Nos dias 1 e 2 de julho, em Belém, as associações de moradores das Reservas Extrativistas (Resex) da Terra do Meio, em parceria com o Instituto Socioambiental (ISA) e o Instituto Amazônico de Agriculturas Familiares da Universidade Federal do Pará (Ineaf-UFPA), farão o lançamento dos protocolos de consulta dos ribeirinhos das Resex do Rio Iriri, do Rio Xingu e do Riozinho do Anfrísio. O lançamento dos protocolos faz parte do seminário Consulta prévia, protocolos e garantia de direitos, promovido pela universidade.
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Os irmãos Marlon Sandro Araujo Rodrigues e José Andrade Araujo Rodrigues com sua coleta de castanhas na Reserva Extrativista do Rio Iriri (PA)📷Lilo Clareto/ISA
Os documentos foram elaborados pelos beiradeiros da Terra do Meio, região amazônica situada no interflúvio dos rios Xingu e Iriri, no Pará, e que abrange diversos tipos de áreas protegidas, como terras indígenas e unidades de conservação de diversas categorias, como as próprias Resex.
Pelo cumprimento da Convenção 169
Os protocolos de consulta são elaborados pelos povos e comunidades tradicionais e buscam garantir o direito à consulta livre, prévia e informada em projetos que os impactam de forma direta ou indiretamente, como obras, pesquisas ou outras medidas que possam afetar a população local.
A Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), de 1989, prevê a Consulta Livre, Prévia e Informada (CLPI) e estabelece que os Estados devem consultar os povos indígenas e comunidades tradicionais sobre qualquer medida que possa afetar os seus direitos, territórios, recursos ou cultura.
“A consulta prévia, nos termos da Convenção nº 169, deve sempre contemplar a possibilidade de não execução do empreendimento, quando ele puder produzir impactos graves sobre os povos indígenas e tradicionais”, afirma Rodrigo de Oliveira, doutorando em Direito, Estado e Constituição pela Universidade de Brasília (UnB) e mestre em Direitos Humanos pela UFPA. Oliveira irá ministrar uma oficina sobre a construção de protocolos de consulta, durante o seminário.
O seminário promovido na UFPA busca, assim, trazer um debate fundamental no cenário de violações de direitos territoriais dos povos indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais que o país vive atualmente, agravado com a aprovação pelo Senado Federal do PL do Licenciamento Ambiental (PL 2159/2021), ou PL da Devastação, como vem sendo chamado pela sociedade civil, que segue no sentido contrário à CLPI ao propor a criação da Lei Geral do Licenciamento Ambiental. Essa lei visa uniformizar os procedimentos de licenciamento no país e simplificar as regras para determinados empreendimentos, o que pode impactar na consulta prévia e na participação das comunidades tradicionais no processo de licenciamento.
Serviço:
Evento: Seminário ‘Consulta prévia, protocolos e garantia de direitos’ e lançamento dos protocolos de consulta das comunidades beiradeiras das Resex da Terra do Meio.
Dias 1 e 2 de julho de 2025, das 14h às 18h.
Locais: No dia 01/07, Auditório Setorial Básico I da Universidade Federal do Pará (UFPA). No dia 02/07 no Auditório Dona Dijé do Instituto Amazônico de Agriculturas Familiares (Ineaf/UFPA).
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Da roça à sala de aula: povos do Xingu querem escolas que preservem cultura e alimentação tradicional
Realizado na Terra Indígena Wawi, o II Encontro de Educação Escolar Indígena reuniu cerca de 300 professores, estudantes e lideranças para fortalecer saberes, escolas, territórios e sistemas alimentares
Em maio, na Escola Estadual Indígena Central Kamadu, Aldeia Tuba-Tuba, Território Indígena do Xingu (TIX), as aulas acontecem no roçado. O calendário escolar segue o ritmo da vida comunitária: os alunos acompanham suas famílias nas atividades de plantio, pesca e coleta na floresta.
“A gente respeita o calendário tradicional indígena. Essa é uma aula prática, prevista no nosso currículo”, explica o professor Karin Juruna. Ao final das atividades, os alunos apresentam um relatório. “Tudo isso é aula. Tudo isso é saber, é prática cultural, porque estão aprendendo com a família. Assim entendemos o funcionamento da escola”, completa.
Assista ao vídeo do cineasta Kamikia Khisêtjê:
Na Aldeia Nyarazul, a professora Vilma José Sabino Kamayurá e seu marido, Wary Sabino Kamayurá, desenvolvem um projeto na sala anexa da Escola Estadual Indígena Central Leonardo Villas Bôas. Dentro da disciplina “Saberes e Ciências Indígenas”, a sala de aula se estende até as roças, onde os alunos aprendem na prática a preparar o solo e entender os ciclos do plantio a partir dos conhecimentos tradicionais do povo Aweti.
“O tempo certo de plantar, de colher. Essa ciência indígena a gente não acha no Google”, reflete Vilma. O resultado é fartura: os alimentos vão para os alunos e ainda são doados às aldeias próximas.
Esses e outros exemplos de como a cultura e os sistemas agrícolas indígenas podem estar nas escolas foram apresentados durante o II Encontro da Educação Escolar Indígena do TIX - Saberes para o Bem Viver, que aconteceu entre 9 e 12 maio no Terra Indígena Wawi, TIX, no município de Querência (MT).
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Os anfitriões do II Encontro da Educação Escolar Indígena do TIX foram os Khisêtjê da Aldeia Khikatxi, na Terra Indígena Wawi|Kamikia Khisêtjê/ISA
O evento foi organizado pela Associação Terra Indígena do Xingu (ATIX), com o apoio do Instituto Socioambiental (ISA), da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) – por meio do Projeto Xingu –, do Distrito Sanitário Especial Indígena (DSEI Xingu) e da Funai (Coordenação Regional do Xingu).Participaram das conversas a Secretaria de Estado da Educação do Mato Grosso (Diretoria Regional de Educação - DRE Barra do Garças), o Instituto Federal do Mato Grosso, a Eco Universidade, a Imaginable Futures, entre outros parceiros.
Recebidos pelo povo Khīsêtjê, na aldeia Khikatxi, representantes dos 16 povos do Xingu se reuniram para discutir os caminhos da educação indígena e construíram, de forma coletiva, a Carta do Encontro, que propõe a valorização dos saberes ancestrais e dos princípios do bem viver no contexto escolar.
O coordenador de Educação da Associação Terra Indígena Xingu (ATIX), Kussugi Bruce Kuikuro, explica que o encontro promoveu a escuta de professores, caciques e lideranças para a construção de Projetos Político Pedagógicos Indígenas (PPPIs) específicos para cada um dos povos do TIX. “O tema central é saberes para o bem viver, ou seja, a escola tem que andar junto com os nossos saberes tradicionais. A escola é para fortalecer a nossa cultura”, resume.
Na carta, a Coordenação da Educação da ATIX aponta que a política educacional deve unir escola, cultura, agroecologia, saúde e soberania. Entre outros pontos, o documento reivindica a implementação dos PPPIs e da política do Território Etnoeducacional do Xingu.
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Danças e cantos tradicionais foram apresentados durante o encontro|Kamikia Khisêtjê/ISA
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Manifestações culturais também fazem parte do cotidiano das escolas no TIX|Kamikia Khisêtjê/ISA
Além disso, a carta destaca a importância de incluir o alimento tradicional nas escolas como forma de fortalecer os sistemas agrícolas e os saberes milenares indígenas. Também denuncia os graves desafios enfrentados pela agricultura indígena diante das mudanças climáticas, da perda de sementes nativas e do uso intensivo de agrotóxicos nos monocultivos que cercam os territórios.
