A Bacia do Rio Negro se estende pelos estados do Amazonas e de Roraima, no Brasil, e também avança pelos territórios vizinhos da Colômbia, Venezuela e Guiana. Na sua porção no Amazonas, a bacia é uma das regiões mais preservadas de todo o bioma amazônico, com biodiversidade incalculável. Por outro lado, a parte da bacia localizada em Roraima vem sofrendo grande degradação ambiental causada pelo garimpo ilegal de ouro, desmatamento e roubo de terra, ou "grilagem de terra".
Aproximadamente 68% da Bacia do Rio Negro no Brasil está formalmente protegida por um conjunto de unidades de conservação e terras indígenas legalmente reconhecidas. A diversidade cultural da região é enorme: ali vivem 45 povos indígenas e estão localizados dois patrimônios culturais do Brasil – a Cachoeira de Iauaretê e o Sistema Agrícola Tradicional do Rio Negro – além do ponto mais alto do Brasil, o Pico da Neblina, lugar sagrado do povo Yanomami.
No Rio Negro, o ISA mantém trabalho de longo prazo e parceria institucional - que nos enche de orgulho - com associações indígenas e suas lideranças, entre elas a Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (Foirn), a Hutukara Associação Yanomami (HAY) e o Conselho Indígena de Roraima (CIR).
Mantemos escritório e equipe na cidade de São Gabriel da Cachoeira (AM), considerado o município mais indígena do Brasil, localizado no Alto Rio Negro. De São Gabriel, também descemos com as águas do Negro para apoiar comunidades e associações indígenas dos municípios de Santa Isabel do Rio Negro e Barcelos, ambos no Amazonas. Em 2009, o ISA incorporou a organização Comissão Pró-Yanomami (CCPY), sua equipe e legado, abrindo escritório em Boa Vista (RR) e passando a atuar diretamente com o povo Yanomami e outros povos de Roraima.
Atualmente, o ISA atua na Bacia do Rio Negro com a promoção de processos formativos, articulando parcerias para a proteção dos territórios indígenas, valorização da diversidade socioambiental, segurança alimentar das comunidades, desenvolvimento de cadeias de valor da economia da floresta para geração de renda e produção de pesquisas interculturais que dêem visibilidade aos conhecimentos tradicionais e modos de vida das populações que, há muitos anos, mantém as florestas da região preservadas.
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Em novo livro de receitas, 10 chefs celebram cogumelos coletados pelos Yanomami
‘Umami’ valoriza o conhecimento tradicional das comunidades e marca o aniversário de 30 anos da Terra Indígena Yanomami; baixe gratuitamente
Cogumelo comestível Kotopo amo(Polyporus tricholoma Mont.) coletado pelos Sanöma (subgrupo dos Yanomami) da região de Awaris| Foto: Moreno Saraiva-ISA
Durante os momentos mais difíceis da pandemia da Covid-19, um grupo de 10 cozinheiras e cozinheiros de nove diferentes Estados brasileiros encararam o desafio de transformar os cogumelos coletados por indígenas Yanomami em criações especiais.
O resultado é Umami - receitas para o dia a dia com Cogumelo Yanomami, um livro com 14 receitas que combinam o ingrediente à cultura alimentar das cinco regiões do país. Organizado pelo chef roraimense Beto Bellini e com prefácio de Alex Atala, co-fundador do Instituto ATÁ, a obra recebeu o apoio da Hutukara Associação Yanomami e do Instituto Socioambiental (ISA) e está disponível para download gratuito.
“A grande maioria dos brasileiros não faz ideia da quantidade milenar de conhecimento, história e cultura que as comunidades indígenas têm para nos ensinar e muito menos os sabores e aromas incríveis que estão escondidos pelos rincões da Amazônia”, afirma Bellini, que defende uma identidade indígena para a gastronomia de Roraima.
"Esta é uma das atitudes mais lindas que eu vi acontecer nos últimos anos na gastronomia brasileira”, escreve Atala no prefácio de Umami.
O momento é crítico para o povo Yanomami, que viu em 2021 avanço de 46% na invasão garimpeira, segundo o recém-lançado relatório Yanomami sob ataque, da Hutukara Associação Yanomami. Iniciativas como a do Cogumelo Yanomami mostram que uma outra economia é possível para o território.
Os 10 chefs participantes do livro fizeram pratos com o Cogumelo Yanomami em sua versão em pó, que concentra 15 espécies de cogumelos encontrados nas florestas de montanha de Awaris, porção noroeste da Terra Indígena Yanomami, em Roraima.
As receitas mostram a versatilidade do produto, adaptado a preparos com origens indígenas, japoneses, italianas, árabes, bem como sugestões salgadas ou doces. Umami, termo que dá nome ao livro, tem origem japonesa, significa “gosto delicioso” e faz referência ao quinto sabor do paladar humano - presente nos cogumelos.
Participam do livro profissionais das cinco regiões brasileiras: Débora Shornik, do Amazonas; Danillo Amaral, Bahia; Clóvis Lima, Ceará; Alcyr Viana, Goiás; Júnior Ayoub, Maranhão; Esther Weyl, Pará; Claudio Jr, Paraná; Jorge Cardoso, Roraima; Kalu Brasil, Roraima; e Angelita Gonzaga, São Paulo.
Da pesquisa ao prato
A iniciativa de estudar os cogumelos coletados pelos Yanomami começou em 2015, quando se iniciou uma pesquisa intercultural, realizada por indígenas em parceria com cientistas não-indígenas, e que resultou no livro Ana amopö: Cogumelos Yanomami, vencedor do Prêmio Jabuti na categoria Gastronomia em 2017.
O Cogumelo Yanomami é uma amostra do resultado desta pesquisa: são cogumelos nativos da Amazônia coletados e comercializados pelos Sanöma, subgrupo do povo Yanomami. As 15 espécies são o símbolo de um futuro possível, que promove o protagonismo dos povos indígenas e fomenta uma economia que gera vida e cuida das florestas.
“Nós Yanomami temos um grande conhecimento sobre a floresta. Nós somos os verdadeiros conhecedores da floresta. Nós queremos demonstrar para os não-indígenas e fazer respeitar o nosso conhecimento. Nós queremos fazê-los escutar. Assim os não-indígenas aprenderão, ganharão sabedoria”, escreve o xamã Davi Kopenawa no prefácio de Ana Amopö: Cogumelos.
Para adquirir o Cogumelo Yanomami, escreva para a Hutukara Associação Yanomami: cogumeloyanomami@gmail.com. *Produto com pedido mínimo de 48 pacotes, sujeito à sazonalidade e com disponibilidade restrita.
O Cogumelo Yanomami é uma iniciativa da Hutukara Associação Yanomami, que faz parte da rede Origens Brasil®, idealizada pelo Instituto Socioambiental (ISA) e o Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola (Imaflora). A rede Origens Brasil® conecta empresas e comunidades com garantia de origem, transparência, rastreabilidade da cadeia produtiva e promovendo o comércio ético.
As ações de coleta, processamento e comércio ético do Cogumelo Yanomami buscam dar visibilidade à luta do povo Yanomami em relação ao garimpo ilegal, e mostrar que o conhecimento tradicional do povo Yanomami em relação à floresta tem um valor inestimável para a humanidade.
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Cogumelo Yanomami em suas versões inteiro e em pó | Victoria Franco-ISA
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As principais informações sobre o ISA, seus parceiros e a luta por direitos socioambientais ACESSE TODAS
O futuro é indígena na terra-floresta Yanomami
Davi Kopenawa, xamã e grande liderança Yanomami, conduziu comemoração dos 30 anos da homologação da Terra Indígena Yanomami, que contou com 500 participantes, entre lideranças de outras regiões do território e aliados históricos
Segurando o céu: Davi Kopenawa Yanomami é levantado no centro da aldeia Xihopi, Terra Indígena Yanomami, no Estado do Amazonas|Christian Braga/ISA
É noite de cinema na aldeia Xihopi, Terra Indígena Yanomami – uma imensidão de vida e floresta na maior Terra Indígena do país, distribuída entre os estados de Roraima e Amazonas. Na tela, iluminando as dezenas de olhos atentos na escuridão, um jovem Davi Kopenawa celebra a assinatura da homologação do território, ocorrida em 25 de maio de 1992.
Depois de anos de luta dentro e fora do Brasil, o xamã e liderança histórica dos Yanomami apontava que a conquista do direito constitucional dos indígenas – assediados na época pela invasão de mais de 40 mil garimpeiros –, não acabava ali. Era o início de um novo ciclo da luta permanente pelo direito à existência.
“O Yanomami é gente. Yanomami tem família. Yanomami tem criança. Yanomami sente fome, chora, fica triste”, buscava sensibilizar o Davi de 30 anos atrás, desde então situando a defesa da humanidade como caminho e finalidade de suas ações. Três décadas depois, ele foi o anfitrião de um encontro de mundos na Urihi A, a terra-floresta yanomami, a mata que Omama, o criador, deu para os Yanomami viverem, de acordo com a cosmovisão deste povo.
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Cinema na floresta: projeção de filmes durante as comemorações dos 30 anos da Terra Yanomami, na aldeia Xihopi|Christian Braga/ISA
Abraçados pela floresta amazônica, 500 participantes, sendo cerca de 80 convidados de outros povos e nacionalidades, testemunharam o 3º Fórum de Lideranças Yanomami e Ye’kwana e também a consagração da luta de Davi nos 30 anos da Terra Yanomami.
Em uma cena carregada de força, ao final de um ritual de abertura da jornada, Davi foi alçado no ar por xamãs yanomami. No centro da maloca do Xihopi, Davi parecia segurar o céu.
