos à saúde por estar contaminada”, ressalta Decio Yokota, coordenador do Programa de Gestão da Informação do Iepé.
“Estamos diante de um problema de saúde pública. Sabemos que a contaminação é mais grave para as mulheres grávidas, já que o feto pode sofrer distúrbios neurológicos, danos aos rins e ao sistema cardiovascular. Já as crianças podem apresentar dificuldades motoras e cognitivas, incluindo problemas na fala e no processo de aprendizagem. De forma geral, os efeitos são perigosos, muitas vezes irreversíveis, os sintomas podem aparecer após meses ou anos seguidos de exposição. É urgente a criação de políticas públicas para atender as pessoas já afetadas pela contaminação por mercúrio e medidas preventivas, de controle de uso”, alerta Dr. Paulo Basta, pesquisador da Escola Nacional de Saúde Pública da Fiocruz.
O levantamento foi realizado de março de 2021 a setembro de 2022 nos estados do Acre, Amapá, Amazonas, Pará, Rondônia e Roraima. As amostras foram coletadas nos municípios de Altamira (PA), Belém (PA), Boa Vista (RR), Humaitá (AM), Itaituba (PA), Macapá (AP), Manaus (AM), Maraã (AM), Oiapoque (AP), Oriximiná (PA), Porto Velho (RO), Rio Branco (AC), Santa Isabel do Rio Negro (AM), Santarém (PA), São Félix do Xingu (PA), São Gabriel da Cachoeira (AM) e Tefé (AM). Foram avaliados 1.010 exemplares de peixes, de 80 espécies distintas, comprados em mercados, feiras e diretamente de pescadores, simulando o dia a dia dos consumidores locais.
Do total geral da amostra, 110 eram peixes herbívoros, 130 detritívoros, 286 onívoros e 484 carnívoros. Os carnívoros, mais apreciados pelos consumidores finais, apresentaram níveis de contaminação maiores que as espécies não-carnívoras. A análise comparativa entre espécies indicou que a contaminação é 14 vezes maior nos peixes carnívoros, quando comparados aos não carnívoros. Por isso, o estudo faz uma indicação de consumo para as principais espécies de peixes amostradas, considerando o nível de contaminação e a localidade.
A principal recomendação que os pesquisadores fazem é ter maior controle do território amazônico e erradicar os garimpos ilegais e outras fontes emissoras de mercúrio para o ambiente. “Além da degradação ambiental, os garimpos ilegais trazem um rastro de destruição que inclui tráfico de drogas, armas e animais silvestres, além da exploração sexual. Por isso, o Estado precisa garantir maior controle e segurança para as populações locais. No entanto, outras ações como a fiscalização do desmatamento e queimadas também reduzem a exposição ao mercúrio, uma vez que impactam na dinâmica dos solos e dos rios e igarapés”, afirma Marcelo Oliveira, especialista em conservação do WWF-Brasil.
As coletas de amostras de peixes foram realizadas em 17 municípios amazônicos, totalizando seis estados amostrados. Os peixes foram adquiridos em mercados públicos, feiras-livres ou com pescadores nos pontos de desembarque pesqueiro, no período de março de 2021 a setembro de 2022. Sempre que possível foram amostradas ao menos três diferentes espécies em cada guilda trófica (carnívoro, onívoro, detritívoro e herbívoro) e no mínimo três indivíduos de cada espécie, com diferentes tamanhos.
A detecção dos níveis de Hg foi realizada por espectrometria de absorção atômica nos laboratórios do Centro de Tecnologia Mineral (CETEM) e do Instituto Evandro Chagas (IEC). O estudo de avaliação do risco à saúde atribuído ao consumo de pescado contaminado foi calculado segundo parâmetros da EPA. Para isso, foram considerados quatro estratos populacionais: mulheres em idade fértil (10 a 49 anos); homens adultos (≥ 18 anos); crianças de 5 a 12 anos; e crianças de 2 a 4 anos.
A estimativa de consumo de pescado por pessoa se baseou no relatório sobre o consumo de pescado na região amazônica do Brasil, com média per capita de 100 gramas de pescado por dia em ambientes urbanos. Foram avaliados ainda, o cálculo da razão de risco (RR), que indica o potencial de danos à saúde provocado pelo consumo do pescado contaminado e a avaliação de risco à saúde.
Autores: Ciro Campos, Paulo Cesar Basta, Ana Claudia Santiago de Vasconcellos, Gustavo Hallwass, Decio Yokota, Danicley Saraiva de Aguiar, Daniel de Oliveira d'El Rei Pinto e Marcelo Oliveira da Costa
As principais informações sobre o ISA, seus parceiros e a luta por direitos socioambientais ACESSE TODAS
Filme 'Escute: a terra foi rasgada' mostra luta Kayapó, Yanomami e Munduruku contra o garimpo ilegal
Com estreia na 12ª Mostra Ecofalante de Cinema, documentário da Aliança em Defesa dos Territórios e parceiros apresenta impacto nos territórios indígenas por quem sente a violência na pele
Cartaz oficial do documentário dirigido por Cassandra Mello e Fred Rahal
Com estreia marcada para 4 de junho em São Paulo, na 12ª Mostra Ecofalante de Cinema, o documentário Escute, a Terra foi Rasgada, realizado pela Aliança em Defesa dos Territórios e parceiros, propõe um mergulho na luta e no pensamento dos povos Kayapó, Yanomami e Munduruku contra o garimpo ilegal em seus territórios.
Dirigido por Cassandra Mello e Fred Rahal, ele conta com gravações realizadas entre 2021 e 2022 e depoimentos de lideranças dos três povos, os mais impactados pelo avanço da exploração ilegal de ouro na Amazônia.
Têm presença confirmada na sessão de estreia as lideranças indígenas da Aliança em Defesa dos Territórios Davi Kopenawa Yanomami, Beka Munduruku e Maial Paiakan Kayapó.
A invasão garimpeira nessas regiões provoca danos socioambientais devastadores, como o desmatamento, a poluição dos rios, a contaminação por mercúrio, a disseminação de doenças – dentre elas a malária –, além de ataques violentos de garimpeiros.
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Lideranças Munduruku, Yanomami e Kayapó denunciam em filme violência e destruição provocadas pelo garimpo ilegal em seus territórios|Teia Documenta
Além disso, sem ter como manter seus modos de vida, que se baseiam na caça, na pesca e na agricultura de coivara, os indígenas sofrem com a insegurança alimentar e a desnutrição infantil. No início do ano, imagens de indígenas Yanomami vítimas da crise humanitária no território rodaram o mundo e estimularam ações do governo federal para combater o garimpo na região.