“É inaceitável que nossos alunos recebam alimentos industrializados enquanto os roçados tradicionais sofrem para produzir. Queremos políticas públicas específicas para apoiar a agroecologia indígena, fortalecer os sistemas alimentares próprios, adaptar os roçados às novas realidades climáticas e garantir que a alimentação escolar reflita e valorize a diversidade e a força dos nossos povos”, reforça o documento.
Os sistemas agrícolas indígenas são milenares e compostos por um conjunto de saberes sofisticados que possibilitam a produção de alimentos e, ao mesmo tempo, mantêm a floresta em pé. É esse sistema, ao mesmo tempo ancestral e inovador, que os indígenas querem que esteja na sala de aula.
Tradicionalmente, esses conhecimentos são transmitidos oralmente de geração em geração, enquanto as atividades estão em curso — nas trilhas até a roça, durante as coletas na floresta, a caça ou a pesca.
A perda de variedades, longos períodos de seca e ataques de animais são alguns dos impactos criados pelas pressões dos sistemas econômicos predatórios, como o agronegócio que avança nos limites do TIX, e as mudanças climáticas. Com isso, os saberes estão sendo ameaçados. A escola pode, neste contexto, ser espaço de fortalecimento desses conhecimentos e do território, apoiando no repasse de saberes indígenas aos mais jovens.
Na carta há demandas que serão encaminhadas para as Secretarias Municipais de Educação, Secretaria de Estado da Educação do Mato Grosso, Ministério da Educação - MEC e parceiros.
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Representantes dos 16 povos do TIX participam do encontro e aprovaram carta com demandas e denúncias|Kamikia Khisêtjê/ISA
Bruce Kuikuro explica que a educação escolar indígena diferenciada está assegurada na Constituição e também na Lei de Diretrizes e Bases da Educação, mas não é colocada em prática pelo poder público. Exemplos como os citados não se repetem em todas as comunidades.
Sobre a alimentação, ele lembra que, quando era estudante, recebia na escola beiju, peixe, banana e abóbora. “Hoje em dia não está sendo assim. As crianças de hoje estão mais acostumadas a consumir, infelizmente, alimentos da cidade. Temos que decolonizar isso. Buscar solução. Oferecer a alimentação tradicional também é uma forma de educar as crianças”, diz.
Diretor da Escola Estadual Indígena Central de Educação Básica Khisêtjê, Yaconhongráti Suyá explica que, em boa parte do ano, a merenda escolar é formada por alimentos tradicionais como mandioca, polvilho, farinha, peixe, caça, batata, mel, pequi, murici, macaúba e cana, mas há períodos em que é necessária complementação de alimentos adquiridos nas cidades, como arroz, feijão, cebola, maçã, bolachas, entre outros. “Há épocas de colheita, que a escola recebe mais a alimentação tradicional. Em outras épocas, precisamos de complementação”, informa.
Oficina de merendeiros e merendeiras
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Oficina com merendeiros teve beiju colorido com cenoura e beterraba|Kamikia Khisêtjê/ISA
A atividade reuniu os merendeiros que atuam nas escolas do TIX e nutricionistas do DSEI em um espaço de troca entre os saberes indígenas e não indígenas, com foco na alimentação saudável. Foram ensinadas receitas como temperos naturais à base de alho e cebola e até beiju colorido, preparado com cenoura e beterraba.
Nas comunidades, a entrada de ultraprocessados têm sido um problema, conforme indica trabalho desenvolvido pela Unifesp - Projeto Xingu que, entre os anos de 2017 e 2019, realizou uma série de exames médicos que constatou o aumento de problemas como diabetes e pressão alta, doenças ligadas a pressões sobre o território, o que interfere em hábitos alimentares e modos de vida. Na apresentação desse estudo, a educadora Rosana Gasparini trouxe informações sobre alimentação saudável, explicando as classificações de alimentos in natura e minimamente processados, processados e ultraprocessados.
No encerramento do encontro, as cozinheiras e os merendeiros foram aplaudidos de pé. “Os merendeiros e as merendeiras são tão educadores quanto os professores. Principalmente quando se fala em cultura alimentar. Através das mãos deles é que vão resgatar e preservar essa cultura”, afirma a nutricionista Sônia Mendonça, do DSEI Xingu, que conduziu a oficina.
Adequação das políticas públicas às necessidades dos povos indígenas
A antropóloga no ISA, Luisa Tui explica que os povos do TIX vêm apontando os sistemas alimentares como centrais em seus modos de vida. Em visita às aldeias realizadas em 2022 e 2024, a consultora do ISA Angelise Nadal Pimenta e Luisa Tui promoveram um processo de escuta dos indígenas sobre as roças e a alimentação tradicional das escolas.
Um tema recorrente nas respostas foi o impacto das mudanças climáticas e das pressões do agronegócio sobre os territórios, afetando diretamente a produção de alimentos — com perdas significativas de sementes e variedades tradicionais.
“Esses sistemas são uma ferramenta para proteção do território e para fortalecer os modos de vida, valorizar os saberes tradicionais, e também são um caminho para apoiar na construção das escolas mais adequadas e respeitosas aos povos do TIX”, reflete a antropóloga.
Luisa Tui aponta que políticas públicas de aquisição de alimentos, como o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), são um caminho para o fortalecimento dos sistemas agrícolas tradicionais, possibilitando que os produtos das roças sejam entregues nas cantinas escolares, inclusive gerando renda para as comunidades.
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Sistemas alimentares são uma ferramenta para proteção do território e para fortalecer os modos de vida, diz Luisa Tui|Kamikia Khisêtjê/ISA
As conversas para a adequação dessas políticas à realidade dos povos indígenas, como os do TIX, e demais comunidades tradicionais vêm sendo conduzidas pela Comissão de Alimentos Tradicionais dos Povos (Catrapovos) do Mato Grosso, com amplo diálogo com o poder público e parceiros, entre eles o ISA e a ATIX.
Na abertura do encontro, o articulador territorial do ISA, Marcelo Martins, observou que esse é um movimento importante para o fortalecimento das roças, favorecendo a alimentação tradicional. “A gente sabe que alimentação tradicional é saúde e envolve também a cultura e os modos de vida”, disse.
Marcelo Martins também apontou a ampla participação de educadores, indicando o fortalecimento da pauta da educação indígena. “Há uma preocupação com os jovens que saem de suas aldeias para estudar. Primeiro tivemos a implantação do ensino médio, mas vê-se também a necessidade de implantação de universidade e ensino técnico e outras oportunidades dentro do território”, explica.
Angelise Pimenta traçou um histórico da educação e da alimentação escolar no TIX, apontando que o território é pioneiro em promover a entrega de alimentos das roças. Hoje o TIX tem aproximadamente 160 aldeias, sendo que 89 têm escolas que atendem cerca de 2.700 alunos.
Durante o encontro, aconteceram diversas manifestações culturais, como cantos e danças. O professor Makaulaka Mehinako, da Comunidade A´lo Kaupuna, propôs uma quebra de protocolo e chamou à frente todos os cantores presentes. Em seguida, observou que junto a mestres e doutores da educação formal, havia também cantores, lutadores e mães de família.
“Para nós, essas pessoas são como os doutores e pós-doutores. Precisamos fazer esse reconhecimento para que os não indígenas entendam”, disse.