Desembarcaram no Xihopi também diversos amigos e aliados históricos da luta dos Yanomami. "Os Yanomami são a terra. Vou levar comigo o cheiro daqui, a poesia que está expressa em tudo", reflete Ailton Krenak, ativista, pesquisador e escritor indígena.
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Reencontro: Ailton Krenak sorri para o amigo de longa data, Davi Kopenawa, no centro do Xihopi, Terra Indígena Yanomami|Christian Braga/ISA
Assim como há três décadas, a terra, a alma e a própria existência Yanomami estão gravemente ameaçadas. Os 30 anos da Terra Indígena Yanomami foram comemorados em meio a uma nova onda de invasão garimpeira, que avançou 46% em 2021, segundo o relatório Yanomami sob ataque, da Hutukara Associação Yanomami.
Dario Kopenawa, filho de Davi e vice-presidente da Hutukara, é atualmente um dos principais porta-vozes dos Yanomami na defesa dos direitos dos indígenas. “É muito importante denunciarmos o que está acontecendo”, afirma.
Jan Jarab, representante do Escritório da ONU de Direitos Humanos para a América do Sul, esteve no Xihopi durante toda a jornada e pôde escutar dos próprios indígenas denúncias de violências cometidas contra comunidades assediadas pelo garimpo.
"Depois de 30 anos da demarcação de suas terras, os Yanomamis estão enfrentando um novo desafio existencial. São inúmeros os testemunhos", observa Jarab. "O Estado tem que cumprir com suas obrigações – protegendo a legalidade, os Yanomami e outros povos indígenas, expulsando o garimpo das Terras Indígenas, como ocorrido em 1992", ressalta.
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Iluminados: mulher e criança Yanomami nas celebrações dos 30 anos da Terra Indígena Yanomami, realizadas na aldeia Xihopi|Christian Braga/ISA
O sertanista Sydney Possuelo, também presente no evento, diz que se sente frustrado 30 anos após a homologação da Terra Indígena Yanomami. “É triste o momento, porque 30 anos depois, estamos vivendo uma situação tão ruim quanto”.
Na época, ele era o presidente da Fundação Nacional do Índio (Funai) e liderou a desintrusão do território, antes mesmo da demarcação. Provou na prática que é possível expulsar o garimpo ilegal e a megaestrutura milionária que está por trás dele. “É preciso, sobretudo, vontade política”, destaca.
No entanto, mesmo com as ameaças do garimpo, Davi responde com confiança e lança a flecha que determinaria o tom do evento. “Meu sentimento é mais forte, contente e feliz. Estou vendo o futuro, vejo a geração que vai cuidar dos próximos 30 anos”, diz o xamã.
O futuro é indígena
A juventude foi lembrada nos discursos e falas de boa parte dos presentes ao Xihopi. E também se expressou na grande participação dos jovens nas atividades ao longo do evento. Um grupo de jovens comunicadores indígenas Yanomami fez uma cobertura própria, usando telefones celulares para produzir um material audiovisual sobre o encontro.
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Conectando mundos: coletivo de jovens comunicadores Yanomami registra encontro na aldeia Xihopi, no Amazonas|Christian Braga/ISA
No último dia, Davi, Dario e diversas lideranças foram ao centro da maloca e formaram com letras pintadas em preto a frase “o futuro é indígena”, eternizando em imagens a esperança de renovação da luta. Correndo ao redor, dezenas de crianças da aldeia atendiam ao chamado do xamã.
“A terra é o direito primordial dos povos indígenas. As novas gerações precisam manter seus valores e seguir defendendo a terra”, lembra a deputada federal pela Rede-RR, Joenia Wapichana – primeira mulher indígena a ser eleita para o Parlamento –, presente na aldeia.
Ela chegou acompanhada da senadora Eliziane Gama (Cidadania-MA), ambas integrantes de comissão de parlamentares que apura violações de direitos humanos na Terra Indígena Yanomami. “Garimpo é crime e assim deve ser tratado. É necessário que o Estado aja conforme a lei”, destaca Joenia.
O alvo primordial dos aliciadores do garimpo são os jovens, segundo Maurício Ye’kwana, diretor da Hutukara e originário da região de Auaris. Lá, os casos de malária explodiram 247% de 2019 para 2020, de acordo com o relatório Yanomami sob ataque. Além disso, a desnutrição infantil atinge 63% das crianças menores de cinco anos na região, localizada na fronteira com a Venezuela.
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Esperança na renovação: lideranças indígenas formam a frase “o futuro é indígena”, na aldeia Xihopi, Terra Indígena Yanomami|Christian Braga/ISA
Maurício conta que é um desafio para a sua geração convencer a juventude a não entrar para o garimpo, pois a promessa de dinheiro fácil é sedutora em um contexto de forte degradação social e abandono do Estado.
“Mas explico que a luta traz muito mais do que dinheiro. Traz a proteção da terra, que é o bem mais importante que temos. Sem a terra, não somos nada.”
Maurício é um dos porta-vozes da Aliança em Defesa dos Territórios, coletivo de lideranças indígenas Yanomami, Ye’kwana, Kayapó e Munduruku, formado em dezembro de 2021. As três Terras Indígenas onde vivem esses povos são as mais devastadas pelo garimpo ilegal no país.
Mulheres indígenas
“Precisamos mostrar aos jovens que nós sabemos produzir de um modo que não destrói a natureza”, diz Alessandra Munduruku durante debate entre membros da aliança.
A liderança, que sofre constantes ameaças por sua luta contra o garimpo no Rio Tapajós, no estado do Pará, reforça a importância de os povos indígenas se unirem frente a uma conjuntura política hostil. “Nossos inimigos estão fortes e articulados, mas nós temos a maior riqueza de todas, que é a nossa união.”
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Elas que lutam: Beka Munduruku, Alessandra Munduruku, Erica Vilela Yanomami, Maial Paiakan, Joenia Wapichana, Luiza Lima Góes Yanomami e Watatakalu Yawalapiti/Christian Braga/ISA
Alessandra e outras lideranças femininas promoveram uma reunião com as mulheres Yanomami para trocar experiências e fortalecer os laços. O encontro de mulheres indígenas de diferentes povos e estados rendeu frutos imediatos, como articulações para futuros intercâmbios.
“Estou há sete anos na luta e não estou nela à toa. Estou para fortalecer a voz das mulheres”, sublinhou Erica Vilela, Yanomami da região de Maturacá (AM) e presidente da Associação de Mulheres Yanomami Kumirãyõma (AMYK). “Quando encontrei mulheres de outros povos aqui, me emocionei muito. Nós vamos fortalecer nossa luta cada vez mais. Estou aqui para lutar junto com outras parentes guerreiras.”
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Participação feminina: mulheres indígenas na comemoração dos 30 anos da Terra Indígena Yanomami na aldeia Xihopi, Amazonas|Christian Braga/ISA
O dia 25 de maio de 2022 terminou coroado com um arco-íris cruzando o céu do Xihopi. Naquela noite, os alertas e propostas dos dias de encontro deram origem a uma cartacom reivindicações de lideranças Yanomami, Ye'kwana e de outros povos para interromper a destruição da Terra Yanomami e do planeta.
Se no passado Davi levava praticamente sozinho o grito do povo Yanomami, 30 anos depois a resistência se multiplicou por muitos corpos, gerações e, em muitas vozes, que garantem: o futuro é Yanomami, o futuro é indígena, o futuro é sem garimpo!
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O futuro é sem garimpo: crianças Yanomami se divertem no centro da maloca do Xihopi, Terra Indígena Yanomami|Christian Braga/ISA
As comemorações dos 30 anos da Terra Yanomami e o 3° Fórum de Lideranças Yanomami e Yek’wana aconteceram no final de maio na aldeia Xihopi, Estado do Amazonas e contaram com o apoio da Fundação Rainforest da Noruega, Embaixada da Noruega e Global Wildlife Conservation.
Ritual no Xihopi durante as comemorações dos 30 anos da Terra Yanomami|Christian Braga/ISA
Crianças Yanomami no centro da maloca do Xihopi na comemoração dos 30 anos da Terra Indígena Yanomami|Christian Braga/ISA
Ritual de abertura da celebração dos dos 30 anos da Terra Indígena Yanomami|Christian Braga/ISA
Registro na aldeia Xihopi, durante as celebrações dos 30 anos da Terra Indígena Yanomami|Christian Braga/ISA
Momentos das celebrações dos 30 anos da Terra Indígena Yanomami na aldeia Xihopi|Christian Braga/ISA
Jovem no xapono, casa-coletiva da aldeia Xihopi, na Terra Indígena Yanomami|Christian Braga/ISA
Mulheres indígenas na aldeia Xihopi, na Terra Indígena Yanomami, Estado do Amazonas|Christian Braga/ISA
Espaço de debates na aldeia Xihopi, na Terra Indígena Yanomami, durante comemorações pelos 30 anos|Christian Braga/ISA
Membros da Aliança em Defesa do Território nos 30 anos da Terra Indígena Yanomami|Christian Braga/ISA
Fernando Palimitheli Yanomami, liderança da região do Palimiu, denunciou as atrocidades cometidas por criminosos em sua aldeia|Christian Braga
Pajé Fabiano Munduruku, à esquerda, trocou experiências com xamãs Yanomami durante as comemorações dos 30 anos da Terra Yanomami|Christian Braga/ISA
Ailton Krenak compareceu à aldeia Xihopi para a comemoração do aniversário do território Yanomami|Christian Braga/ISA
Marcos Wesley, coordenador do programa Rio Negro do ISA, fala durante as celebrações no Xihopi|Christian Braga/ISA
Carlo Zacquini, missionário e aliado histórico do povo Yanomami, reencontrou amigos de longa data no Xihopi|Christian Braga
Vista área da aldeia Xihopi, no Estado Amazonas, Terra Indígena Yanomami|Christian Braga/ISA
Arco-íris encerra o dia do aniversário de 30 anos da Terra Indígena Yanomami|Christian Braga/ISA
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Rede Wayuri é premiada em Haia por inovação e combate à desinformação
Comunicadores indígenas do Rio Negro receberam o Prêmio Estado de Direito 2022, do World Justice Project, pela produção de informações confiáveis e enfrentamento às notícias falsas. Diretor-presidente da Foirn Marivelton Baré viajou à Holanda
Claudia Wanano, jornalista da Rede Wayuri de Comunicadores Indígenas, aparece na tela de premiação na Holanda|Diana Gandara/ISA
Acostumada a enfrentar o desafio das grandes distâncias na Amazônia, a Rede Wayuri de Comunicadores Indígenas foi ainda mais longe. Nesta terça-feira (31/5), o grupo que atua na região do Alto Rio Negro (AM) recebeu o Prêmio Estado de Direito 2022, do World Justice Project (WJP), na cidade de Haia, na Holanda, durante o Fórum Mundial de Justiça 2022. A rede foi reconhecida pela inovação e o combate à desinformação na Amazônia brasileira.