O dossiê da Aliança ainda explica os mecanismos que promovem o avanço do garimpo ilegal, altamente mecanizado e capitalizado, e aponta as fragilidades institucionais da cadeia do ouro que favorecem a atividade, listando uma série de medidas para combatê-lo.
Alessandra Munduruku durante visita à Terra Yanomami|Fred Rahal/Teia Documenta
Em depoimento ao filme, lideranças históricas como Davi Kopenawa, Megaron Txucarramãe, Tuíre Kayapó Mẽbêngôkre, Alessandra Korap Munduruku e O-é Paiakan Kayapó contam sobre os impactos da exploração desenfreada da floresta, como a contaminação de rios e solos, o aumento da violência e criminalidade na região, além das ameaças ao modo de vida, à cultura e à espiritualidade de seus povos.
“Você, jornalista, escute isso. Você tem que divulgar para todo mundo. Você tem que divulgar o que eu falo. Minha fala tem que aparecer todo dia, todo mês no jornal. Você tem que mostrar minha fala para esses brancos que querem madeira, que querem garimpo, que ainda não me conhecem. Vocês vão divulgar minha fala para todo lugar, espalhar por aí, para as pessoas conhecerem, respeitarem a floresta, respeitarem a terra, e respeitarem nossos corpos", diz Tuíre Mẽbêngôkre, liderança histórica do povo Kayapó na luta contra os impactos ambientais da construção da então denominada Usina Hidrelétrica Kararaô.
A Aliança em Defesa dos Territórios surgiu após a publicação de uma carta-manifesto por nove organizações indígenas desses territórios durante o acampamento Luta Pela Vida, em agosto de 2021 (saiba mais abaixo). O documentário inclui registros de encontros da articulação, que se desenvolveu ao longo do ano seguinte nos territórios Munduruku e Kayapó, e da celebração de 30 anos da demarcação da Terra Indígena Yanomami, realizada em maio de 2022.
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Filme mostra a relação dos povos indígenas com os territórios|Cassandra Mello/Teia Documenta
“Se a terra-floresta estiver seca, se estiver moqueada, se estiver queimada, nós não existimos. Se a floresta estiver padecendo, eu também sofro. Se a floresta apodrece, eu também fico com feridas, com cicatrizes. Se a floresta queimar, minha pele fica também enrugada”, explica o xamã Yanomami, Davi Kopenawa.
A produção traz elementos da cultura e do cotidiano dos povos Kayapó, Yanomami e Munduruku, revelando sua força, suas belezas e potências, e evidencia os impactos que o garimpo ilegal imprime nos três territórios.
“No meio de nós não deve prevalecer qualquer tipo de individualismo. Devemos lembrar que temos o mesmo sangue, o mesmo rio, a mesma floresta. E esta é nossa região munduruku a qual defendemos. É isso que queria enfatizar, a fim de contar a todos. É assim que tem que ser, tanto no Baixo Tapajós, no Médio e no Alto Tapajós. Todo mundo tem que falar em uma só voz e uma só decisão coletiva. Isso será a nossa força”, afirma o cacique Juarez Saw Munduruku, na Terra Indígena Sawré Muybu.
Os diretores Cassandra Mello e Fred Rahal lembram que, desde a primeira reunião, as lideranças estabeleceram o que deveria fazer parte da narrativa, e destacam a importância da narração, feita de forma pessoal e predominantemente em línguas maternas, para que o filme exerça um papel político importante na sensibilização e mobilização pela defesa dos direitos dos povos e territórios indígenas.
Sobre a Aliança em Defesa dos Territórios
Em agosto de 2021, durante o acampamento Luta Pela Vida, em Brasília, lideranças das Terras Indígenas mais afetadas pelo avanço do garimpo ilegal se juntaram para escrever um documento que expressasse publicamente o seu repúdio à atividade garimpeira — considerada “uma doença que os brancos estão trazendo para dentro dos nossos territórios”.
A carta-manifesto foi assinada por nove organizações indígenas: Hutukara Associação Yanomami, Instituto Raoni, Instituto Kabu, Associação Bebô Xikrin do Bacajá, Associação Floresta Protegida, Associação das Mulheres Munduruku Wakoborũn, Associação Indígena Pariri do Médio Tapajós, Hwenama Associação dos Povos Yanomami de Roraima e Associação Wanasseduume Ye’kwana.
Desse encontro, nasceu a proposta de constituir uma aliança entre os Kayapó, Yanomami e Munduruku, para fortalecer as lutas que cada um desses povos promove em defesa de suas terras. A articulação se desenvolveu ao longo de 2022, em ações promovidas conjuntamente por lideranças desses povos nos territórios, em grandes mobilizações nas capitais e, ainda, internacionalmente. A publicação do dossiê e o documentário Escute: a terra foi rasgada fazem parte dos esforços promovidos pela iniciativa.
Itaú Augusta | R. Augusta, 1475 - Consolação, São Paulo - SP
04/06 - Domingo, 17h - Sala 3 - Seguido de debate com lideranças
09/06 - Sexta, 20h - Sala 3
14/06 – Quarta, 19h - Sala 4
Sessão de pré-estreia do Cine Japu no Telecentro do ISA teve casa cheia, com a presença de apoiadores da iniciativa|Ana Amélia Hamdan/ISA
Com a proposta de ampliar e compartilhar saberes e olhares, propor discussões e transformações e ser uma opção de lazer, o Cine Japu entra em ação na próxima terça-feira (16/5), com exibições gratuitas de filmes no telecentro do ISA, em São Gabriel da Cachoeira (AM).
A iniciativa é do ISA, em parceria com a Rede Wayuri de Comunicadores Indígenas e apoio da Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (Foirn).
No dia 2 de maio aconteceu a pré-estreia, tendo os indígenas como protagonistas com a exibição do documentário Wayuri, sobre os cinco primeiros anos da rede de comunicadores que atua no Rio Negro. Foi transmitido também Wetapena nette ianhapakatti (Nossos remédios e benzimentos), do cineasta Moisés Baniwa, colaborador da Rede Wayuri.
“Esse projeto é muito importante. E já posso dizer que a Rede Wayuri pode continuar filmando e fazendo filmes, um deles contando a história de São Gabriel”, disse Moisés durante sua fala.
As sessões acontecem quinzenalmente, às terças-feiras, às 19h, e, após o filme, haverá sempre uma roda de conversa com participação de convidados. Os títulos exibidos trazem principalmente a temática indígena, mas haverá também outras abordagens.
Na primeira sessão aberta ao público, o Cine Japu terá o premiado filme Marte Um, filme brasileiro indicado ao Oscar 2023. A história traz o dia a dia de uma família negra de classe média baixa na periferia de uma grande capital.
Já em 30 de maio volta à cena a temática indígena, com o filme Gyuri. A exibição terá a presença da diretora Mariana Lacerda, que incluiu São Gabriel da Cachoeira em um roteiro de exibições do filme na região norte do país.