O registro do evento foi feito pelos comunicadores indígenas Kamikia Khisêtjê e Renan Suyá e Crispim Khisêtjê, comunicadores da Rede Xingu+, com divulgação nas redes da Associação Indígena Kisedje (AIK) e da ATIX.
Durante o encontro foi exibido o filme Sukande Kasáká | Terra Doente, dirigido por Kamikia Khisêtjê e Fred Rahal e premiado como o melhor curta-metragem brasileiro no festival É Tudo Verdade 2025. O filme mostra a pressão sobre o TIX do agronegócio, com o agrotóxico contaminando o solo, a água e os alimentos, e trazendo sérias ameaças para a saúde das comunidades.
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Semana do Extrativismo chega à 10ª edição e busca inovação das economias da sociobiodiversidade
Semana do Extrativismo (SEMEX) acontece de 21 a 25 de maio na Terra Indígena Koatinemo, do povo Asurini, e discutirá negócios e políticas públicas para geração de renda e proteção da floresta e dos saberes tradicionais
A Semana do Extrativismo (SEMEX), promovida por associações dos povos indígenas, beiradeiros e agricultores familiares que compõem a Rede Terra do Meio (PA), está realizando sua 10ª edição. Será promovida uma rodada de conversas e trocas para impulsionar políticas públicas, parcerias e negócios que geram renda e, ao mesmo tempo, preservam a floresta e culturas.
Este ano, o encontro acontecerá entre os dias 21 e 25 de maio, na Aldeia Koatinemo, em Altamira (PA), com o povo Asurini abrindo seu território para receber extrativistas; indígenas; agricultores familiares; representantes de órgãos públicos federais, estaduais e municipais; de empresas parceiras e de organizações não governamentais.
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Alimentos das roças, dos rios e da floresta na Terra do Meio|Ana Amélia Hamdan/ISA
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Coleta da castanha na Reserva Extrativista do Rio Iriri, no Pará|Lilo Clareto/ISA
Entre os temas do encontro estão o Pagamento por Serviços Ambientais (PSA); Fundo Terra do Meio; políticas públicas de aquisição de alimentos como o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE); as cadeias de valor de produtos como a seringa e a castanha. Os impactos da emergência climática também estarão na pauta: este ano, devido à sazonalidade e à seca severa na Amazônia em 2024, não houve a safra da castanha.
Para as conversas devem estar presentes os representantes das organizações que integram a Rede Terra do Meio; órgãos públicos como Ministério dos Povos Indígenas (MPI), Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA); Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar (MDA); Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) e ICMBio; empresas como a Mercur e Natura; parceiros como o Instituto Socioambiental (ISA), The Nature Conservancy (TNC) e Origens Brasil.
A realização da SEMEX 10ª Edição marca também a consolidação da Rede Terra do Meio como um modelo para as promoções de articulações, atividades e negócios sustentáveis. São arranjos produtivos dinâmicos que se ajustam ao longo do tempo e, por isso, encontros como a SEMEX são tão importantes.
As economias da sociobiodiversidade são baseadas nos conjuntos de saberes e práticas de povos e comunidades tradicionais que produzem alimento e fartura e, ao mesmo tempo, mantêm a floresta viva. O manejo tradicional de florestas são serviços ambientais que promovem os ecossistemas, biodiversidade, regulação do clima e da água.
Esses serviços vêm sendo prestados há centenas e, em alguns casos, há milhares de anos por povos e comunidades tradicionais e são essenciais para o planeta, especialmente devido às crises do clima, da água e da biodiversidade.
Entretanto, não há o devido reconhecimento por esse trabalho. As políticas, programas e contratos de PSA podem viabilizar esse reconhecimento, fortalecendo os povos e comunidades tradicionais e seus territórios. No final de 2024, durante o Encontro da Rede Terra do Meio, o Governo do Estado do Pará apresentou o projeto piloto do Programa de Pagamento por Serviços Territoriais e Ambientais (PSTA) em Territórios Coletivos, que voltará a ser discutido de forma ampliada com associações, governos federais e municipais e empresas.
Já as políticas públicas de aquisição de alimentos - como o PAA e o PNAE - promovem o fortalecimento dos sistemas agrícolas e sistema de conhecimentos, que são a base das economias da sociobiodiversidade.
Na Terra do Meio está em desenvolvimento o maior programa de PAA do Pará, destacando-se pela diversidade de povos e produtos, com a entrega de 82 alimentos, sendo 22 que até então não tinham nem mesmo sido registrados, entre eles a golosa, o cacauí e o peixe feito na massa de macaxeira.
Só em 2024, o programa movimentou cerca de R$1 milhão, sendo que a Rede Terra do Meio busca formas de adequar a política pública à realidade local e ampliar o acesso ao programa. Busca-se ampliar a execução das compras públicas para mais de R$3 milhões ao ano, tanto via PAA quanto via PNAE.
Durante a SEMEX, os participantes devem aprofundar o conhecimento sobre o Fundo Terra do Meio e buscar novos negócios para comercialização dos produtos. Ao final do encontro, serão traçadas as diretrizes para os próximos 5 anos da Rede Terra do Meio.
Os comunicadores da Rede Terra do Meio - grupo formado por jovens beiradeiros e indígenas - fará a cobertura da SEMEX. Esses comunicadores vêm fortalecendo os caminhos da sociobiodiversidade com suas câmeras e celulares, conectando pessoas e levando informação aos povos da floresta.
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Coleta de látex em seringueira na Aldeira Tukayá, do povo Xipaya, no Pará|Lilo Clareto/ISA
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Cacho de coco babaçu na Reserva Extrativista Morro do Anfrísio, na Bacia do Xingu|Cláudio Tavares/ISA
COP30
A SEMEX 10ª Edição acontece alguns meses antes da COP30, que será em novembro, também no Pará, na capital Belém, indicando um caminho ao mesmo tempo ancestral e inovador que se coloca como alternativa a projetos desenvolvimentistas que atropelam os modos de vida e degradam o ambiente, resultando em prejuízos não só para economia dos povos da floresta, mas para a economia como um todo.
Na Primeira Carta do Presidente da COP30, embaixador André Corrêa do Lago, lançada em março de 2025, consta que o Conselho de Estabilidade Financeira – a organização internacional que monitora e recomenda políticas para o sistema financeiro global – informou que os choques climáticos podem ameaçar a estabilidade financeira do mundo.
A Conferência do Clima tem entre seus objetivos buscar ações para que as mudanças no clima ocorram lentamente de forma a permitir a adaptação dos ecossistemas, assegurando a produção de alimentos e desenvolvimento econômico sustentável.
E isso é o que as famílias da Terra do Meio vêm fazendo há centenas e, em alguns casos, milhares de anos.
Quebrar coco de babaçu, furar copaíba, cortar seringa, coletar e quebrar castanha, fazer roças: essas atividades tradicionais vêm conseguindo - ao longo dos tempos - a inovação de gerar renda, manter as famílias e povos em seus territórios e, ao mesmo tempo, proteger a floresta.
SEMEX 10ª EDIÇÃO
Saberes dos povos da floresta guiando trilhas para inovação das economias da sociobiodiversidade
Local: TI Koatinemo/Altamira (PA)
Data: 21 a 25 de maio
21 a 23 de maio - Acordos internos
24 e 25 de maio - Encontro com parceiros
O que é a SEMEX?