Conforme divulgado pela WJP, a Rede Wayuri foi selecionada em uma busca global. “Eles construíram conscientização e engajamento local em questões como a pandemia, a violência contra as mulheres e uma série de ameaças ambientais”, disse a organização.
Marivelton Barroso, do povo Baré e presidente da Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (Foirn), recebeu a premiação pessoalmente em nome dos comunicadores. Em seu discurso, a liderança indígena reforçou que a atuação da Rede Wayuri ganha ainda mais relevância no atual cenário político do Brasil, com os povos indígenas convivendo diariamente com ameaças aos seus direitos, inclusive com ataques aos territórios.
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Marivelton Barroso, da Foirn (de casaco marrom) e Juliana Radler, assessora do ISA (de verde) recebem em Haia, na Holanda, reconhecimento à Rede Wayuri|Diana Gandara/ISA
“A Rede Wayuri exerce um papel fundamental através de comunicadores indígenas que fortalecem as comunidades ao distribuírem informações verdadeiras que fazem a contranarrativa às notícias falsas que promovem o medo e colaboram para o aumento da violência e da destruição na Amazônia”, afirmou.
Ainda durante seu discurso, Marivelton Baré ressaltou a importância das mulheres indígenas na comunicação, mencionando as comunicadoras Cláudia Ferraz, do povo Wanano, Edneia Teles, do povo Arapaso, Janete Alves, do povo Desana, e Elisângela da Silva, do povo Baré, pela imensa contribuição aos trabalhos da Rede Wayuri.
Jornalista e articuladora de políticas socioambientais do Instituto Socioambiental (ISA), Juliana Radler, que atua com a Rede Wayuri desde a sua criação, em 2017, também esteve em Haia para a premiação e comemorou. “O reconhecimento internacional da Rede Wayuri mostra o quanto o combate à desinformação é importante no Brasil, assim como a situação de vulnerabilidade e ameaças que os povos indígenas e a Amazônia vêm enfrentando no atual contexto político brasileiro, onde o Estado de Direito também está sob ataque”, destacou durante entrevista em Haia.
Atualmente, a Rede Wayuri é composta por cerca de 55 comunicadores de 16 etnias. Cinco deles trabalham a partir do município de São Gabriel da Cachoeira (AM), realizando semanalmente o programa de rádio Papo da Maloca, que vai ao ar na FM 92,7, de alcance local, com as locutoras Cláudia Wanano e Juliana Albuquerque, do povo Baré.
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Rede Wayuri em ação: comunicadores indígenas registram histórias em São Gabriel da Cachoeira (AM)|Ana Amélia Hamdan/ISA
m seguida, Cláudia Wanano edita o programa, dando forma ao Podcast Wayuri, disponibilizado nas principais plataformas de áudio. Também compõem o grupo Adelson Ribeiro, do povo Tukano, Irinelson Piloto Freitas, Tukano, e Álvaro Socot, do povo Hup’dah. A rede se prepara agora para reforçar sua presença das redes sociais. Visite o instagram da Rede Wayuri.
Outros cerca de 50 comunicadores atuam diretamente do território indígena, encaminhando informações por WhatsApp e radiofonia. Mesmo com as dificuldades de comunicação em algumas áreas remotas da Amazônia, a rede leva as informações adiante e tem como uma de suas funções apurar as informações de forma a combater as notícias falsas.
Em janeiro, durante a IV Oficina da Rede Wayuri, o grupo chegou a traduzir para as línguas indígenas da região o termo fake news, o que facilita a compreensão sobre as notícias falsas na região.
Ligada à Foirn e com a parceria e apoio do Instituto Socioambiental (ISA), a Rede Wayuri de Comunicadores Indígenas foi criada em 2017. Começou com poucos comunicadores e vem ganhando força a partir da valorização das próprias comunidades indígenas da importância do trabalho dos comunicadores na defesa dos seus direitos e do acesso à informação.
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Cláudia Wanano, Juliana Albuquerque (Baré), Adelson Ribeiro (Tukano) e Irinelson Piloto (Tukano) apresentam o programa de rádio Papo da Maloca|Ana Amélia Hamdan/ISA
A rede atua em um território indígena onde estão localizadas cerca de 750 comunidades de povos de 23 etnias nos municípios de São Gabriel da Cachoeira, Santa Isabel do Rio Negro e Barcelos. Em São Gabriel da Cachoeira – considerada a cidade mais indígena do Brasil –, além do português há quatro línguas indígenas co-oficiais: Nheengatu, Baré, Baniwa e Yanomami.
Prêmio WJP
O WJP é uma organização independente e multidisciplinar que trabalha para gerar conhecimento e conscientização sobre a importância do devido processo legal no mundo.
O Prêmio WJP reconhece conquistas de indivíduos e organizações para fortalecer o Estado de Direito de forma exemplar. Já receberam a premiação o ex-presidente dos Estados Unidos, Jimmy Carter (2017), e a advogada iraniana de direitos humanos e Nobel da Paz, Shirin Ebadi (2013).
Participaram do Fórum de Justiça 2022 líderes como a alta comissária da ONU para os Direitos Humanos, Michelle Bachelet; Vice-Presidente para Valores e Transparência na Comissão Europeia, Vera Jourová; o presidente da Microsoft, Brad Smith, entre outros.
Leia na íntegra o discurso do presidente da Foirn, Marivelton Barroso
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Arqueologia e narrativas indígenas se encontram na história do Rio Negro
Com participação de pesquisadores tradicionais, Programa Parinã realiza escavação arqueológica na cidade mais indígena do Brasil e encontra cerâmicas e terra preta que indicam ocupação de até 2.000 anos
Escavação arqueológica em espaço público e visitas realizadas por pesquisadores indígenas e não indígenas a paisagens que fazem parte, ao mesmo tempo, das narrativas de origem dos povos do Rio Negro, da história colonial e de seu presente. Essas atividades foram desenvolvidas em São Gabriel da Cachoeira (AM), na região do Alto Rio Negro, durante a primeira oficina presencial do Programa Arqueológico Intercultural do Noroeste Amazônico (Parinã), realizada na sede do Instituto Socioambiental (ISA) entre os dias 10 e 20 de maio.
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Encontro de saberes: história, arqueologia, cartografia e narrativas indígenas estão juntas no projeto Parinã|Ana Amélia Hamdan/ISA
Nas escavações, foram encontradas cerâmicas e artefatos que indicam ocupações indígenas de até 2.000 anos, sendo que pesquisas realizadas em 2019 mostram que o povoamento pode ser mais antigo, de até 2.700 anos.
“Essa área tem a história da nossa existência. Podemos ver no concreto as histórias que contamos na oralidade”, disse o conhecedor indígena Arlindo Maia, do povo Tukano, sobre a paisagem de São Gabriel. Ele foi um dos participantes da oficina do Parinã, que contou com a presença de pesquisadores não indígenas e indígenas de diversas etnias, como Baré, Baniwa, Piratapuya, Desana e Tukano.
“É um encontro de grande importância, que traz trocas de vários grupos étnicos, com esclarecimentos entre nós. É muita coisa a ser repassada para o futuro. Aumenta a esperança de preservarmos a identidade e a cultura dos povos”, completou Maia.
Mesmo com as diferentes linguagens e abordagens, é possível encontrar um ponto de convergência apontado pelos integrantes do Parinã: São Gabriel da Cachoeira – conhecido como o município mais indígena do Brasil – é um lugar que conecta narrativas dos povos indígenas à história colonial de séculos passados e vivências contemporâneas. Além disso, os povos indígenas que vivem hoje no Alto Rio Negro podem ser os descendentes das pessoas que deixaram os vestígios arqueológicos.
Essas características estão presentes na área urbana e em comunidades indígenas, sendo um motivo de atenção especial para políticas públicas que reconheçam, protejam e preservem o território e as narrativas em suas diferentes formas. Um dos pontos do programa é propor, junto com os indígenas, uma reconstrução intercultural do sentido do patrimônio cultural para além do que está definido na legislação.