O Cine Japu tem seu nome inspirado nos pássaros que todos os dias, ao amanhecer e ao anoitecer, alçam voo em frente à sede do ISA, sobrevoando o Rio Negro e fazendo a ligação entre a área urbana e o território indígena.
Com essa iniciativa, o telecentro do ISA, que é aberto ao público, amplia a interação com os moradores da cidade conhecida por ser a mais indígena do país. A produção local do novo projeto está sendo realizada pela atriz e produtora Inês Mexia e pela comunicadora Suellen Samanta, do povo Baré. A Rede Wayuri de Comunicadores participa atuando desde a produção, curadoria e mediação das rodas de conversa e divulgação.
Acompanhado dos comunicadores da Rede Wayuri, Moisés Baniwa, à direita, discursa em lançamento do Cine Japu|Ana Amélia Hamdan/ISA
A pré-estreia do Cine Japu contou com casa cheia, com a presença de atores do município que apoiam a iniciativa. Após a exibição, houve uma roda de conversa com os comunicadores da Rede Wayuri e com Moisés Baniwa.
Durante sua fala, Suellen Samanta, que passou a fazer parte da Rede Wayuri este ano, contou sobre uma experiência que teve em Brasília, cidade para onde viajou para participar do Acampamento Terra Livre (ATL), em abril.
Ela relatou o diálogo que teve com o taxista na capital federal: ele não conhecia o ATL – a maior mobilização indígena do país – e ainda trouxe uma fala preconceituosa e, infelizmente, bastante comum, com críticas a indígenas que usam tecnologias. Tranquila, Suellen teve paciência para conversar com o motorista e explicar que utilizar equipamentos também faz parte do cotidiano dos indígenas.
Ela acredita que o Cine Japu, ao trazer discussões sobre a temática indígena, ajudará a desconstruir preconceitos como esse.
Moisés Baniwa falou sobre sua experiência como cineasta e contou como ganhou a sua primeira câmera. O equipamento fotográfico, ainda analógico e com filme, foi comprado por seu pai, o cacique e mestre Luiz Laureano, do povo Baniwa, com recursos da venda de artesanato. Para revelar as imagens, Moisés precisava enviar o filme para Manaus. Agora, ele trabalha com equipamentos digitais que vem conseguindo com o apoio de pessoas que admiram o trabalho dele.
Entre os presentes na pré-estreia do Cine Japu estavam o bispo de São Gabriel da Cachoeira, dom Edson Damian; a professora e doutora Solange Pereira do Nascimento, diretora Universidade Estadual do Amazonas UEA/CESSG; a professora Thais Moreira, do Instituto Federal do Amazonas (Ifam) – Campus São Gabriel e a defensora pública Isabela Sales.
A proposta do Cine Japu foi construída em constante diálogo com a Foirn. Participaram da sessão para convidados a coordenadora do Departamento de Mulheres Indígenas (Dmirn), Cleocimara Reis, povo Piratapuya; o coordenador do Departamento de Adolescentes e Jovens (Dajirn), Elson Kene, Baré; o coordenador do Departamento de Educação, Melvino Fontes, povo Baniwa; a representante do Departamento de Negócios Socioambientais, Tifany Máximo, do povo Baré; o advogado Adriano Silva, do Departamento Jurídico; Josimara Melgueiro, do povo Baré, do Fundo Indígena do Rio Negro (Firn).
Sócio fundador do ISA, Márcio Santilli estava em São Gabriel da Cachoeira e participou da pré-estreia do Cine Japu. A coordenadora-adjunta do Programa Rio Negro do ISA, Natália Pimenta, esteve na abertura e deu boas-vindas aos convidados. A equipe técnica do ISA também aproveitou a sessão.
Antes da exibição dos filmes foi feita uma homenagem ao antropólogo Dagoberto Azevedo, do povo Tukano, que fez parte da equipe do Programa Rio Negro e faleceu em 8 de abril. Sua esposa Helena, do povo Piratapuya, e sua filha Adele estavam presentes. Dagoberto também deixou a filha Ruthiene, de 7 meses.
Sinopses
Filmes exibidos na pré-estreia, em 2 de maio:
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Wayuri
No Noroeste do Amazonas, numa das áreas mais preservadas da Amazônia brasileira, vivem cerca de 23 povos indígenas em 750 comunidades indígenas onde são faladas 16 línguas nativas, além do português. Para dar voz a essa população, a Rede Wayuri de Comunicadores Indígenas do Rio Negro produz podcasts, vídeos, fotos, lives, áudios e textos. Wayuri significa "trabalho coletivo" na língua nnhengatu. O documentário Wayuri traz a história dos cinco primeiros anos de atuação da Rede Wayuri. O documentário está em circulação em festivais de cinema, com exibições previstas no Japão, Ucrânia, Portugal e Brasil
Direção – Diana Gandara
Brasil, 2023, 25', Livre
Wetapena nette ianhapakatti (Nossos remédios e benzimentos)
A cultura sustenta a esperança e modos de continuar existindo na adversidade. O Cacique Keerada prepara remédios e benzimentos tradicionais, um conhecimento fundamental para a nossa proteção e cura. O filme foi rodado na comunidade indígena Itacoatiara Mirim, em São Gabriel da Cachoeira, durante a pandemia da Covid-19.
Direção: Moisés Baniwa
Brasil, 2019, 10 min, Livre
Roda de conversa: Rede Wayuri e Moisés Baniwa
Programação
Filme exibido na estreia, em 16 de maio:
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Marte Um
O dia a dia de uma família negra de classe média baixa na periferia de uma grande capital. Entre trabalhos, utopias, amores e traumas, os Martins tentam seguir vivendo num Brasil em mudanças.
Direção: Gabriel Martins
Brasil, 2022, 115'
Classificação indicativa oficial - 16 anos
Premiére Mundial – Festival de Sundance 2022
Premiére Brasileira - 50o Festival de Gramado
Melhor filme júri popular, Melhor Roteiro, Melhor Trilha Musical e Prêmio Especial do Júri
Filme brasileiro indicado ao Oscar 2023
Prêmio Abraccine (Associação Brasileira dos Críticos de Cinema) - Melhor filme brasileiro de 2022
Roda de conversa: Giselle Sousa, analista de desenvolvimento do ISA, e João Claudio Moreira, jornalista e indigenista.