A Semana do Extrativismo - SEMEX tem o objetivo de reunir quem vive e defende a floresta com o setor público e privado e outros parceiros para discutir ações, reconhecimentos, negócios e políticas públicas para a promoção das economias da sociobiodiversidade, baseada no conhecimento de indígenas, extrativistas, beiradeiros e agricultores familiares.
O que é a Rede Terra do Meio?
É uma associação que atua na região da Terra do Meio, no Pará, e articula a gestão, promoção e valorização do manejo tradicional da floresta. É formada por ribeirinhos, indígenas e agricultores familiares. É um exemplo de sociobioeconomia que alia cultura, conservação e geração de renda. Promove uma economia que mantém a floresta viva, reduzindo os impactos das mudanças climáticas. Faz parte da rede Origens Brasil, que promove relações comerciais éticas e transparentes.
Povo Asurini
Pela primeira vez, o povo Asurini receberá a SEMEX. O encontro acontecerá na Terra Indígena Koatinemo, na Aldeia Ita´aka, que fica há cerca de duas horas de Altamira (PA). O povo Asurini sentiu fortemente os impactos dos projetos desenvolvimentistas na região da Terra do Meio e, em 1982, chegou a contar com apenas 52 indivíduos. A partir de 1994 houve uma recuperação demográfica com o aumento da população infantil e a mudanças no padrão de composição familiar, juntamente com os casamentos interétnicos. Os Asurini são reconhecidos pela beleza de seu artesanato e de seus grafismos.
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Curta-metragem indígena vence Festival É Tudo Verdade com denúncia sobre agrotóxicos no Xingu
Narrado pelos próprios indígenas, filme mostra impactos da monocultura no território Wawi, do povo Kisêdjê, no estado do Mato Grosso
Curta-metragem narrado por indígenas Khisêtjê recebeu duas premiações no festival É Tudo Verdade|Christian Braga/ISA
O filme Sukande Kasáká | Terra Doente, ganhou os prêmios de Melhor Documentário da Competição Brasileira Curtas-Metragens e também o Prêmio Mistika de Melhor Documentário da Competição Brasileira de Curtas-Metragens durante o Festival É Tudo Verdade, que ocorreu de 3 a 13 de abril em São Paulo e no Rio de Janeiro.
Como próximos passos, ele entrará na lista de trabalhos que serão avaliados para indicação ao Oscar, tradicional premiação que recentemente reconheceu o longa-metragem Ainda estou aqui como Melhor Filme Internacional, e espera-se que ele tenha espaço para exibição durante a COP30, em Belém.
A narrativa acompanha Kamikia e Lewayki Khisêtjê, o primeiro também diretor da obra, que testemunham a degradação de sua terra ancestral e as consequências silenciosas da pulverização de veneno que afetam a floresta e os rios, sustento de seu povo. Enquanto os sinais de contaminação tornam-se cada vez mais evidentes — desde mudanças no ecossistema até doenças misteriosas que afetam crianças e idosos —, a comunidade é forçada a tomar a decisão de abandonar sua maior aldeia, Ngojhwere, e buscar um novo lugar onde possam viver com segurança.
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A pulverização de 28 tipos de veneno transforma a paisagem, contamina rios e afeta a saúde da comunidade|Kamikia Khisêtjê
O veneno dos agrotóxicos dissolve fronteiras entre fazendas e a Terra Indígena, expondo uma interconexão brutal entre os Kisêdjê e um modelo de produção que avança sem olhar para trás, tornando a terra lentamente inabitável sem a necessidade de armas ou cercas - apenas pelo envenenamento progressivo de tudo o que dá vida. A pesquisa científica solicitada pelos próprios Khisêtjê comprova aquilo que já sentiam em seus corpos: 28 tipos de agrotóxicos foram detectados em suas águas, na caça, na pesca e até na chuva, elementos fundamentais para sua subsistência.
Ao longo da narrativa, a voz dos mais velhos se mistura à preocupação dos jovens, que questionam o futuro da água, dos alimentos e dos animais. Kamikia Khisêtjê, cineasta e documentarista indígena, utiliza as imagens para registrar a destruição ao redor e a luta do seu povo, expondo o avanço das plantações de soja sobre a floresta e a chegada constante dos aviões pulverizadores que despejam veneno nas bordas da floresta. A câmera também se torna uma ferramenta de resistência.
Composto por imagens captadas ao longo de 12 anos, o filme constrói um retrato íntimo da luta Khisêtjê, revelando as transformações do território e os impactos acumulados da contaminação ao longo do tempo. Sukande Kasáká | Terra Doente não é apenas um relato sobre contaminação ambiental, mas sobre a tentativa de apagamento de uma cultura e a resiliência de um povo que, apesar de tudo, se reorganiza e resiste.
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Povo Arara lança Plano de Proteção Territorial no ATL 2025
Documento elabora estratégia para barrar a destruição em Terras Indígenas pressionadas por madeireiros e grileiros
O documento propõe o alinhamento das ações de proteção territorial entre os órgãos fiscalizadores e as realizadas pelo próprio povo indígena para reprimir e controlar, de fato, as atividades criminosas que ocorrem na região.
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Lideranças indígenas Arara, da Terra Indígena Arara, lançaram seu Plano de Proteção Territorial no ATL 2025|Renan Khisetje/Aik Produções/ISA
O Plano de Proteção Territorial foi elaborado em resposta às sucessivas invasões sofridas pela Terra Indígena nos últimos anos, sobretudo para a extração ilegal de madeira, além da pecuária e pesca ilegais. “Os madeireiros têm invadido o território Arara em busca de madeira de alto valor comercial, como o ipê, abrindo ramais por dentro da floresta nas zonas mais isoladas”, afirma o plano.
No ano passado, foi realizada a primeira assembleia na Aldeia Tagagem para a proteção territorial da TI Arara com representantes da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), Instituto Socioambiental (ISA), Unyleya Socioambiental e o Plano de Proteção Territorial e Ambiental das Terras Indígenas do Médio Xingu (PPTMX) – condicionante estabelecida na licença prévia da Usina Hidrelétrica de Belo Monte - com o objetivo de elaborar um mapa detalhado com as ameaças que ocorrem na TI.
O resultado foi o detalhamento das estratégias de proteção territorial para enfrentar os desafios e as ameaças no território e as atividades que cada parceiro governamental e não governamental deverá executar. As atribuições estão especificadas no documento e as ações estão classificadas como Informação, Prevenção e Controle com as responsabilidades de cada parceiro apontadas.
Por exemplo, cabem aos órgãos públicos como a Funai e o Ibama, o papel de mediação de conflito e sensibilização, além da fiscalização na área de proteção da Terra Indígena.
“O território é muito impactado pela BR-230 (rodovia Transamazônica) e construímos este documento para fazermos a vigilância e proteção da nossa casa, mas precisamos de apoios para as expedições, pois não temos recursos para isto”, afirmou o Cacique Motijibi Arara, durante a Roda de Conversa "Mapeando a Resistência: Estratégias Indígenas de Monitoramento Territorial" no ATL.
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Cacique Motijibi Arara apresenta o plano na mesa "Mapeando a Resistência: Estratégias Indígenas de Monitoramento Territorial"|Renan Khisetje/Aik Produções/ISA
Desintrusão da TI Cachoeira Seca é prioridade
Um grupo de indígenas Arara das Terras Indígenas Arara e Cachoeira Seca esteve na manhã desta segunda-feira (07/04) com representantes da Funai e do Ministério dos Povos Indígenas (MPI).