O historiador, antropólogo e pesquisador do Museu Paraense Emílio Goeldi (MPEG), Márcio Meira, integra a equipe do Parinã e reforça a importância da abordagem interdisciplinar. “Não viemos ensinar para os indígenas a história. Pelo contrário, estamos aqui mais para aprender do que para ensinar. Conhecedores indígenas têm um conhecimento que precisa ser valorizado. Por isso, o Parinã tem a proposta de pesquisa intercultural, misturando saberes e perspectivas indígenas e não indígenas”, explicou.
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Peça arqueológica retirada nas escavações feitas em São Gabriel da Cachoeira|Programa Parinã/Divulgação
Uma exposição arqueológica e patrimonial está prevista para acontecer em São Gabriel da Cachoeira, no próximo mês de setembro, no encerramento da primeira etapa do Programa Parinã.
A organização ficará a cargo do Museu da Amazônia (Musa), com curadoria colaborativa envolvendo os participantes e parceiros do programa.
Poderão ser vistos na exposição objetos, narrativas e documentos reunidos no âmbito do projeto. O cineasta e comunicador da Rede Wayuri, Moisés Baniwa, filmou narrativas de conhecedores indígenas para que essas histórias também façam parte da mostra.
O programa Parinã foi iniciado em 2018 e envolve diversos parceiros, como o ISA, o Museu Paraense Emílio Goeldi (MPEG), o Museu da Amazônia (Musa), o Instituto de Arqueologia da University College London (UCL) e a Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), com participação do professor, pesquisador e antropólogo Geraldo Andrello. A Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (Foirn) também apoia a iniciativa.
Descobertas arqueológicas
As escavações arqueológicas realizadas dentro do Programa Parinã aconteceram em uma área de 16m2 na praça em frente à Diocese e à catedral de São Gabriel. Durante os trabalhos, foram encontrados fragmentos de cerâmica de objetos como pratos e fogareiros, além de machados e instrumentos líticos que indicam povoações de até 2.000 anos.
Também foi encontrada a chamada "terra preta de índio", tipo de solo enriquecido pela atividade humana e presente em outros pontos da Amazônia. “É um legado dos povos antigos para a composição da floresta”, diz a arqueóloga e professora Helena Pinto Lima, pesquisadora do Museu Paraense Emílio Goeldi, que participa das escavações em São Gabriel.
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Helena Pinto Lima, do Museu Goeldi, indica e retira parte de peça de cerâmica do sítio arqueológico em São Gabriel da Cachoeira|Ana Amélia Hamdan/ISA
Ela explica que o local da escavação reúne características estratégicas para a localização de um povoamento indígena, como estar numa área de elevação natural, com vista ampla para o Rio Negro.
Também participaram das escavações o coordenador do Parinã, o arqueólogo Manuel Arroyo-Kalin, do Instituto de Arqueologia da University College London (UCL); o diretor-adjunto científico do Musa, o arqueólogo Filippo Stampanoni Bassi; a coordenadora do núcleo de Arqueologia e Etnografia do Musa, Meliam Gaspar, e o coordenador do Laboratório de Arqueologia do Musa, Iberê Martins.
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Aluno de arqueologia da UEA, Junildo de Rezende Costa, da etnia Tukano, encontra parte da história de seus antepassados no sítio arqueológico - Ana Amélia Hamdan/ISA
Os trabalhos de escavação no sítio arqueológico foram acompanhados por estudantes do curso de arqueologia da Universidade Estadual do Amazonas (UEA) – Campus São Gabriel.
Um dos alunos é Junildo Rezende Costa, da etnia Tukano, que observou semelhanças entre objetos retirados da escavação arqueológica e narrativas que ele escuta em casa, contadas pelos seus pais e avós.
“A terra preta está em algumas roças. Machadinhas e cerâmicas são semelhantes às que meus avós contam que eram usadas por aqui”, lembrou o estudante.
Filippo informa que na área de São Gabriel há um extenso sítio arqueológico, com partes ocupadas por construções de órgãos públicos e outros.
Ele participou das escavações em frente à Diocese de São Gabriel e, em 2019, fez escavações em área do escritório local do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), onde foram encontradas terra preta e artefatos de até 2.700 anos.
“São pesquisas iniciais, em sítio arqueológico ainda pouco conhecido. Pode ser que as ocupações sejam mais antigas”.
Manuel explica que estudos indicam que em São Gabriel já houve um povoamento indígena, sendo que a cidade carrega a importante característica de, possivelmente, ter entre seus moradores os descendentes dos povos que viveram aqui em um passado remoto.
“Temos uma justificada esperança de que os povos indígenas atuais são descendentes das pessoas que foram responsáveis por criar os vestígios arqueológicos, os sítios antigos. É uma hipótese razoável”, sustentou o arqueólogo.
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Manuel Arroyo Kalin (em pé), coordenador do Parinã, arqueólogo do Instituto de Arqueologia da University College London (UCL)|Ana Amélia Hamdan/ISA
No município há cerca de 750 comunidades e sítios onde vivem indígenas de 23 etnias. Em São Gabriel da Cachoeira, há quatro línguas indígenas cooficiais além do português: Nheengatu, Tukano, Baniwa e Yanomami.
Manuel Arroyo considera que a Bacia do Rio Negro, onde está São Gabriel, é uma encruzilhada histórica etnográfica e arqueológica muito interessante. “Isso nos deixa várias perguntas sobre o que foi o passado dessa região, desde quando houve ocupação humana aqui, se foi uma ocupação humana densa, se alteraram a paisagem, se os povos que moravam aqui tinham relação com povos de outras regiões da Amazônia.”
As descobertas feitas até agora na região conversam com outras pesquisas que indicam que, na Bacia do Rio Negro, houve povoamentos antigos – de até 9.000 anos atrás – com intensas trocas entre os povos. Alguns desses estudos foram conduzidos pelo arqueólogo Eduardo Neves, que já realizou pesquisas na região de Iauareté.
Plataforma digital
Outra proposta do Parinã é o desenvolvimento e atualização de um banco de dados digital georreferenciado reunindo material de pesquisa já produzido na região do Rio Negro pelo ISA e colaboradores há pelo menos 20 anos. Esse trabalho está em andamento e é conduzido pela ecóloga e analista de geoprocessamento Renata Alves, do ISA, e pela antropóloga Aline Scolfaro, consultora do programa.
“Estamos trabalhando numa plataforma digital que mostre as várias camadas das teorias históricas indígenas, do período pré-colonial e pós-colonial, livros, fotos, localização, toponímia, mapas e narrativas. Algumas das histórias indígenas não acontecem nesse plano, sendo que a marca não está na paisagem, mas faz parte da história deles e precisam estar registradas tanto quanto os outros conhecimentos”, afirmou Renata Alves.
Exemplo do que poderá ser encontrado nessa plataforma é referente à Cachoeira de Ipanoré, localizada no Rio Uaupés, onde os primeiros ancestrais emergiram para este mundo, depois de longa viagem subaquática a bordo da cobra-canoa. Fotos, vídeos, narrativas e outras informações sobre a cachoeira estarão disponíveis na plataforma.
Uma das narrativas míticas conta que uma cobra-canoa saiu do Baía de Guanabara, subiu pelo litoral brasileiro, chegou ao Rio Amazonas e adentrou até o Negro e outros rios importantes da região, como o Uaupés. Esse caminho é marcado por lugares que são recordados na narrativa. Parte dessa história é contada no filme “Pelas Águas do Rio de Leite”, dirigido pela antropóloga Aline Scolfaro.
Outra proposta discutida durante a oficina Parinã foi a criação de um museu virtual com o acervo do Museu Goeldi de peças recolhidas no Noroeste Amazônico durante a viagem de Theodor Koch-Grünberg nos primeiros anos do século XX. Imagens com algumas dessas peças foram mostradas aos pesquisadores indígenas durante a oficina da antropóloga e pesquisadora do Goeldi, Lúcia van Velthem, conduzida com André Baniwa.
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O historiador e antropólogo Márcio Meira (de vermelho), pesquisadores indígenas e não indígenas em visita à Pedra da Fortaleza|Ana Amélia Hamdan/ISA
Durante a oficina, grupos de pesquisadores indígenas e não indígenas visitaram alguns pontos da paisagem de São Gabriel da Cachoeira.
Uma dessas caminhadas foi proposta por Márcio Meira, que conduziu o grupo até a Pedra da Fortaleza – hoje um ponto turístico da cidade, com vista para o pôr do sol e para a serra do Cabari e onde já esteve localizado um forte instalado por colonizadores portugueses.
O cenário da história colonial está registrado em aquarela de 1785 que foi reproduzida em um banner para ser levado até o local pelo grupo.
No caminho até a Pedra da Fortaleza, os indígenas encontraram pontos importantes de suas narrativas históricas. Um deles, uma rocha na rua da beira rio que, segundo a história indígena, é parte de uma cobra que foi morta ali durante uma batalha.
Meira explica que o diálogo entre os diversos saberes é primordial para o entendimento da região. “Essa possibilidade de diálogo entre história, arqueologia e conhecimentos tradicionais é a forma que temos para a gente entender melhor essa realidade social da região. Não há como entender se não houver esse diálogo entre os saberes”, salientou.
Segundo ele, a história colonial na região foi marcada por violência contra os indígenas, muitas vezes utilizados como mão de obra escrava para o extrativismo de produtos da floresta. “Foi um processo violento e duradouro, mas não foi suficientemente forte para apagar o modo de vida dos povos que vivem no Rio Negro”, refletiu.