Filme a ser exibido em 30 de maio:
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Gyuri
Uma linha geopolítica improvável entre a pequena aldeia húngara de Nagyvárad e a Terra Indígena Yanomami, na Amazônia brasileira. Judia, sobrevivente da Segunda Guerra, Claudia Andujar exilou-se no Brasil e dedicou a vida à salvaguarda dos povos Yanomami. Seu valioso acervo, sua militância incansável, seu passado de guerra e a vulnerabilidade atual dos indígenas são revistos por meio de diálogos de Andujar com o xamã Davi Kopenawa e o ativista Carlo Zacquini, com a interlocução do filósofo húngaro Peter Pál Pelbart.
Direção: Mariana Lacerda
Brasil, 2020, 88min. Livre
Roda de conversa: diretora Mariana Lacerda
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As principais informações sobre o ISA, seus parceiros e a luta por direitos socioambientais ACESSE TODAS
Cerimônia ancestral marca posse de primeira mulher indígena para a Funai no Rio Negro (AM)
Com presença de Joenia Wapichana, presidente da Funai, Dadá Baniwa assumiu a Funai Regional Rio Negro e Luiz Brasão, do povo Baré, é o novo coordenador do Dsei-ARN
Presidente da Funai, Joenia Wapichana empossa Dadá Baniwa para a Funai – Coordenação Regional do Rio Negro|Ana Amélia Hamdan/ISA
Uma cerimônia multiétnica realizada na Casa do Saber – Maloca da Foirn (Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro) celebrou no dia 5 de maio o fortalecimento político dos povos do Rio Negro.
A presidente da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), Joenia Wapichana, esteve em São Gabriel da Cachoeira (AM) e nomeou Dadá Baniwa para o cargo de coordenadora da Funai – Coordenação Regional Rio Negro. Ela é a primeira mulher indígena a assumir esse posto.
A celebração foi marcada pela cultura ancestral dos povos indígenas do Rio Negro, com danças e música. A nova coordenadora da Funai CR-Rio Negro, Dadá Baniwa, entrou na Casa do Saber tendo ao seu lado o cacique Luiz Laureano, do povo Baniwa, e seu irmão Mário Joaquim, que tocaram flautas sagradas.
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Cerimônia contou com danças tradicionais e a presença de familiares dos novos coordenadores|Ana Amélia Hamdan/ISA
Danças tradicionais de outros povos, com instrumentos sagrados simbolizando força e liderança, também foram apresentadas. O hino nacional foi cantado pela professora Lígia Baré na língua nheengatu.
Dadá Baniwa apontou os desafios na reconstrução da Funai, após período de desmonte da política indigenista, com paralisação de processos de demarcação, fiscalização e proteção territorial, mas também reforçou a importância das parcerias para que a implementação das políticas públicas se concretize. Ela agradeceu o apoio das mulheres indígenas.
“É com bastante orgulho e profundo sentimento de responsabilidade que assumo hoje a Coordenação Regional da Funai do Rio Negro. Desafio esse que só aceitei por ter a plena convicção de que não estarei sozinha”, disse.
Em sua fala, a presidente da Funai, Joenia Wapichanna, disse que “a Funai está de volta ao Rio Negro”.
“E está de volta com as mulheres indígenas. A nossa sabedoria, a nossa visão, a nossa solidariedade vieram trazer essa diferença para as políticas públicas”, afirmou.
Wapichana completou falando da potência dos povos indígenas para atuar na política. “Nós indígenas sempre estivemos no processo de ver, ouvir e de dizer que nós somos capazes sim. Temos legitimidade, temos experiência, temos potência e queremos fazer diferente. Por que não nós povos indígenas para conduzirmos e fazermos parte dessa gestão pública também?”
Assista à entrevista da Rede Wayuri com Joenia Wapichana:
Diretor-presidente da Foirn, Marivelton Barroso, do povo Baré, falou que o momento marca a força da representatividade da federação e do movimento indígena, ressaltando a ação também de gestões anteriores. A necessidade da implementação dos Planos de Gestão Territorial e Ambiental (PGTAs) com respeito ao Protocolo de Consulta dos Povos do Rio Negro, construído ao longo de 2022, também foi reforçada pela liderança indígena.
Os processos de regularização de Terras Indígenas na região do Rio Negro é uma das questões prioritárias para os povos do Rio Negro. Durante o Acampamento Terra Livre (ATL), o presidente Luiz Inácio Lula da Silva assinou o decreto de homologação da Terra Indígena Uneiuxi, em Santa Isabel do Rio Negro (AM), território tradicional do povo Nadeb, considerado de recente contato.
Dadá Baniwa, Marivelton Barroso, Luiz Brasão e Jovânio Normando em cerimônia que representa a força dos povos indígenas do Rio Negro|Ana Amélia Hamdan/ISA
Os próximos processos referentes à região do Rio Negro devem envolver a publicação de um Relatório Circunstanciado de Identificação e Delimitação dos Limites da Terra (Recid) da TI Aracá-Padauari e, ainda, a demarcação física de Cué-cué Marabitanas.
Primeiro indígena a comandar o Dsei-ARN, Luiz Brasão também levou para cerimônia objetos ancestrais de seu povo, os Baré, e sua família. O Dsei-ARN é responsável por 25 polos-base de saúde que atendem a cerca de 700 comunidades nos municípios de São Gabriel da Cachoeira, Santa Isabel do Rio Negro e Barcelos. Ele falou da necessidade de oferecer aos servidores instrumentos adequados de trabalho, com investimentos em insumos e logística.
O fortalecimento dos saberes da medicina indígena foi um dos pontos trazidos pela representante da Sesai presente na solenidade, Carmem Pankararu, diretora do Departamento de Atenção Primária à Saúde Indígena (Dapsi). “Esses povos aprenderam na ancestralidade a promover saúde no seu território. Estamos disponíveis para ajudar, apoiar e promover saúde indígena nesse contexto”, disse.
Estavam presentes na solenidade parceiros, como o Instituto Socioambiental (ISA), com a coordenadora-adjunta do Programa Rio Negro, Natália Pimenta, e o sócio fundador do ISA, Márcio Santilli; o Exército, a Defensoria Pública e a Articulação Nacional das Mulheres Indígenas Guerreiras da Ancestralidade (Anmiga).
A cerimônia para celebrar a posse dos indígenas em cargos de liderança aconteceu em uma semana de grande importância para a Foirn.
Em 30 de abril, a federação comemorou 36 anos de existência, também com uma festa na Casa do Saber. Logo em seguida, foi realizado o Conselho Diretor, com a presença de lideranças indígenas de todo o território do Rio Negro.
Santilli esteve no encontro e fez uma apresentação aos indígenas sobre mercado de crédito de carbono, junto com Natalie Unterstell e Shigueo Watanabe Jr., respectivamente presidente e especialista em políticas climáticas do Instituto Talanoa.