O povo Arara vive em duas TIs diferentes: os indígenas que vivem na TI Arara foram contatados entre 1981 e 1993, e os que vivem na Cachoeira Seca, situada entre os Rios Iriri e Xingu, foram contatados somente em 1987, por isto são conhecidos como povos de recente contato.
Na reunião, as lideranças distribuíram o Plano de Proteção Territorial da TI Arara e cobraram providências em relação à desintrusão da TI Cachoeira Seca, que vem sofrendo com o desmatamento acelerado nos últimos anos por causa de invasores não indígenas.
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Cacique Akito Arara, da Terra Indígena Arara|Renan Khisetje/Aik Produções/ISA
A diretora de Proteção Territorial (DPT) da Funai, Janete Carvalho, se reuniu com os indígenas e explicou que o processo deverá ocorrer ainda este ano.
“A TI foi homologada em 2016 e precisamos terminar o processo de regularização fundiária, que é a indenização dos ocupantes não indígenas de boa-fé por causa das benfeitorias realizadas”, explicou.
“Neste momento, estamos desenvolvendo o plano de ação conjunto para iniciarmos o procedimento fundiário ainda esse ano”, afirmou a diretora.
Uma liderança das mulheres da TI Cachoeira Seca que não quis se identificar afirmou que o processo de desintrusão precisa acontecer logo, pois os indígenas se sentem inseguros na própria casa.
“Nós precisamos agilizar este processo, pois precisamos do nosso território livre dos invasores. Não nos sentimos seguras com os nossos filhos no nosso território. Estamos cansadas de esperar”, desabafou.
No MPI, o grupo foi recebido por representantes da Secretaria de Direitos Ambientais e Territoriais Indígenas e do Departamento de Mediação e Conciliação de Conflitos Indígenas.
A pauta da reunião foi a mesma: solicitação de apoio para o monitoramento do Plano de Proteção Territorial da TI Arara e aceleração da desintrusão da TI Cachoeira Seca.
O Cacique Akito Arara, que falou na língua arara – da família linguística Karib – reforçou a urgência da desintrusão por causa do aumento no desmatamento.
Os Arara saíram da reunião com o comprometimento do MPI de cobrar da Norte Energia — concessionária da UHE Belo Monte — a entrega dos postos de fiscalização na TI; a solução no reassentamento dos povos tradicionais que ocupam a TI e ações que impeçam a continuidade de divulgação de fake news sobre a regularização fundiária na região.
Sobre a TI Cachoeira Seca
Segundo dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), a TI Cachoeira Seca foi uma das mais desmatadas no Brasil nos últimos seis anos.
O Ministério Público Federal já recebeu dezenas de denúncias sobre invasões, roubo de madeira, pecuária e grilagem. Apesar da homologação e demarcação da Cachoeira Seca em 2016, que beneficiou o povo Arara com a posse permanente e usufruto exclusivo da região, o governo ainda não promoveu a retirada dos não indígenas do local.
Em outubro do ano passado, a Rede Xingu + fez uma denúncia aos seguintes órgãos: Ministério Público Federal, IBAMA, Polícia Federal, Funai, ICMBio e Ministério da Justiça sobre o avanço do desmatamento e exploração de madeira ilegal na Terra Indígena Cachoeira Seca, nos municípios de Altamira, Placas e Uruará, todos no estado do Pará.
A Rede Xingu + monitora o desmatamento e demais impactos ambientais em toda a Bacia do Xingu através do SIRAD X, que é o Sistema Remoto de Alerta de Desmatamento na Bacia do Xingu, e também através dos parceiros que realizam a vigilância territorial. Segundo o monitoramento do SIRAD X, os meses de agosto e setembro de 2024 indicaram um crescimento alarmante do desmatamento da TI Cachoeira Seca, que passou de 795 hectares registrados em 2023 para 1.149 ha em 2024, resultando num aumento de 28%.
Além do desmatamento, foram identificadas áreas de extração madeireira ilegal na TI. Os focos de exploração estão localizados ao longo de uma estrada ilegal na região noroeste, que se conecta com a BR-230, a rodovia Transamazônica, e essa conexão facilita o acesso às cidades de Rurópolis e Placas.
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Mapa da Terra Indígena Arara|Rede Xingu+
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Desmatamento detectado no ano de 2024 na Terra Indígena Cachoeira Seca|Rede Xingu+
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Localização das 10 maiores áreas desmatadas em setembro na TI Cachoeira Seca|Rede Xingu+
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Exploração ilegal de madeira dispara e ameaça florestas e comunidades na Bacia do Xingu
Novo relatório da Rede Xingu+ registrou mais de 620 km de estradas abertas em Áreas Protegidas só em 2024
A exploração ilegal de madeira se consolidou como uma das principais ameaças à integridade socioambiental da Bacia do Xingu, especialmente nas Terras Indígenas e Unidades de Conservação que compõem o Corredor de Áreas Protegidas, revela relatório Desafios de Proteção na Bacia do Xingu – panorama 2025, da Rede Xingu+. Elaborado pelo Observatório De Olho no Xingu, o estudo analisa os dois primeiros anos do atual governo federal.
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Caminhão carregado de madeira na Aldeia Nasepotiti, na Terra Indígena Panará, Pará, em registro de abril de 2024 |Loiro Cunha
Somente em 2024, mais de 620 km de estradas clandestinas foram abertos para escoar toras de alto valor comercial como ipê, jatobá e cedro, facilitando também a entrada de outros crimes ambientais como o garimpo e a grilagem. O impacto é devastador: florestas empobrecidas, igarapés represados, peixes mortos e comunidades ameaçadas.
Os dados levantados têm como base o Sistema Remoto de Alerta de Desmatamento (Sirad X), da Rede Xingu+, o Sistema de Monitoramento da Exploração Madeireira (Simex), do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) e o projeto MapBiomas.
O documento detalha os efeitos do roubo de madeira nos territórios mais afetados — como o Território Indígena do Xingu (TIX), a Terra Indígena Baú e a Resex Riozinho do Anfrísio — e avalia as ações de combate e fiscalização nos dois primeiros anos do atual governo federal.
Segundo o relatório, as atividades criminosas têm causado impactos na prestação de serviços públicos essenciais de saúde e educação, prejudicando o combate ao fogo e contribuindo para a entrada de armamentos pesados nos territórios indígenas.
A Bacia do Rio Xingu possui cerca de 51 milhões de hectares, entre os estados do Pará e Mato Grosso, numa área composta por florestas densas, várzeas amazônicas e de Cerrado. Nela, está localizado o Corredor de Áreas Protegidas do Xingu, com 26,7 milhões de hectares, e que abriga 26 povos indígenas e centenas de comunidades ribeirinhas que desempenham um papel crucial na conservação da Amazônia e na regulação do clima global.
De acordo com a Rede Xingu+, articulação de 53 organizações, sendo 43 indígenas, 5 ribeirinhas e 5 da sociedade civil, o território vem sofrendo nos últimos anos com o desmatamento provocado por roubo de madeira, incêndios florestais, grilagem de terras e garimpo.
O documento também traz os avanços no combate a esses crimes nos últimos dois anos, graças à retomada de políticas como o Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal (PPCDAm) e operações de fiscalização, que resultaram na queda de 30,6% no desmatamento na Amazônia Legal e, sobretudo, na Bacia do Xingu, com uma redução de 46% em relação ao período anterior — o menor índice registrado na última década.