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Juka Sarmento Fernandes, da etnia Desana, é um dos bolsistas do Parinã e vem recuperando as narrativas de seu clã|Ana Amélia Hamdan/ISA
De pai para filho
Também estão integrados à equipe do Parinã pesquisadores indígenas bolsistas que atuam de formas diversas, como em atividades em laboratório de arqueologia e tradução.
O objetivo é que as pesquisas sejam realizadas também em comunidades indígenas, atividade que foi limitada devido à pandemia.
Um dos bolsistas é o estudante de Ciências Sociais da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), Juka Sarmento Fernandes, nome desana Diakuru, que vem resgatando as narrativas tradicionais contadas por seu pai, o conhecedor tradicional Durvalino Moura Fernandes, nome desana Kisibi.
Eles são Desana do clã Wari Dihpotiro Porã. As narrativas podem variar de acordo com o povo e até com o clã.
Durante a oficina em São Gabriel, Durvalino Moura ponderou que alguns objetos e documentos vão aparecer durante os trabalhos dos pesquisadores, mas outros não são visíveis, pois existem apenas em narrativas sagradas que atingem outras esferas.
“Essa é uma reunião para resgatarmos alguns conhecimentos. Mas há saberes que não revelamos, que só são passados entre familiares”, explicou o conhecedor.
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Liderança indígena registra em vídeo inundação das roças na Amazônia
Dzoodzo Baniwa estava na hora e no lugar certos para documentar um evento climático extremo. Em vídeo-reportagem, ele denuncia a segunda cheia recorde em menos de um ano no Rio Ayari (AM)
O cenário de roças tradicionais inundadas, com prejuízos às populações ribeirinhas e indígenas, está se repetindo no Amazonas. Em 2021, o estado atravessou cheias e inundações recordes. Neste ano, o chamado inverno amazônico, que se acentua a partir de junho com a intensificação de chuvas, ainda nem bem começou, mas as cheias já estão causando danos.
Essa realidade vem sendo acompanhada de dentro do território indígena pelo olhar atento da liderança indígena Baniwa Juvêncio Cardoso, também conhecido pelo nome de benzimento Dzoodzo Aawadzoro. Ele divulgou em sua página nas redes sociais um vídeo mostrando roças inundadas pela cheia do Rio Ayari, afluente do Rio Içana, na Terra Indígena Rio Negro, município de São Gabriel da Cachoeira (AM). Segundo o relato do pesquisador baniwa, o rio já atingiu 50 cm a mais no comparativo com 2021.
A inundação das roças compromete a segurança alimentar das comunidades indígenas. Para garantir que parte da plantação não se perdesse, mulheres chegaram a mergulhar para colher a mandioca, que é a base alimentar da região e dá origem a uma série de produtos como farinha, beiju, tapioca e tucupi.
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Juvêncio Cardoso Baniwa registrou efeito das cheias no Alto Rio Negro|Natalia C. Pimenta / ISA
Segundo Dzoodzo Baniwa, a cheia volta a se repetir antes mesmo do período de um ano. “Em 2021, as famílias também foram impactadas. Faltavam 10 dias para completar um ano e a água do Rio Ayari voltou a tomar conta das roças”, descreveu. Ano passado, as cheias causaram prejuízos a 18 famílias em seis comunidades, com a perda de 30 roças. Em 2022, os levantamentos ainda estão sendo realizados, já que o período de cheias está apenas começando.
“Estamos numa das áreas mais preservadas da Amazônia, mas ainda assim ficamos com o prejuízo das mudanças climáticas. Queremos que o poder público e a sociedade civil organizada tomem medidas para nos ajudar”, disse.
Coordenador da Organização Baniwa e Koripako Nadzoeri, uma das cinco coordenadorias da Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (Foirn), Dzoodzo também é professor licenciado em física intercultural e mestre em ciências ambientais.
Ele vive na comunidade de Canadá e acompanha a situação na Bacia do Rio Içana, território tradicional dos povos Baniwa e Koripako, como liderança e colaborar de projeto de Monitoramento Ambiental e Climático na Bacia do Rio Negro. Ele ainda compõe a Rede de Agentes Indígenas de Manejo Ambiental (Aimas) e monitora os ciclos ambientais e socioeconômicos indígenas a partir das constelações.
Agora dá um passo adiante, denunciando praticamente em tempo real, com vídeos registrados por celular, eventos climáticos extremos e seus impactos na Amazônia.
Dzoodzo vem mobilizando parceiros para receber apoio em doações que serão direcionadas às famílias atingidas e, ainda, realizar oficinas sobre o Sistema Agrícola Tradicional do Rio Negro, de forma a garantir a segurança alimentar dos povos que vivem nessa região. As oficinas serão realizadas no Centro de Formação e Monitoramento da Biodiversidade Enopana, vinculado à Escola Eeno Hiepole, que reúne alunos de todas as comunidades da calha do Rio Ayari e que recebem a merenda regionalizada com produtos da agricultura familiar, que conta com o incentivo do Programa Nacional de Alimentação Escolar (Pnae).
Veja abaixo como contribuir:
Associação do Conselho de Gestão da Escola Eeno Hiepole (ACGEH) CNPJ: 20.878.325/0001-18 Banco do Brasil Agência: 1136-3 Conta Corrente: 29.308-3 Contato ou envio de comprovante: eenohiepole@gmail.com Conheça a escola: https://eenohiepole.wordpress.com/quem-somos/
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Wai Wai criam departamentos de mulheres indígenas
Iniciativa busca fortalecer autonomia e sustentabilidade das mulheres – protagonistas na fabricação de diversos produtos da sociobiodiversidade
Evilene Paixão
- Jornalista da Hutukara Associação Yanomami
Mulheres Wai Wai fundaram departamentos próprios em diversas associações indígenas|Evilene Paixão/ISA
Pela primeira vez as mulheres Wai Wai terão espaços somente delas. Foram criados os Departamentos de Mulheres Indígenas Wai Wai (DMIW), em cada associação indígena: Associação dos Povos Indígenas Wai Wai (APIW), Associação do Povo Indígena Wai Wai Xaary (APIWX) e Associação Indígena Wai Wai da Amazônia (AIWA).
A mobilização para a criação dos departamentos aconteceu no III Encontro Anual do Instituto Socioambiental (ISA) com os Wai Wai do Estado de Roraima, que aconteceu na comunidade Soma, na Terra Indígena Trombetas Mapuera, município de Caroebe, divisa com os estados do Amazonas e Pará.
Era antigo o desejo de criar espaços exclusivos de mulheres indígenas, como conta Geneide Wai Wai, responsável geral pelos departamentos. “Sempre foi do interesse das mulheres ter alguma representação, associação ou departamento. Isso já era discutido entre os homens e as mulheres”, conta.
Segundo ela, a criação dos departamentos é um passo importante para o fortalecimento e valorização do trabalho das mulheres indígenas dos produtos vendidos. Um deles é o mawkîn, um tipo de paçoca torradinha de castanha-do-Pará com beiju, produzido pelas mulheres Wai Wai. “Agora vamos nos organizar melhor para trabalhar bem com as vendas e produzir mais”, aposta Geneide.
O encontro reuniu cerca de 150 indígenas entre lideranças, jovens e mulheres, das 10 comunidades das Terras indígenas Trombetas Mapuera e Wai Wai, localizadas entre os municípios de Caracaraí, São João da Baliza e Caroebe, nas calhas dos rios Anauá e Jatapu.
Há quase cinco anos, o ISA constrói projetos com esses povos no desenvolvimento da cadeia produtiva da castanha, com assessoria na parte de boas práticas de manejo e promoção de comércio ético das castanhas e na formalização e o funcionamento das associações Wai Wai, com assessoria técnica de Felipe Reis.
Agora, os Departamentos de Mulheres Indígenas Wai Wai serão assessorados pela cientista ambiental Stephany Caroline Rodrigues, que chegou recentemente para fortalecer a equipe. Para ela, os DMIW são o início de um trabalho que vai garantir mais autonomia e sustentabilidade às mulheres indígenas.
“Começamos muito bem! Além de estabelecermos em conjunto os principais eixos temáticos de trabalho, com artesanato e mawkîn, conseguimos encaminhar a criação do departamento de mulheres Wai Wai dentro de cada associação, APIW, APIWX e AIWA, com a aprovação dos respectivos presidentes, e uma mulher representante por comunidade, além de uma coordenadora geral, para ajudar na interlocução”, explica.
III Encontro do ISA com os Wai Wai em Roraima, realizado de 04 a 07 de abril, na comunidade Soma, Terra Indígena Trombetas Mapuera, em Caroebe|Evilene Paixão/ISA
III Encontro do ISA com os Wai Wai em Roraima, realizado de 04 a 07 de abril, na comunidade Soma, Terra Indígena Trombetas Mapuera, em Caroebe|Evilene Paixão/ISA
III Encontro do ISA com os Wai Wai em Roraima, realizado de 04 a 07 de abril, na comunidade Soma, Terra Indígena Trombetas Mapuera, em Caroebe|Evilene Paixão/ISA
III Encontro do ISA com os Wai Wai em Roraima, realizado de 04 a 07 de abril, na comunidade Soma, Terra Indígena Trombetas Mapuera, em Caroebe|Evilene Paixão/ISA
III Encontro do ISA com os Wai Wai em Roraima, realizado de 04 a 07 de abril, na comunidade Soma, Terra Indígena Trombetas Mapuera, em Caroebe|Evilene Paixão/ISA
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Livros de bolso apresentam a arte indígena, feminina e ancestral das cerâmicas Tukano e Baniwa
Práticas e saberes para produção das peças são parte do Sistema Agrícola Tradicional do Rio Negro, reconhecido em 2010 como patrimônio cultural imaterial do Brasil pelo Iphan
Polimento de cerâmica com semente de inajá em São Joaquim do Ayari, Terra Indígena Alto Rio Negro (AM). Foto: Natália Pimenta/ISA
As cerâmicas produzidas pelos povos indígenas Tukano e Baniwa, da Terra Indígena Alto Rio Negro (AM), são uma arte feminina milenar. Da escolha da argila à modelagem, polimento, secagem, queima e acabamento, o caminho realizado das artesãs é de uma relação profunda com o sagrado e a floresta.