Cacique Luiz Laureano e seu irmão Mário Joaquim tocam flautas sagradas|Ana Amélia Hamdan/ISA
Luiz Baré é o primeiro indígena a assumir a coordenação do Dsei-ARN|Ana Amélia Hamdan/ISA
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As principais informações sobre o ISA, seus parceiros e a luta por direitos socioambientais ACESSE TODAS
Comunicadores indígenas unem conhecimentos tradicionais e novas tecnologias para fortalecer luta
Representantes de diversos povos se reuniram em Brasília, durante o ATL, para compartilhar experiências e exaltar o protagonismo indígena na comunicação
“Antes da internet, os nossos povos já se comunicavam. Às vezes, a gente se comunicava espiritualmente. As lideranças se encontravam dessa forma”, conta Alexandre dos Santos, de 48 anos, do povo Pankararu. Há 22 anos, o comunicador indígena percebeu a necessidade de usar as novas tecnologias para fortalecer a luta em defesa dos direitos indígenas, sobretudo para dar protagonismo aos parentes.
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Alexandre Pankararu iniciou sua jornada na comunicação há duas décadas|Fabrício Araújo/ISA
“As pessoas nos tratavam como algo folclórico. Isso nos fez compreender a importância da comunicação para que pudéssemos transmitir, nós mesmos, as nossas vozes, os nossos conhecimentos e nossa realidade”, afirma o representante da Articulação dos Povos Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo (APOINME) .
Alexandre Pankararu e outras lideranças participaram do debate “A importância da comunicação e tecnologia indígena na decolonização, denúncia e luta”, realizado no dia 27 de abril, penúltimo dia do Acampamento Terra Livre (ATL), o maior encontro do movimento indígena do Brasil, em Brasília.
Neste ano, a comunicação do encontro teve como destaques a exibição de filmes feitos por indígenas e o protagonismo das próprias narrativas.
Graciela Guarani, do povo Guarani-Kaiowá, conheceu o mundo do audiovisual a partir da amizade com Alexandre Pankararu. Após fazerem alguns trabalhos juntos, ela atuou como diretora e roteirista em produções como Cidade Invisível, da Netflix, e Falas da Terra, disponível na Globoplay.
A cineasta enxerga nas imagens uma forma de seu povo, da aldeia Jaguapiru, resistir. A comunidade, localizada em Dourados, no Mato Grosso do Sul, já foi alvo de ataques de invasores.
Ainda criança, ela acompanhava a mãe na venda de mandioca na cidade quando percebeu que as propagandas não tinham pessoas que se parecessem com ela ou seus familiares. E assim nasceu o sonho de representar e dar visibilidade aos Guarani-Kaiowá.
Graciela Guarani, 37 anos, conta que, no passado, participou de oficinas, cursos e aprendeu com profissionais de diversas partes do mundo, como Peru, Argentina e Itália. No entanto, não tentou estudar em universidades, pois sentia que era muito jovem e que não saberia se defender do racismo.
Protagonismo indígena
Em 2022, a participação inédita de uma mulher indígena mestre em comunicação no Grupo de Transição de Comunicação do Governo Lula, Ariene Susui , foi um marco no protagonismo indígena para a construção de suas próprias narrativas.
Vangêla Maria Isidoro de Morais, docente da Universidade Federal de Roraima (UFRR) e orientadora de Ariene Susui, afirma que, mesmo com vagas destinadas especificamente para indígenas e a existência do Instituto Insikiran de Formação Superior Indígena (Insikiran), um núcleo voltado só para a educação superior indígena, ainda existe uma herança do comportamento colonizador, que desqualifica os conhecimentos tradições indígenas. Segundo a professora, há uma hierarquia de saberes que alimenta a ideia de que a universidade não é um lugar para todos.
“A maneira de ser indígena e de estar na academia ainda traz muitos desafios para todos os atores envolvidos nesse processo de formação e, infelizmente, essa não é uma situação isolada. A universidade deveria ser um dos principais palcos para os encontros de saberes; mas, sem ingenuidade, sabemos que a academia é uma instituição tradicional de forte herança colonial”.
Morais também coordena um grupo de pesquisa sobre o protagonismo dos indígenas de diversas etnias na criação de conteúdos em Roraima. O objetivo é conhecer a diversidade de conteúdos e refletir sobre a forma contra-hegemônica que são produzidos. O trabalho de Ariene foi a pesquisa inaugural do grupo, que surgiu em 2020. A Rede Wakywai (que significa “nossa notícia” na língua Wapichana) é um grupo de comunicadores do Conselho Indígena de Roraima (CIR).
Comunicadores yanomami
Assim como a Rede Wakywai, os Yanomami estão em processo de formação, com apoio do Instituto Socioambiental (ISA) e da Hutukara Associação Yanomami (HAY), para montar o seu próprio núcleo de comunicadores. Entre os jovens Yanomami em formação, estão Aida Harika, de 25 anos, e o xamã Yanomami Edmar Tokorino, de 38 anos.
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Comunicadores yanomami em frente à plenária do ATL|Fabrício Araújo/ISA
Eles participaram pela primeira vez do ATL e tiveram a oportunidade de exibir os curtas Uma Mulher Pensando e Pesca com Timbo no cineclube do acampamento.
“Gostei muito da minha primeira participação junto aos meus parentes. Aproveitei para filmar bastante, mas também me senti muito triste com os relatos dos parentes sobre as situações que estão enfrentando em seus territórios”, relata Edmar Tokorino.
Aida e Edmar se inspiram em Morzaniel Ɨramari, primeiro Yanomami a fazer cinema. Ele é autor das produções A Casa dos Espíritos, Curadores da Floresta e A Árvore dos Sonhos, que estreou no mês de abril e venceu o prêmio Melhor Documentário da Competição Brasileira na premiação "É Tudo Verdade – Festival Internacional de Documentários".
“Eu me sinto muito feliz em fazer isso e me tornar uma referência para os jovens Yanomami. Assim eles podem se interessar mais e aprender mais. Eu quero que saibam o que estamos fazendo e os jovens continuem lutando pela nossa terra e nossos direitos”, diz Morzaniel.
Comunicadores xinguanos
Também compareceram ao ATL comunicadores da Rede Xingu+. Kunity M. Panará, que vive na Terra Indígena Panará, relatou que há três anos começou a aprender os processos de comunicação.
“Acho importante acompanhar os movimentos, as manifestações e, com o nosso trabalho de comunicação, é possível contar para outros parentes o que está acontecendo fora da nossa Terra Indígena. Assim, deixamos todos atentos”, afirma.
Numa formação realizada na semana anterior ao ATL pela Rede Xingu+, os comunicadores do Xingu criaram uma conta no Instagram. Durante a mobilização, eles produziram conteúdos para informar às suas comunidades sobre o que estava sendo discutido nas plenárias, inclusive, acompanharam a marcha que decretou emergência climática no Brasil.