Também houve avanços na queda do desmatamento ocasionado pela grilagem de terras, entre 2022 e 2024, por causa do processo de desintrusão das Terras Indígenas Apyterewa e Trincheira Bacajá, em 2023. Outro dado positivo foi a queda de 40% no desmatamento causado pelo garimpo nas Áreas Protegidas.
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Onde acontece o roubo de madeira?
O TIX, formado por quatro Terras Indígenas e lar de 16 povos, é o epicentro do problema de roubo de madeira na Bacia do Xingu. As denúncias, formalizadas desde 2019 por associações indígenas e organizações socioambientais, alertam para a gravidade da situação. Entre 2023 e 2024, foram abertos 404 km de ramais ilegais — 68% do total dos últimos cinco anos.
Já a Resex Riozinho do Anfrísio, criada em 2004, enfrenta grave pressão do roubo de madeira, especialmente por grupos do Assentamento Areia, em Trairão (PA). Desde 2017, mais de 1.500 km de ramais ilegais foram abertos na área, afetando comunidades como Boi Morreu e Paulo Afonso. A atividade causa conflitos sociais, com intimidação e coação por parte dos criminosos.
A TI Baú do povo Kayapó, localizada no sudoeste do município de Altamira, é outro alvo prioritário dos criminosos em busca de madeira, que invadem o território, abrem estradas, derrubam árvores e promovem um cenário de destruição e conflito.
A estratégia dos madeireiros se repete com a abertura de ramais ilegais para o roubo e escoamento das madeiras. De acordo com o monitoramento da Rede Xingu +, em sete anos foram abertas 544 km de estradas ilegais para facilitar a exploração da madeira na TI Baú. Esse escoamento geralmente é feito pelo distrito de Castelo dos Sonhos, através de uma ponte sobre o rio Curuá, construída irregularmente.
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Problema antigo: Transporte de desmatamento ilegal na estrada que liga Uruará ao porto Maribel, no rio Iriri (PA), muito utilizada para escoamento de madeira retirada ilegalmente, especialmente da Terra Indígena Cachoeira Seca do Iriri, em registro de 2017|Lilo Clareto/ISA
O que pode ser feito?
De acordo com o documento, as ações coordenadas entre órgãos governamentais, a sociedade civil e as comunidades locais podem desarticular as redes que legalizam a madeira extraída ilegalmente. As fiscalizações precisam ser mais frequentes e urgentes, pois mesmo após operações do IBAMA, a extração de madeira persiste. Além disso, a instalação de bases de fiscalização no território e a continuidade dos inquéritos policiais são cruciais para identificar e responsabilizar os grupos criminosos que atuam na região.
Simultaneamente, o fomento às atividades extrativistas como a coleta de castanha, borracha e óleo de copaíba é uma medida importante para combater o aliciamento das populações locais e garantir a subsistência das comunidades tradicionais.
Garimpo ilegal
A exploração garimpeira ilegal também tem se intensificado nos últimos anos na Amazônia brasileira. De acordo com dados do MapBiomas, até 2023, a área de exploração garimpeira atingiu 283,8 mil hectares, com cerca de 90% dessa atividade no bioma amazônico. No ano passado, 1.643 hectares de floresta foram derrubadas para dar espaço à atividade garimpeira.
De acordo com o sistema de monitoramento Sirad X, entre 2018 e 2023, houve uma perda de mais de 9,9 mil hectares de floresta dentro das Áreas Protegidas da Bacia do Xingu devido ao garimpo ilegal. Desse montante, 85% somente na Terra Indígena Kayapó, o equivalente a 8,4 mil hectares, e que vem ocupando o primeiro lugar no ranking de área invadida por garimpo na região.
Incêndios florestais
Em tempos de mudanças climáticas, o fogo é outro grande desafio no Corredor do Xingu e que vem causando a destruição de florestas, a perda de biodiversidade, a emissão de gases de efeito estufa e a deterioração da qualidade do ar, segundo o monitoramento realizado entre 2010 e 2024.
Somente no ano passado, foram queimados 2.8 milhões de hectares, representando uma média mensal de 215.302 ha, conforme o registro do Mapbiomas Fire Monitor. Essa extensão corresponde a quase a mesma área queimada em 14 anos de monitoramento, de 2010 a 2023, que foi de 2,7 milhões de hectares.
O novo cenário surge como um desafio para as práticas ancestrais de muitas comunidades indígenas do Xingu, já que o fogo sempre foi considerado como um elemento cultural e utilizado para a limpeza de roças, caça e rituais. Com o clima mais seco, o fogo que antes era controlado pode escapar com facilidade e invadir grandes áreas de florestas. Uma das soluções apresentadas e que busca conciliar o conhecimento tradicional com as práticas ancestrais é o desenvolvimento de estratégias de manejo do fogo, por exemplo.
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As principais informações sobre o ISA, seus parceiros e a luta por direitos socioambientais ACESSE TODAS
Povo Panará lança PGTA para garantir o futuro de seu território e de seus modos de vida
Após deslocamento forçado pela ditadura e décadas de resistência, plano fortalece a gestão e autonomia
Festa dos 25 anos do retorno dos Panará a uma parte de suas terras tradicionais no Rio Iriri, aldeia Nasepotiti|Kamikiá Kisêdjê/ISA
Até seu contato forçado, em 1975, o povo Panará ocupava uma vasta região que ia do leste da Serra do Cachimbo, no Pará, até onde hoje está o município de Colíder (MT), em várias aldeias até então em uma região remota.
A construção da BR-163, rodovia que liga Cuiabá a Santarém, atravessou de sul a norte seu território, levando ao genocídio de quase toda sua população. Os 79 Panará que restaram vivos foram então exilados no então Parque Indígena do Xingu, uma região ecologicamente muito diferente da que até então habitavam, de terra firme, em nascentes de rios, com matas mais densas, diferente de sua nova moradia forçada, de florestas mais baixas e mais abertas e extensas áreas de várzea próximas a grandes rios.
Na década de 1990, os Panará começaram uma grande luta para recuperar e voltar para seu território de origem, com o apoio do Instituto Socioambiental (ISA) e outros parceiros, fizeram expedições para o território original, constatando que o lugar de suas principais aldeias havia sido destruído pelo avanço das cidades, garimpo e desmatamento,
Porém, conseguiram identificar um pedaço de terra ao norte de seu território original ainda com a floresta em bom estado de preservação, e passaram a lutar com muita determinação para garantir que esse quinhão lhes fosse devolvido. Assim, em 1994, começaram a mudança para a aldeia Nãsêpotiti, dentro de um território demarcado e homologado como a Terra Indígena Panará, com 499 hectares, no norte de Mato Grosso e sul do Pará.
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Krekio Panará durante a Oficina de elaboração do Plano de Gestão Territorial da Terra Indígena Panará|Loiro Cunha
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Indígenas Panará durante a Oficina de elaboração do Plano de Gestão Territorial da Terra Indígena Panará|Loiro Cunha
Atualmente, 750 pessoas vivem em sete aldeias ao longo do Rio Iriri, em uma área que representa apenas um décimo de seu território originalmente ocupado. O espaço reduzido impõe aos Panará desafios significativos para sua sobrevivência.
Nesse contexto, os Panará iniciaram um ciclo de reflexões que levaram à construção de seu Plano de Gestão Territorial e Ambiental (PGTA), com a participação ampla da comunidade. Os PGTAs são instrumentos contidos na Política Nacional de Gestão Territorial e Ambiental de Terras Indígenas - PNGATI, instituída pelo Decreto nº 7.747/2012. Trata-se de uma política pública que visa fortalecer a gestão sustentável das Terras Indígenas, proteger a biodiversidade e os modos de vida tradicionais e promover a autonomia dos povos indígenas na gestão de seus territórios.