O leitor agora pode se sentir mais próximo a essa experiência com o lançamento dos livros de bolso Cerâmica Tukano e Cerâmica Baniwa, realizados em parceria entre a Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (Foirn) e o Instituto Socioambiental (ISA), e com apoio de União Europeia e Nia Tero.
Organizados por Thiago Oliveira (Cerâmica Baniwa) e Juliana Lins (Cerâmica Tukano), as obras fazem parte de uma coleção mais ampla e se juntam aos também livros de bolso Arte Baniwa, Pimenta Jiquitaia Baniwa e Banco Tukano, lançados pelo ISA nos últimos anos.
O conjunto apresenta de forma condensada e plena de informações as riquezas do Sistema Agrícola Tradicional do Rio Negro, reconhecido como patrimônio cultural imaterial do Brasil pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan).
Para Dadá Baniwa, uma das coordenadoras do departamento de mulheres da Foirn, é um “sonho” compartilhar os conhecimentos para que outros povos e culturas valorizem a produção das peças. “Não é um trabalho fácil. Dar visibilidade ao trabalho das mulheres a nível estadual, nacional e internacional é integrar essa cultura material e preservá-la pela via da educação”, disse.
“Esse conhecimento para mim, como neta e filha, é um patrimônio, uma herança da minha avó”, afirmou Larissa Duarte, ceramista do povo Tukano. “É um conhecimento que fica para nossa comunidade e para a região toda. Isso vai ficar comigo e pretendo passar meu conhecimento para minhas filhas também.”
“Para nós, mulheres indígenas, essa cerâmica não é um simples objeto. É uma parte de nós”, resumiu ela, que é também uma das coordenadoras do departamento de mulheres da Foirn. “Esse é nosso modo de lutar, nosso modo de viver. A mulher é muito mais resistente e pensa no bem-estar coletivo, da comunidade, do território.”
Os povos indígenas do Rio Negro têm, ao todo, 11 cadeias produtivas em diferentes graus de amadurecimento na região, com gestão indígena, para desenvolvimento e proteção dos territórios.
Para Luciane Lima, do departamento de negócios da Foirn, a comercialização das cerâmicas “é uma forma de sustentação para as famílias”. “É geração de renda e valorização da cultura”, disse. “Estamos investindo em processos que tenham resultados a longo prazo”, afirmou.
Respeito e limite
As cerâmicas Tukano e Baniwa sempre tiveram uma inserção na vida ritual nas comunidades indígenas do Rio Negro. A produção das peças, no entanto, foi levada ao limite do desaparecimento e, por isso, as publicações retomam saberes que estavam restritos a poucas artesãs.
“As mulheres não tinham mais o conhecimento completo sobre as cerâmicas, sabiam apenas parte do processo”, relembrou Oliveira, antropólogo e organizador de Cerâmica Baniwa. A pesquisa constatou, por exemplo, que existem no território apenas cinco jazidas de argila ideais. “Os locais de ocorrência são de conhecimento tradicional ligados às comunidades”, afirma.
Segundo Juliana Lins, bióloga e organizadora de Cerâmica Tukano, impressiona a complexidade do trabalho das artesãs para confecção das peças. “A história e o processo envolvem tempo e conhecimento. Uma peça pode levar até 10 dias para ficar pronta, e ver o resultado é como ver o mundo através de um olhar feminino”, disse.
“Uma coisa que chama muito a atenção nos povos indígenas é a noção de limite. Você não lida com a natureza sem limites. Você tem relações sociais com a floresta, com o barro e a cerâmica. É o respeito. É, por exemplo, o pedido de licença para pegar a ‘vovó’ argila para então produzir as peças”, observou.
É o que contou Larissa Duarte, ceramista Tukano. “Nós, povos indígenas, temos nosso ritmo, tempo de produção. As pessoas de fora têm que entender isso, conhecer nossa realidade aqui. As mulheres não trabalham 24 horas só no artesanato. Ela vai pra roça, faz comida para as crianças, cuida da casa e depois faz o artesanato. E faz uma peça.”
O que é o Sistema Agrícola Tradicional do Rio Negro?
O Sistema Agrícola Tradicional do Rio Negro, conjunto de práticas e saberes milenares dos povos do Rio Negro, agricultores por excelência, foi reconhecido em 2010 anos como patrimônio imaterial brasileiro pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan).
Estão catalogadas, ao todo, mais de 300 variedades de plantas cultivadas pelos 23 povos indígenas que vivem na região há milênios, além de 32 espécies de peixes comestíveis.
Fazem parte do sistema as técnicas de manejo dos espaços de cultivo (roça e quintais); do sistema alimentar; dos utensílios de processamento e armazenamento como a cerâmica e a cestaria; e, por fim, da conformação de redes sociais de troca de sementes e plantas que se estende de Manaus, no Amazonas, a Mitu, na Amazônia Colombiana.
O cultivo da mandioca brava, por meio da técnica de queima, plantio e manejo de capoeiras (conhecido como coivara), é a base desse sistema, compartilhado pelos povos indígenas da região.
São Gabriel da Cachoeira é o município do Amazonas em que se situa a fronteira trinacional entre o Brasil, a Colômbia e a Venezuela. Com 109 mil km2, é o terceiro mais extenso do país. A região é também conhecida como “Cabeça do Cachorro”, por causa do desenho que conforma o mapa no extremo noroeste do Brasil. É, também, o município mais indígena do país, tanto no seu núcleo urbano quanto na zona rural, onde há 750 comunidades de 23 povos indígenas diferentes. Além do Português, são as línguas oficiais da cidade o Tukano, o Baniwa e o Nheengatu (língua franca no Brasil colonial difundida pelos jesuítas, e hoje só falada lá).
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Não há estrada ligando Manaus a São Gabriel. Pode-se ir de carro até Novo Airão. Barcelos, Santa Isabel e São Gabriel, no Alto Rio Negro, só são acessíveis por via aérea ou fluvial. Isto faz da Cabeça do Cachorro uma das regiões mais preservadas da Amazônia e das mais úmidas do mundo. É um pouco mais a oeste deste fundão da floresta que os ventos alísios, que movem os chamados ‘rios voadores’, encontram a barreira natural da Cordilheira dos Andes e fazem uma inflexão rumo ao sul, levando as chuvas amazônicas para o centro-sul do Brasil, o norte da Argentina, o Paraguai e o Uruguai.
Esta é, também, uma região estratégica, em razão das fronteiras, onde há forte presença militar. Uma brigada do Exército foi transferida para lá há 18 anos atrás, tendo um general no seu comando. Há, também, um radar do Sistema de Vigilância da Amazônia (Sivam), operado pela Aeronáutica, além de uma unidade da Marinha. O Negro é um rio internacional, que nasce com o nome de Guainia, na Colômbia, e se conecta ao Rio Orinoco (que desagua no Mar do Caribe) pelo Canal do Cassiquiare, antes de adentrar em território brasileiro. Já houve, ou ainda há, presença de guerrilhas e do narcotráfico operando na região.
Desafios econômicos
A vida não é fácil na Cabeça do Cachorro. A concentração de aldeias é maior do que em outras regiões indígenas, enquanto a disponibilidade de peixes é relativamente menor em rios de águas pretas. Onde há melhores solos para agricultura, o peixe é mais escasso; e onde tem mais peixe, não se encontram terrenos propícios para as roças. As roças são diversas e abundantes. Mais de cem variedades de manivas são cultivadas. Porém, o aumento da população e da sua sedentarização, principalmente nas comunidades maiores e nas cidades ribeirinhas, obriga o plantio de roças a maiores distâncias. Quando secas ou enchentes afetam a produção, ocorrem situações de insegurança alimentar e de maior dependência de alimentos de fora.
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Vista de São Gabriel da Cachoeira (AM). Crédito: Márcio Santilli / ISA
Os excedentes são comercializados na região e poucos produtos chegam a Manaus e a outros lugares, como as cestarias de arumã, bancos rituais de madeira e outros artesanatos. Farinhas e pimentas, devidamente embaladas, também podem alcançar outros mercados. O turismo de base comunitária afirma-se e é promissor, a exemplo do ecoturismo Yanomami ao Pico da Neblina, chamado de Yaripo pelos Yanomami. Reportagem da jornalista Sônia Bridi no Fantástico, da Rede Globo, há alguns dias, mostrou a expedição ao ponto mais alto do Brasil, assim como a diversidade cultural e de paisagens do Alto Rio Negro.
Grandes distâncias dos mercados consumidores, limitações e os altos custos do transporte constituem barreiras logísticas desafiadoras para melhorar as condições econômicas locais. Mas o que mais agrava essa situação - e pode ser resolvida - é a dependência em relação ao óleo diesel, que chega a São Gabriel a preços extorsivos. O diesel, hoje essencial para o transporte, a iluminação e o funcionamento de equipamentos, consome grande parte da renda indígena e limita demais a economia local. A geração de energia limpa é fundamental para superar o problema, além de contribuir para a redução de emissões de gases do efeito estufa.