Cineasta do povo Guarani-Kaiowá trabalhou em produções de gigantes do streaming|Fabrício Araújo/ISA
Kunity Panará, comunicador xinguano, em meio às barracas do Acampamento Terra Livre|Fabrício Araújo/ISA
Glycia Makuxi, comunicadora de Roraima, cobre o ATL pela COIAB
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Articulações pelos direitos indígenas ganham força na tríplice fronteira Brasil, Venezuela e Colômbia
ISA e Foirn receberam homenagem da Defensoria Pública do Amazonas; agenda incluiu ainda reuniões com Corregedoria de Justiça do Estado e Segunda Brigada de Infantaria de Selva do Exército
Construir caminhos para o acesso à Justiça na Amazônia foi o mote da Defensoria Pública do Estado do Amazonas na celebração dos seus 33 anos de atividade, comemorados em 17 de abril na Maloca Casa do Saber, no município mais indígena do Brasil, São Gabriel da Cachoeira (AM).
No evento, a Defensoria ressaltou a importância do trabalho interinstitucional e a parceria com organizações da sociedade civil que trabalham pelos direitos indígenas na tríplice fronteira e concedeu ao Instituto Socioambiental (ISA) e à Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (Foirn) uma menção honrosa pela promoção do acesso à Justiça no Noroeste Amazônico.
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Representantes do ISA e da Foirn recebem a homenagem da Defensoria Pública em São Gabriel da Cachoeira|Juliana Albuquerque Baré/Rede Wayuri
“Sem a parceria das instituições que conhecem a fundo a realidade dos povos indígenas, da cultura local e dos problemas sociais existentes na região, seria inviável realizar o nosso trabalho. Por isso, nesse primeiro ano de atuação do Pólo Alto Rio Negro, agradecemos aos parceiros por somar esforços conosco na melhoria do acesso à Justiça na região”, ressaltou a defensora Isabela do Amaral Sales, coordenadora do Polo Alto Rio Negro, durante solenidade com a presença do defensor geral do Estado do Amazonas, Ricardo Queiroz de Paiva.
Iniciativas conjuntas para promover melhor acesso à Justiça e aos serviços prestados pela Defensoria foram realizadas pelas instituições, dentre elas o atendimento em línguas indígenas, como na língua Hup, feita pelo comunicador Álvaro Socot, do povo Hupd'äh, integrante da Rede Wayuri de Comunicadores Indígenas, apoiada e articulada pelo ISA junto com a Foirn. “Grande parte do meu povo Hupd'äh vem para a cidade para pegar documentos e não sabe falar bem português e não conhece como fazer esses trabalhos. Por isso, é importante o papel do tradutor”, comentou Socot.
A comunicação da Defensoria com as comunidades se estreitou a partir da aproximação das defensoras Isabela Sales e Danielle Mascarenhas com os meios de comunicação indígenas que levam informação para as comunidades, como o programa Papo da Maloca e o podcast Wayuri.
Os veículos divulgam os serviços, informações e eventos realizados pela Defensoria. Além da assistência jurídica, judicial e extrajudicial integral e gratuita a quem não pode arcar com os custos de um advogado, a Defensoria também presta serviços relacionados a separação, divórcio, pensão alimentícia, guarda e visita de filhos, inventários e investigação de paternidade.
Visita de novo general e corregedor geral de Justiça do AM
A agenda de articulações com instituições do Estado que possuem atuação estratégica na região do Alto Rio Negro incluiu ainda a visita do novo general em São Gabriel da Cachoeira, Nilton Diniz Rodrigues, à sede do ISA.
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General Nilton Diniz Rodrigues com representantes do ISA|Arthur de Queiroz Campos Araújo/ISA
Rodrigues assumiu o comando da Segunda Brigada de Infantaria de Selva em 17 de abril, no lugar do general Ricardo Augusto do Amaral Peixoto.
A reunião contou com a presença de integrantes da equipe do Programa Rio Negro do ISA, que atuam na região em áreas como economia da sociobiodiversidade, turismo indígena de base comunitária, articulação de políticas socioambientais, comunicação e operação logística.
Durante o encontro, foi possível transmitir ao general Diniz alguns desafios do trabalho no Alto Rio Negro e um panorama sociocultural de uma das regiões mais diversas e extensas do Brasil.
Ali, habitam 23 povos indígenas, falantes de 16 línguas, na maior bacia hidrográfica de águas pretas do mundo – considerada a região mais preservada da Amazônia brasileira.
Colaborações e parcerias institucionais em benefício das comunidades indígenas, como apoio logístico para regiões mais remotas onde se localizam os seis pelotões de fronteira (Pefs) do Exército, também foram articuladas durante a conversa.
General Diniz, que foi adido militar nas relações diplomáticas com a Noruega e com o Reino Unido, comentou sobre a extrema relevância da preservação da Amazônia e da diversidade cultural indígena para o Brasil e para o mundo.
Ressaltou ainda que o trabalho de organizações da sociedade civil, como o ISA, junto à opinião pública nacional e internacional, é fundamental para que esforços em prol da valorização, preservação e desenvolvimento sustentável da Amazônia sejam efetivos.
Com foco na defesa dos direitos indígenas, foi realizada ainda reunião em 18 de abril com o corregedor de Justiça do Estado do Amazonas, o desembargador Jomar Ricardo Saunders Fernandes, que esteve em São Gabriel da Cachoeira para acompanhar a primeira visita da Corregedoria Nacional ao município.
A missão teve a presença do ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ), Mauro Campbell Marques, e do corregedor nacional de Justiça, ministro Luis Felipe Salomão, também conselheiro do Conselho Nacional de Justiça (CNJ).
“Estivemos na Comarca de São Gabriel da Cachoeira para mais uma fase dos trabalhos de correição extraordinária no município, que tem o objetivo de verificar a atuação judicial e dos serviços notariais e de registro em ações que envolvam os direitos dos povos originários. E nós, da Corregedoria, conversamos com representantes de entidades, órgãos públicos e instituições do município que tenham relação direta e indireta com os povos indígenas para conhecer o trabalho e os projetos voltados a essa população”, contou Saunders.
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Corregedor estadual de Justiça, Jomar Ricardo Saunders (de camisa azul), em visita ao ISA em São Gabriel|Acyane do Valle/TJ-AM
Durante a reunião no ISA, Saunders conheceu o trabalho realizado pelo Instituto em parceria com a Foirn, com ênfase na defesa de direitos, proteção e gestão territorial, assim como aspectos relacionados à valorização cultural e acesso a políticas públicas. O corregedor recebeu os planos de gestão territorial e ambiental das Terras Indígenas do Rio Negro (PGTAs), realizados a partir do acordo de cooperação técnica entre o ISA, Foirn e a Funai, que visa implementar uma série de ações, projetos e políticas públicas voltadas ao bem viver indígena.