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Capa do Plano de Gestão Territorial e Ambiental da TI Panará
Com uma população majoritariamente jovem — 600 dos 750 habitantes têm menos de 25 anos —, o PGTA se torna uma referência essencial para o bem viver do povo Panará. Há também a expectativa de que os órgãos públicos reconheçam sua importância e ofereçam o apoio necessário para sua implementação em todas as demandas. O objetivo é fortalecer o modo de vida Panará, assegurando que as futuras gerações possam viver com dignidade, com suas manifestações culturais preservadas, seu território protegido e acesso pleno à saúde.
Detalhe de mãos de coletoras separando sementes de carvoeiro, uma das mais caras devido a dificuldade de limpá-la|Ayrton Vignola
As mulheres são maioria na coleta de sementes e por meio de um trabalho detalhado, cuidadoso e persistente, elas restauram e preservam a natureza.
No Redário, articulação entre redes e grupos de coletores de sementes nativas que impulsiona o mercado e viabiliza a distribuição das melhores sementes para a recomposição de cada ecossistema, grupos de coletores de sementes presentes em cinco biomas, reúnem mais de 1200 coletores, sendo 64% mulheres.
Por meio desta atividade, elas sustentam suas famílias, superam problemas e se fortalecem em redes para enfrentar a violência de gênero. Com força e determinação, promovem intercâmbios de experiências, se firmam como lideranças locais e guardiãs de sementes. A união resulta na base da cadeia de restauração em larga escala, pautada pelo comércio justo, ampla base genética e rastreabilidade.
São indígenas, agricultoras familiares, quilombolas, ribeirinhas, geraizeiras, catingueiras, cujas vidas foram impactadas positivamente pela restauração ecológica.
Vera Alves da Silva Oliveira, de 55 anos, é um desses exemplos. Coletora da Rede de Sementes do Xingu há 12 anos, ela conta que foi a partir do trabalho realizado com espécies como caju, cajá, jatobá, mirindiba, que ela conseguiu comprar sua casa e sua moto, além de apontar as mudanças em sua qualidade de vida. Atualmente, ela compõe essa rede e coleta em Nova Xavantina, no Mato Grosso.
Esta é uma série especial de vídeos produzida pelo ISA e pelo Redário, destacando histórias de luta e transformação das coletoras de sementes.
Conheça a história de Adenildes Santana, a Muja, indígena do povo Pataxó que há 11 anos coleta os frutos da floresta que a Aldeia Boca da Mata, na Terra Indígena Barra Velha, protege:
Diversina Silveira compartilhou um pouco de sua caminhada com a coleta de sementes nativas. Ela coleta espécies como xixa, urucum, copaíba e jatobá desde 2011 no Assentamento Gleba Jacamim (MT).
Neli Soares fala sobre sua trajetória coletando sementes de jatobá do cerrado, veludo e lobeira, entre outras. Com seu trabalho, ela fortalece um ciclo de restauração e de cuidado com as florestas, regenerando a água, a vida e o território.
Zélia Morato é mãe e lavradora, planta sua roça e coleta mais de 40 espécies nativas e frutíferas da Mata Atlântica sementes pelo caminho desde 2018. Saiba mais abaixo:
Ouça também Milene Alves, mãe e coletora de sementes. Inspirada em sua mãe, Dona Vera, que também compartilhou sua história, ela hoje é técnica do Redário.
Castanhas-do-pará coletadas na Terra do Meio|Rogério Assis/ISA
A seca extrema em regiões da Amazônia registrada no ano passado causou danos ao Rio Xingu, no Pará, interferindo em toda a bacia. E esses impactos - que vão desde a insegurança alimentar até a alteração nos meios tradicionais de vida, como pesca e roças - permanecem após o pico da seca. Alimento tradicional que sustenta famílias e os negócios dos ribeirinhos na região da Terra do Meio (PA), a castanha este ano não apareceu. Não haverá safra para venda e, talvez, nem para consumo das famílias.
É a menor safra que já se viu, conforme o relato dos próprios produtores. A tradicional coleta de castanha não acontecerá em 2025. O chão da floresta, que fica coberto com os ouriços entre dezembro e maio, não sentirá o impacto da queda do fruto da castanheira no chão. Além da sazonalidade natural, a emergência climática está impactando na colheita tradicional dos povos ribeirinhos e indígenas.
“A baixa da safra da castanha faz parte da sazonalidade da espécie. A questão é que esse ano deve ser a menor desde que estamos acompanhando. E é esse também o relato dos extrativistas”, explica Jeferson Straatmann, analista sênior em economia da sociobiodiversidade do Instituto Socioambiental (ISA). Ainda segundo Straatmann, o relato dos ribeirinhos, indígenas e extrativistas indicam que a produção da castanha vem caindo ano a ano.
Na região da Resex Riozinho do Anfrísio, na Terra do Meio, os ribeirinhos também relatam perdas nas roças e na produção de cacau. Além disso, áreas que antes não pegavam fogo, no ano passado registraram incêndios.
O relato dos ribeirinhos que vivem nas Reservas Extrativistas (Resex) na região conhecida como Terra do Meio, em Altamira (PA), está coincidindo com as informações oficiais, como a do Centro de Monitoramento de Desastres Naturais (Cemaden). Além da seca ser mais severa, ela vem se alongando, ou seja, começando antes e terminando depois do esperado. Normalmente a seca dura seis meses, indo de junho até novembro. Em 2024, a época da chuva chegou, mas as águas não acompanharam o calendário. Os impactos durante a seca são inúmeros. O rio é a estrada dos ribeirinhos: é por onde eles transportam desde alimentos até informações.
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Mouko Arara segura sementes da castanha-do-pará|Daniel Costa Viana/Excelência Divulgações/ISA
Em 2024, a Agência Nacional de Águas e Saneamento Básica (ANA) declarou situação crítica de escassez hídrica nos principais rios de Altamira: rio Xingu e seu afluente, o rio Iriri. Às margens deles, há três Resex - Rio Iriri, Riozinho do Anfrísio e Rio Xingu. As famílias que vivem na região foram impactadas.
No ano passado, houve a necessidade de distribuição de cesta básica. Este ano, a opção foi abastecer a Rede de Cantinas com alimentos para serem trocados.
Rede Terra do Meio
Em 2024, a Rede Terra do Meio - que reúne ribeirinhos, beiradeiros, extrativistas, indígenas e agricultores familiares - movimentou cerca de R$ 2 milhões, sendo que cerca de R$ 500 mil foram para o comércio da castanha. O que não é consumido pelas famílias, é encaminhado para venda ou troca na rede de cantinas num processo que promove o comércio justo.
A Rede é um exemplo concreto de como a sociobioeconomia pode aliar cultura, conservação e geração de renda. Com produtos como castanha, babaçu, óleo de andiroba e artesanatos, a Rede promove uma economia que mantém a floresta viva, garantindo sustentabilidade para as comunidades e reduzindo os impactos das mudanças climáticas.
Os impactos da emergência climática sobre as safras serão debatidos durante a Semana do Extrativismo - Semex, que acontece em maio, na Terra Indígena Koatinemo, em Altamira, no Pará.