Políticas Sociais
Aposentadorias rurais e programas de renda mínima contribuem de forma significativa para a economia regional. No entanto, o pagamento dos benefícios sociais, concentrado na sede de São Gabriel, tem causado migrações para a zona urbana e a periferia da cidade. Esse impacto tem potencial desagregador, sobretudo para as comunidades mais distantes, e também agrava o déficit de habitações e a dependência de insumos externos para o consumo da população local.
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Indígenas reunidos na sede da Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro.|Márcio Santilli / ISA
Descentralizar esse pagamento é um objetivo importante para estabilizar as condições de vida nas aldeias. Mas requer um conjunto articulado de medidas, como a definição de núcleos de serviços nas calhas dos rios mais populosos, o que depende da disponibilidade de internet menos precária, terminais e cartões digitais, algum dinheiro em espécie e cantinas para a compra de produtos de consumo básico, reduzindo deslocamentos e facilitando a vida.
Para isso, será preciso mobilizar as instituições públicas, como a agência local da Caixa Econômica Federal, a Fundação Nacional do Índio (Funai), a prefeitura e o Exército, que poderia prover as condições de segurança para a instalação de núcleos de serviços, próximos aos locais que estão instalados batalhões de fronteira. Essa mobilização depende da decisão e da vontade política do governo federal, hoje inexistentes.
Serviços socioambientais
A região da Cabeça do Cachorro certamente seria elegível para receber compensações pela prestação de serviços ambientais. A floresta preserva um formidável estoque de carbono e viabiliza um especial regime de chuvas. O complexo multicultural também impressiona, com a prevalência de casamentos interétnicos e a profusão de pessoas poliglotas. Os conhecimentos tradicionais estão diretamente associados ao manejo de condições ecológicas específicas. A permanência das comunidades nas suas regiões e a gestão ambiental dos territórios cumprem funções essenciais para o país e para toda a humanidade.
Com a regulamentação do mercado compensatório de carbono florestal na última conferência da ONU sobre mudanças climáticas, realizada no ano passado em Glasgow, Escócia, a possibilidade de se construir um programa de escala para terras indígenas deixou de ser uma hipótese vaga, como antes, para se tornar mais efetiva. Porém, considerando o status jurídico das terras indígenas no Brasil, que são de propriedade da União e destinadas à posse permanente e usufruto dos povos ocupantes, é importante que esse caminho seja construído por uma parceria entre o governo e as populações indígenas, o que não é viável agora, mas poderá ocorrer a partir do próximo ano, sob um novo governo.
Nesse caso, o alto Rio Negro teria grandes chances de dispor de uma fonte de recursos perene e significativa para promover o desenvolvimento sustentável em bases mais promissoras do que em outras regiões da Amazônia, mais impactadas pelo desmatamento e pela ocupação predatória. Cada vez mais, os projetos de futuro dos povos indígenas e de outras comunidades tradicionais estarão associados ao enfrentamento, pela humanidade, das consequências das mudanças climáticas globais. A Cabeça do Cachorro poderá ocupar a linha de frente neste processo.
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Grafismo indígena em maloca no Alto Rio Negro.|Márcio Santilli / ISA
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Comunidade Aracaçá vive tragédia humanitária, alerta organização Yanomami
Em nota, a Hutukara Associação Yanomami apresentou levantamento que evidencia rotina de terror imposta aos indígenas e cobrou a expulsão dos invasores da Terra Indígena Yanomami
Em comunicado divulgado nesta sexta-feira (06/05), a Hutukara Associação Yanomami reforçou que segue acompanhando as investigações em torno da denúncia de estupro seguido de morte de uma menina de 12 anos na comunidade de Aracaçá, na região de Waikás, em Roraima, e apresentou informações “que revelam um grave histórico de tragédias associadas ao garimpo na comunidade”.
Comunidade de Aracaçá convive há anos com invasão garimpeira|Marcos Wesley/ISA (20.11.2014)
O levantamento cruzou relatos coletados junto a dois Yanomami esta semana com dados oficiais do distrito de saúde (censos populacionais de 2017 e 2022 e registros de óbitos), tornando possível identificar a cronologia dos episódios narrados.
“Até o momento, foi possível levantar que o histórico de tragédias na comunidade teve início em 2017, com o assassinato de um homem conhecido como C. Sanumá”, durante uma briga com garimpeiros. Segundo a Hutukara, o indígena tinha duas esposas e, depois de sua morte, as mulheres ficaram em uma situação de “extrema vulnerabilidade”, sendo prostituídas nos acampamentos de garimpo.
Uma delas teria morrido logo em seguida ao falecimento do esposo. “Há diferentes versões sobre sua morte, mas foi possível confirmar no registro de óbitos o falecimento de uma pessoa da mesma faixa etária, em 2018, tendo por causa de óbito envenenamento auto provocado”, afirma o comunicado.
De acordo com relatos colhidos pela Hutukara, uma das filhas dos indígenas, de 16 anos na época, teria sido vítima de seguidos abusos após ser levada para se prostituir em um acampamento localizado próximo a Aracaçá, onde teve uma criança que veio a falecer com poucos meses de vida. No registro de óbitos oficiais consta o falecimento de uma criança por traumatismo intracraniano em 2019.
A adolescente também teria ficado com uma deficiência física permanente após seguidos abusos. Ela então teria engravidado de um garimpeiro conhecido como “Pastor” e seu filho teria sido levado à cidade. “Desesperada, tirou a própria vida se enforcando”. A morte por suicídio possui lastro no registro de óbitos de 2021.
“A sequência de tragédias que marcaram a família de C. apresenta um cenário na aldeia de Aracaçá de casos generalizados de abusos e violência”, afirma a organização no comunicado. “A vulnerabilidade das pessoas da comunidade é tamanha que é bastante provável que episódios assim se repitam cotidianamente. Os fatos narrados corroboram a percepção dos Yanomami da região de Palimiu que, em 2021, relataram o receio de que vivessem uma tragédia similar à de Aracaçá, que estava levando ao desaparecimento desta comunidade”.
A região de Waikás, onde fica Aracaçá, foi a que teve o maior avanço de exploração de garimpeiros, de acordo com o relatório "Yanomami Sob Ataque", divulgado pela Hutukara em abril. Com quase metade da área degradada concentrada ali, a região registrou uma devastação de 296,18 hectares – 25% em um ano. Em 2016, estudo da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) detectou que 92,3% da população de Aracaçá estava contaminada com níveis altos de mercúrio – metal líquido extremamente tóxico usado por garimpeiros para extrair ouro.
Já existem decisões judiciais nacionais e internacionais que orientam as autoridades brasileiras a protegerem a Terra Indígena Yanomami dos invasores. Conforme salientou o advogado da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), Luiz Eloy Terena, em 2020 a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) emitiu medidas cautelares de proteção aos indígenas e, desde maio do ano passado, uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) determina a proteção integral desses povos. Também há decisão do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, de 2020, determinando a extrusão dos garimpeiros ilegais.
Segundo Eloy, um dos advogados da ação no STF, o “governo brasileiro, de forma reiterada, vem descumprindo preceitos fundamentais dos povos indígenas”. A Apib protocolou nesta quinta-feira (05/05) uma peça com vários pedidos emergenciais e a denúncia de que a cautelar deferida pelo ministro Luís Roberto Barroso, em 2021, não está sendo cumprida.
Metade das aldeias sob assédio
No documento, a Hutukara reforça os dados alarmantes que constam no relatório “Yanomami Sob Ataque” e que revelam crescimento de 46% das áreas destruídas em 2021, com um incremento anual de 1.038 hectares, atingindo um total acumulado de 3.272 hectares. “As denúncias sobre Aracaçá só podem ser compreendidas dentro desse cenário, no qual praticamente metade das aldeias da Terra Indígena Yanomami está sujeita ao assédio dos invasores”, afirma a nota da Hutukara.
A organização Yanomami defende a condução de uma apuração mais ampla e aprofundada do histórico de violências vivido pelos indígenas em Aracaçá por consequência do garimpo ilegal na Terra Indígena Yanomami.
“Por se tratar de um povo indígena que vive conforme seus costumes tradicionais e falante de sua língua ancestral, esse trabalho exige a participação continuada de especialistas com formação técnica em antropologia e com domínio da língua, e durante tempo suficiente para que os fatos sejam analisados com a profundidade que merecem”, sublinha o comunicado.
No documento, a Hutukara reforça a urgência da retirada dos garimpeiros do território para o restabelecimento do bem estar dos indígenas. “Precisamos impedir a tragédia humanitária que está se passando com os Yanomami. Queremos ver nossas famílias novamente saudáveis e em segurança. (...) Precisamos do comprometimento do poder público e do apoio da sociedade para a proteção das Terras Indígenas, da terra-floresta, e das vidas indígenas.”
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Alessandra Korap Munduruku e seu grito de alerta aos povos indígenas do Rio Negro
"Até o gosto do peixe aqui é diferente, ainda tá bom. Aqui podemos comer peixe sem preocupação. Lá na minha terra não tem mais como comer, não", alertou a liderança indígena
Alessandra Munduruku explica as agressões sofridas no seu território durante oficina em São Gabriel da Cachoeira|Juliana Radler/ISA
“Que não aconteça aqui nesse rio (Negro) tão bonito, limpo e vivo o que está acontecendo com o Tapajós, que era lindo, verdinho, e agora é barrento e contaminado pelo mercúrio”. Assim falou repetidamente aos seus parentes de 23 povos indígenas do rio Negro, Alessandra Korap, liderança Munduruku, em sua primeira visita ao município mais indígena do Brasil, São Gabriel da Cachoeira (AM), na fronteira com a Colômbia e a Venezuela, região mais preservada da Amazônia.