Menção honrosa recebida pelo ISA pela promoção do acesso à Justiça no Alto Rio Negro|Juliana Radler/ISA
Passagem de comando e o desfile da Brigada em frente ao herói indígena Araribóia que dá o nome a Brigada localizada em São Gabriel da Cachoeira|Juliana Radler/ISA
Reunião no ISA com a equipe do Programa Rio Negro e o general em São Gabriel da Cachoeira, Nilton Diniz Rodrigues, em sua primeira visita ao Instituto|Ana Amélia Handam/ISA
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Rio Negro tem nomeações de indígenas para coordenações da Funai e do Dsei-ARN
Dadá Baniwa e Luiz Baré foram indicados pelo movimento indígena local; “momento ímpar e inédito”, comemorou o diretor-presidente da Foirn, Marivelton Barroso
O Abril Indígena na região do Alto Rio Negro, no Amazonas, ganhou nos últimos dias novos motivos para comemoração, com as nomeações de indígenas para a coordenação local em órgãos federais.
Maria do Rosário Piloto, conhecida como Dadá Baniwa, assumirá a coordenação regional do Rio Negro da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai CR-Rio Negro), sendo a primeira mulher a ocupar o posto. Já Luiz Brasão dos Santos, do povo Baré, assume a coordenação do Distrito Sanitário Especial Indígena do Alto Rio Negro (Dsei-ARN), cargo que ainda não havia sido ocupado por um indígena.
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Dadá Baniwa assume coordenação da Funai CR-Rio Negro reforçando o protagonismo da mulher na política indígena|Pedro Hassan/ISA
“É um momento histórico. A coordenação regional da Funai já foi ocupada por indígenas, mas é a primeira vez que será assumida por uma mulher e uma mulher indígena”, comemorou Dadá Baniwa. “Não será fácil, sabemos que ainda há muito machismo em todos os locais. Mas eu fui indicada pelo movimento e aceitei esse desafio”, salientou.
Segundo ela, o primeiro ano de atividades será dedicado à reconstrução da Funai local, para deixar o órgão “com a cara indígena”. Nascida na região do Rio Içana, em São Gabriel da Cachoeira, Dadá Baniwa é cientista política e mestra em Linguística e Línguas Indígenas. Em 2021, foi eleita coordenadora do Departamento de Mulheres Indígenas do Rio Negro (Dmirn/Foirn).
Outras prioridades são a retomada dos processos de demarcação, das Coordenações Técnicas Locais (CTLs) e das barreiras de fiscalização para atuação na proteção territorial e monitoramento das Terras Indígenas.
Em nota divulgada nas redes sociais, a Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (Foirn) reforçou a importância da nomeação de Dadá Baniwa para o protagonismo da mulher no movimento e na política indígenas do Rio Negro e do país.
"É um momento ímpar e inédito. São lideranças que conhecem o território, a política do movimento indígena e vão ter a responsabilidade de coordenar e trabalhar em conjunto com as organizações indígenas”, celebrou o diretor-presidente da Foirn, Marivelton Barroso, do povo Baré.
“O momento reafirma o compromisso do Governo Lula com os povos indígenas, conforme prometido na campanha. Mostra respeito à representatividade da Foirn, de seus povos, comunidades e a todos os anos de luta, seja pela melhoria na política indigenista – na Funai –, seja pela política de atenção à saúde indígena no Rio Negro”, completou.
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Luiz Baré é o primeiro indígena a assumir a coordenação do Dsei-ARN|Divulgação
Saúde indígena
Luiz Baré, novo coordenador do Dsei-ARN, nasceu na comunidade Santa Maria, no Rio Jurubaxi, em Santa Isabel do Rio Negro, e é técnico de enfermagem. Está no movimento indígena desde 1988 e ocupou o cargo de diretor-executivo da Foirn.
Também, fez parte do primeiro distrito sanitário implantado na região do Alto Rio Negro, chamado Distrito Sanitário Yanomami (DSY). Entre 1996 e 1999, participou das discussões e implantação do DSEI-ARN.
“Como movimento indígena, estamos há muitos anos discutindo e lutando para assumir os cargos nas pontas, sejam do Governo Federal, Estadual e Municipal, já que nós somos os protagonistas das discussões. A partir dessas nomeações, essa luta está se tornando uma realidade para nós, para todo o movimento indígena”, afirmou.
“Diminuir a mortalidade infantil é um grande desafio. Precisamos reduzir a desnutrição e várias doenças preveníveis. Estamos no século XXI e precisamos buscar instrumentos para não perdermos crianças indígenas”, defendeu.
Entre as prioridades para o Dsei-ARN, estão a melhoria da estrutura para levar saúde de qualidade às comunidades indígenas, muitas delas em áreas remotas. “Precisamos melhorar a gestão para reconstruir e dar ao Dsei a cara de uma instituição indígena”, resumiu.
A Funai - CR Rio Negro e o Dsei-ARN têm sede em São Gabriel da Cachoeira (AM) e atendem também às populações dos municípios de Santa Isabel do Rio Negro e Barcelos. Juntas, as três cidades têm uma população de 101.369 pessoas, segundo estimativa do IBGE de 2021, sendo a grande maioria indígena.
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Livro 'Povos Indígenas no Brasil' é lançado em Manaus com histórias da luta de mulheres na Amazônia
Evento na GaleriAmazônica reforçou importância da região, que tem cerca de 90% das Terras Indígenas do país
Vanda Witoto, Dadá Baniwa e Cris Baré (da esq à direita), lideranças indígenas que lançaram livro 'Povos Indígenas no Brasil' em Manaus|Paulo Desana/ISA
Um encontro de povos da Amazônia e parceiros marcou o lançamento nesta quarta-feira (05/04), na GaleriAmazônica, em Manaus, da publicação Povos Indígenas no Brasil 2017-2022, do Instituto Socioambiental (ISA), dando início às comemorações do Abril Indígena.
Representantes dos povos Baré, Baniwa, Wanano, Witoto, Tukano, Hup´däh, Desano, Kanamari, Tikuna, Waimiri Atroari, Galibi, entre outros, estiveram presentes num dabacurii – a tradicional cerimônia de trocas da região do Alto Rio Negro – de saberes, história, experiências, resistência e futuro.
O mestre e cacique Luiz Laureano, do povo Baniwa, conduziu uma apresentação de flautas japurutu.
Participaram do lançamento representantes do movimento indígena, dos movimentos negro e LGBTQIA+ do Amazonas, sociedade civil organizada, do governo, do judiciário, universidades e coletivos, indicando a ampla rede de apoio à causa dos povos originários.