Este ano, como não haverá a receita vinda da castanha, está sendo estruturado um plano emergencial. Uma alternativa é a aquisição de produtos não perecíveis que podem ser armazenados e comercializados em Altamira. Outra possibilidade é a compra de estoque de farinha e óleo de babaçu para armazenamento e posterior venda.
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Monitoramento ambiental territorial independente (MATI) da Volta Grande do Xingu lança perfil no Instagram
Coletivo de pesquisadores indígenas, ribeirinhos e acadêmicos analisa desde 2013 os impactos da usina de Belo Monte
O Monitoramento Ambiental Territorial Independente (MATI), grupo de pesquisadores indígenas, ribeirinhos e acadêmicos que atua na Volta Grande do Xingu (VGX), no Pará, começa a partir deste sábado (08/02) a divulgar no Instagram o trabalho realizado desde 2013 e que consiste na coleta de dados para a comprovação das mudanças no fluxo do Rio Xingu e seus efeitos sobre a vida aquática e nas florestas.
O perfil do MATI no Instagram vai compartilhar informações sobre a origem do coletivo de pesquisadores e sua luta para que o monitoramento ambiental seja reconhecido pelos órgãos responsáveis pelo licenciamento das obras na região. Também, vai falar sobre temas essenciais, como as piracemas, os hidrogramas adotados pela UHE Belo Monte e a proposta dos pesquisadores, além de esclarecer aspectos fundamentais sobre o licenciamento e o funcionamento da usina.
O coletivo conta com o apoio do Instituto Socioambiental (ISA), a Iniciativa Amazônia + 10, a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas (FAPEAM), a Fundação Amazônia de Amparo a Estudos e Pesquisas (Fapespa), a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), a Universidade de São Paulo, a Universidade Federal do Pará e o Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA).
Pioneirismo dos Yudjá/Juruna
O monitoramento começou em 2013, pela Associação Yudja Muratu da Volta Grande do Xingu (AYMIX), uma organização que representa o povo Yudjá/Juruna da Volta Grande do Xingu e atua para defender os direitos dos povos indígenas e das comunidades ribeirinhas da região.
Antes da construção da usina, as comunidades viviam em relações multiespécies de intensas trocas com o Rio Xingu e seus peixes, plantas, praias, insetos, tracajás e animais domésticos. Mas, em apenas sete minutos, tempo que durou o leilão da UHE Belo Monte, as vidas dos povos da região mudaram drasticamente, graças aos impactos da obra e seu sistema de operação. Belo Monte matou o pulso do rio ao cortar a vazão da Volta Grande e sequestrar a maior parte das águas. As drásticas mudanças vêm provocando a morte dos ecossistemas locais e danos graves aos moradores.
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Criança juruna na aldeia Mïratu, na Terra Indígena Paquiçamba (PA). Indígenas vivem próximo à barragem e sofrem graves consequências|Marcelo Soubhia/ISA
Sobre o MATI
O MATI, como é hoje, é fruto da ampliação, em 2020, do trabalho da AYMIX. Seu propósito é registrar as alterações provocadas pela relação entre a vazão do Rio Xingu e os impactos ambientais causados por Belo Monte, utilizando diferentes métodos de produção de dados e unindo os conhecimentos tradicionais e científicos, que resultam em uma pesquisa colaborativa e intercultural.
O projeto foi ampliado para outras três aldeias da Terra Indígena Paquiçamba e seis comunidades ribeirinhas e as informações coletadas são utilizadas para dar visibilidade aos problemas, apoiar denúncias junto aos órgãos de fiscalização, como Ibama, Funai e Ministério Público, além de subsidiar a construção de planos de viabilidade econômica e sustentabilidade ambiental.
Os pesquisadores vêm registrando os impactos terríveis provocados pelo desvio de 70% a 80% das águas do Rio Xingu para as turbinas da UHE Belo Monte. O coletivo vem lutando por uma partilha de “água justa” e mostrando que o monitoramento realizado pela Norte Energia, concessionária de Belo Monte, não é isento, já que os dados levantados pelo MATI mostram que o hidrograma utilizado vem provocando a morte de peixes e até o desaparecimento de espécies na região da Volta Grande do Xingu.
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Belo Monte mudou drasticamente o fluxo do Rio Xingu. Na imagem, pescadores na Volta Grande do Xingu, na 5ª Canoada Xingu|Marcelo Soubhia/ISA
“O nosso monitoramento tem uma grande importância tanto para os indígenas como para os ribeirinhos que moram ao longo da VGX, pois, desta forma, podemos mostrar a nossa realidade e comparar os resultados com os da empresa, que vem afirmando que não há impactos. No entanto, o nosso acompanhamento mostra os impactos sociais, na fauna, na flora e, principalmente, na saúde da população local”, afirma Josiel Juruna, coordenador do MATI.
Data simbólica
No dia 8 de fevereiro de 2023, os pesquisadores chegaram na margem do Rio Xingu, no local conhecido como piracema do Odilo, e se depararam com milhões de ovas de peixes mortas nos barrancos secos e incapazes de eclodir e gerar novos peixes. O local era um berçário de peixes e foi transformado em um túmulo a céu aberto, em decorrência dos níveis de volume de água (hidrogramas A e B) liberados pela hidrelétrica, após o barramento do rio.
Assista à animação e entenda mais sobre os hidrogramas:
As pesquisas do MATI têm evidenciado que o monitoramento realizado pela Norte Energia é insuficiente para captar a real dimensão dos impactos sobre a pesca tradicional. Os estudos apontam que a ausência de um monitoramento adequado contribui para o aumento de pragas, a redução e mortalidade de peixes, a dificuldade de navegação no Xingu e a consequente precarização da alimentação, da saúde e dos meios de subsistência das populações indígenas e das comunidades tradicionais.
O grupo vem lutando para que o “Hidrograma das Piracemas” seja aplicado para garantir o ciclo de reprodução dos peixes, especialmente em áreas de piracema, para onde os peixes migram na época de reprodução. Sem essa mudança no hidrograma, as fêmeas de várias espécies continuarão encontrando a seca, onde deveria haver alagamento, e perdendo suas ovas.
Sobre a UHE Belo Monte
O histórico da Usina Hidrelétrica de Belo Monte é marcado por muita luta, resistência e controvérsia. Desde a sua concepção, os povos indígenas e comunidades tradicionais denunciam os impactos não compensados e nem reparados devidamente pela empresa.
Belo Monte recebeu a Licença Prévia em 2010 e iniciou as suas operações em 2015. A construção da usina causou o deslocamento de pelo menos 20 mil pessoas das comunidades tradicionais e indígenas, desrespeitando o direito de consulta e impedindo a continuidade de modos de vida especializados há séculos em proteger o rio e as florestas.
Ao alterar o curso do Rio Xingu, Belo Monte provoca a perda de biodiversidade na região, com a mortandade de peixes e outras espécies aquáticas e o desaparecimento de florestas alagáveis. Para ambientalistas, indígenas e ribeirinhos, os impactos negativos são tão graves que configuram um ecocídio. Os alegados benefícios da usina não justificam a gravidade e profundidade de seus custos socioambientais.
A redução da pesca e a dificuldade de acesso a outros alimentos têm causado insegurança alimentar nas comunidades afetadas e, em 2021, a licença de operação venceu e aguarda a análise do Ibama das informações complementares apresentadas pela Norte Energia.
Segundo um parecer do Ibama, de 2022, a empresa cumpriu apenas 13 das 47 condicionantes socioambientais impostas no período de concessão da licença.
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