A chegada da publicação à capital do Amazonas tem contornos especiais pelo papel central da Amazônia e dos povos da região em discussões sobre organização e fortalecimento da política indígena e a emergência climática.
Concentrando cerca de 90% de todas as Terras Indígenas do país e aproximadamente 55% dos povos tradicionais brasileiros, a Amazônia é a casa-floresta, local de resistência, luta, cultura e vivências reinventadas pelos indígenas.
O período retratado pela publicação é considerado o de maior ameaça a esses povos desde a pós-redemocratização, com a dupla ameaça de um governo anti-indígena e a crise sanitária provocada pela Covid-19. No Amazonas, a pandemia foi acentuada pela crise do oxigênio, o que colocou os povos indígenas em situação de especial vulnerabilidade.
Lideranças indígenas compuseram a mesa de discussão, com o tema “Nunca mais um Brasil sem nós – A demarcação da política pelos povos indígenas”, com a presença de Cris Baré, Dadá Baniwa e Vanda Witoto.
A conversa conduzida pelas mulheres mostrou a força das mulheres no movimento indígena, que vem se refletindo na vida pública. “Esse livro fala da luta de nossos povos nos últimos cinco anos, que são marcados por uma grande resistência, sobretudo nesse enfrentamento da política anti-indígena do nosso país. Essa luta não é de agora”, ressaltou Vanda Witoto.
Ela alertou para a importância de a Amazônia conhecer a sua própria história indígena para pensar o futuro dos povos originários. “A Amazônia é extremamente preconceituosa com a sua história indígena e vem elegendo pessoas com discurso de ódio contra a sua própria história”, lamentou.
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"Precisamos ressignificar a história indígena da Amazônia, não apenas a partir das violências sofridas", afirmou Witoto na mesa|Paulo Desana/ISA
“A gente prospecta o futuro indígena, mas sem olhar para o passado. Para falarmos que o futuro é indígena, é extremamente importante a gente pensar a história não contada sobre nós mesmos, qual o nosso papel nessa história enquanto indígena, qual a nossa identidade, que foi usurpada da nossa narrativa, do nosso território, do tempo histórico. A gente precisa ressignificar a história indígena da Amazônia, não apenas a partir das violências sofridas, para pensar o futuro ancestral, o futuro indígena”, disse.
Vanda Witoto citou a importância da publicação para a reconstrução dessa história e para que as informações cheguem a pessoas que desconhecem a realidade indígena. “É a primeira vez que uma mulher Witoto faz parte do livro. A minha avó faleceu aos 87 anos sem poder dizer que éramos Witoto. Essa é a história de muitas mulheres na Amazônia que foram silenciadas por toda a violência histórica da colonização, da imposição da Igreja”, pontuou.
“Hoje, a minha geração e minhas sobrinhas pequenas estão nesse evento podendo se afirmar como Witoto, trazendo a memória das nossas avós”, celebrou. Vanda Witoto, que estava acompanhada no evento pela mãe, irmã e sobrinhas, faz parte da publicação e é uma das protagonistas do minidocumentário que acompanha esta edição.
Da esquerda à direita, Juliana Radler, Vanda Witoto e Dadá Baniwa escutam Cris Baré durante lançamento na GaleriAmazônica, em Manaus|Paulo Desana/ISA
Pautas indígenas
Durante a conversa com o público, foram abordados temas diversos, desde o atual cenário de fortalecimento da política indígena, passando pelas lutas das mulheres indígenas, desafios para a juventude, acesso a universidades e território.
Assessora jurídica da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab), Cris Baré trouxe o alerta de resistência dos povos indígenas no Congresso Nacional, que tem se mantido com uma pauta anti-indígena mesmo após a mudança no Poder Executivo.
Ela falou do aumento da atuação de advogados e advogadas indígenas e da ADPF 709. No livro, a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF nº 709) é abordada em texto de Eloy Terena, ex-coordenador jurídico da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) e atual Secretário Executivo do novo Ministério dos Povos Indígenas. No artigo, ele aponta que as resistências dos povos indígenas foram pautadas no entendimento da “luta com a caneta, não mais apenas com o arco e flecha”.
Para Cris Baré, as informações do livro são de grande importância na luta dos povos indígenas também no Judiciário. “O livro traz a realidade dos povos indígenas e muitas dessas informações servem de subsídios em peças processuais nesse espaço jurídico que a gente ocupa em nome das nossas organizações indígenas”, refletiu a advogada.
Liderança indígena, ex-coordenadora do Departamento de Mulheres Indígenas da Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (Dmirn-Foirn), Dadá Baniwa compartilhou sua história de luta – inspirada na mãe –, na ampliação da atuação das mulheres na política e na necessidade de ações que envolvam a juventude no território indígena.
“Essa publicação é muito importante para que os povos indígenas e todo o povo brasileiro conheçam a sua história. Como mulher indígena, posso dizer que essa é uma história de resistência, nosso território, nossa vida de mulher. É muito importante para que nossos filhos e netos possam conhecer essa história”, refletiu.
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Dadá Baniwa ressaltou a ampliação da atuação das mulheres na política e a necessidade de ações que envolvam a juventude indígena|Paulo Desana/ISA
Vem do Rio Negro – região onde vivem povos de 23 etnias – outra potente voz feminina. Nascida em Assunção do Içana, na Bacia do Rio Negro, a antropóloga Francy Baniwa não esteve presente no lançamento, mas está no livro. A seção “Palavras Indígenas”, com pensamentos de oito lideranças indígenas, começa com as palavras de Francy. Ela rememora os ataques e resistência nos anos do Governo Bolsonaro e traz um forte relato sobre a ligação dos indígenas com seus territórios.
“Para meu povo Baniwa, território significa um lugar sagrado, porque o povo Baniwa se originou de um lugar sagrado chamado ripana, que é o umbigo do mundo. É uma cachoeira e, segundo as nossas narrativas, as nossas metodologias, nós nascemos de uma vagina feita de pedra. Então, nossa conexão com o território é sagrada, porque a gente nasceu desse Hipana, dessa cachoeira, chamada atualmente Uapuí, e a gente está ligada a esse lugar”, escreveu.
Já o comunicador Ray Baniwa, integrante da Rede Wayuri de Comunicadores Indígenas, que atua no Alto Rio Negro, elaborou um artigo sobre as redes de comunicadores indígenas.
“O livro fala desse período de 2017 a 2022, quando houve a criação e o fortalecimento de redes de comunicadores. A Rede Wayuri foi criada nesse período e hoje é inspiração para várias redes que ainda continuam sendo criadas. Os comunicadores passaram a se apropriar de meios digitais e usá-los para comunicar como estratégia pelos direitos e territórios. Essa história está no livro”, disse ele, que esteve no lançamento em Manaus.