Ganhadora do prêmio de Direitos Humanos Robert F. Kennedy, em 2020, pela defesa do seu território, no Pará, frente às ameaças do garimpo ilegal, madeireiros e projetos do agronegócio, Alessandra participou da I Oficina Participativa de Formação Política promovida pelo Programa Rio Negro do Instituto Socioambiental (ISA), em São Gabriel da Cachoeira, nos dias 27 e 28 de abril, em parceria com a Rede Wayuri de Comunicação Indígena e com a Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (Foirn).
Assista à entrevista completa com a liderança Alessandra Munduruku no canal da Foirn
Alessandra esteve em Brasília entre 4 e 14 de abril participando do Acampamento Terra Livre (ATL), maior mobilização indígena do planeta, para alertar contra a liberação de mineração em Terra Indígena que vem sendo puxada pelo governo por meio do Projeto de lei (PL) 191. No dia 19 de abril, Korap foi convidada pela comunicadora Fátima Bernardes, da TV Globo, a expor ao grande público a defesa que vem fazendo do seu território Munduruku como presidente da Associação Indígena Pariri e vice coordenadora da Federação dos Povos Indígenas do Pará (Fepipa), que reúne 57 etnias.
Em meio a essa agenda cheia, ameaças de perseguição e morte, Alessandra – que atualmente estuda Direito na Universidade Federal do Oeste do Pará (UFOPA), em Santarém, foi ao Rio Negro dar uma aula de defesa territorial, comunicação, persistência e coragem frente às violências e invasões sofridas pelos Munduruku na terra indígena Sawré Muybu, no Pará.
“Vocês acham que eu queria estar aqui? Eu não queria ficar viajando. Eu queria ficar com meus filhos, cuidar da roça, banhar no rio, brincar, pescar. Não posso mais fazer nada disso. Isso dói. Mas, eu não vou desistir, eu vou estudar e lutar pelo meu povo contra o retrocesso, não posso me calar vendo o homem branco destruir a terra dos meus filhos. Ver outros povos sofrendo também, crianças sendo abusadas, como as Yanomami. Defender o território é defender a vida”, frisou durante debate com os diretores da Foirn, Janete Alves, do povo Desana, e Nildo Fontes, Tukano, na mesa sobre ameaças aos povos indígenas no Brasil atual.
“Em 2018 começou a entrada de invasores, em 2019 era máquina de todos os lados, os caciques saíram das aldeias, começaram a aliciar muitas lideranças e o nosso território começou a ser violado. Várias carretas, o rio sendo ocupado pelas balsas. Nossos jovens entrando no mundo da bebida, chegando em casa drogados e as moças se prostituindo”, lembrou Korap, dizendo que os caciques pediram que denunciasse e lutasse pelo povo.
Janete Desana ressalta que povos do Rio Negro são contra garimpo em Terra Indígena|Juliana Radler/ISA
O avanço do garimpo ilegal que despejou mais de 100 toneladas de mercúrio nas águas amazônicas em 2019 e 2020 também ameaça a bacia hidrográfica do Rio Negro, a maior bacia de águas pretas e mais extensa área úmida protegida do planeta. Ocorrências de garimpo ilegal cresceram nos últimos dois anos e vêm sendo denunciadas pela sociedade civil. Com a falta de fiscalização territorial dos órgãos competentes, os próprios indígenas vêm tendo que se expor em defesa do seu território, trazendo insegurança e ameaças às suas vidas, como foi colocado pelo presidente da Foirn, Marivelton Barroso, do povo Baré, durante a oficina.
Contaminando os maiores tucunarés do mundo
Projetos sustentáveis como o de pesca esportiva em Terra Indígena, iniciativa que gerou o recorde no Guineess book de maior tucunaré pescado e atrai centenas de turistas do Brasil e do mundo, estão ameaçados por conta da ação ilegal de garimpeiros e narcotraficantes, que agem associados e invadem as terras indígenas no Rio Negro. Além da destruição do meio ambiente e da fauna, a bandidagem leva o medo, ameaças e violência às comunidades indígenas em regiões remotas e até então protegidas da Amazônia, diante da inércia e negligência do Estado brasileiro.
“A garimpagem é um problema muito sério na Amazônia, que não pode ser deixado de lado. A gente não quer isso aqui. A gente aqui usufrui das nossas frutas, da nossa caça, da nossa pesca, ainda temos nossos rios limpos. Por isso, precisamos seguir nossa luta política e o fortalecimento das nossas lideranças para a melhoria e proteção das Terras Indígenas demarcadas do Rio Negro”, ressaltou a diretora e comunicadora Janete Alves, do povo Desana, que no fim deste mês irá a Haia, Holanda, receber o prêmio Estado de Direito do projeto Justiça Global, pelos trabalhos realizados pela Rede Wayuri de comunicadores indígenas no combate as fake news e defesa dos direitos indígenas.
Comunicadores indígenas do Rio Negro premiados pelo combate à desinformação|Juliana Radler/ISA
Nos tempos que a Funai existia
Também se somaram ao encontro dois ex-presidentes da Funai de tempos passados quando a Fundação Nacional do Índio ainda defendia os direitos indígenas: Márcio Santilli e João Pedro Gonçalves da Costa. O primeiro foi também deputado federal (1983-1987) e é sócio fundador do ISA, tendo participado como figura central na articulação pelos artigos 231 e 232 da Constituição Federal que colocaram os direitos indígenas na Carta Magna.
Santilli compartilhou com as lideranças indígenas as histórias de bastidores da Constituinte, algumas vividas ao lado de Mário Juruna (primeiro deputado federal indígena) e Ailton Krenak, na ocasião presidente da UNI (União das Nações Indígenas), cujo discurso histórico no dia 4 setembro de 1987 reverteu a conjuntura política anti-indígena naquela legislatura do Congresso Nacional, sendo decisivo para a aprovação dos artigos 231 e 232 da Constituição Federal de 1988 pelos parlamentares constituintes.
“A Constituição é fruto de uma briga enorme, resultado de uma negociação dura que garantiu aos índios os seus territórios e a defesa dos seus direitos. Aquela coisa de tratar os índios e os seus direitos como algo provisório acabou a partir da Constituição de 88. Isso foi a grande vitória”, lembrou Santilli.
João Pedro, também ex-senador pelo Amazonas (2007-2011), pôde dividir sua experiência na vida pública e no poder Legislativo, neste momento no qual esperamos o maior número de candidaturas indígenas já lançada na história do Brasil. No último ATL, várias mobilizações de convocação para uma bancada do cocar foram feitas, com grande disposição das mulheres indígenas em “aldearem a política” de Brasília para derrotar o lobby da mineração e a bancada ruralista. Atualmente, só existe uma parlamentar indígena, Joenia Wapichana, deputada federal por Roraima (Rede).
João Pedro, Márcio Santilli, Alessandra Munduruku e Anna Lazo no encerramento da oficina de formação política|Juliana Radler/ISA
“Formação política que motiva a estudar, pensar e refletir deve ser permanente. É preciso que a sociedade esteja organizada, a juventude, as mulheres. Por isso, é importante essa iniciativa de vocês. A Foirn, os rios, as aldeias, vocês precisam estar com o pensamento organizado para nunca aceitar a falta de liberdade e a falta de democracia”, enfatizou João Pedro, que está lançando essa semana em Manaus o livro “Nossas Utopias – A Esquerda de Manaus em 13 Atos”, pela editora Valer, na banca do Largo (em frente ao Teatro Amazonas).
Recordar é viver
Recordar, do latim re-cordis, significa voltar a passar pelo coração. A origem da palavra evoca o sentimento do encontro de João Pedro com Alessandra na oficina, ao lembrarem que foi em sua gestão na Funai, no dia 19 de abril de 2016, que foi publicado o relatório no Diário Oficial da União que delimitava a terra indígena Sawré Muybu, dando continuidade ao processo de demarcação do território de 173 mil hectares.
Na ocasião, a região sofria a pressão do setor energético para a construção da usina hidrelétrica de São Luiz do Tapajós, que previa inundar boa parte do território ocupado historicamente pelos Munduruku, inclusive alagando áreas sagradas. Com a divulgação do estudo da Funai, a construção da obra ficou mais difícil.
A oficina de formação política contou com a participação de cerca de 50 lideranças indígenas ligadas à Foirn, incluindo jovens e mulheres, com intuito de debater sobre democracia, sobre os três poderes do Estado, assim como fazer uma análise conjuntural sobre as principais ameaças aos direitos indígenas e à jovem democracia brasileira, com foco especial no debate eleitoral, fake news e a importância da imprensa livre.
Na conclusão do evento, os participantes fizeram uma exposição sobre suas reflexões em relação à democracia, à proteção de seus direitos e territórios, assim como sobre o combate às notícias falsas e desinformação. “Informar, consultar, dialogar e só assim decidir. Isso é democracia. Uma liderança não pode decidir sozinha. E temos que colocar em prática os nossos protocolos de consulta”, concluiu Max Tukano, liderança e ex-presidente da Coiab (Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira), durante as apresentações finais.
Max Tukano defendeu protocolos de consulta e diálogo com os povos indígenas|Juliana Radler/ISA
A Rede Wayuri participou da formação e fez a cobertura da oficina. Quem quiser saber um pouco mais sobre a atividade pode escutar o podcast Wayuri dessa semana pelo Spotify da rede, eleita como um dos 30 herois globais da informação mundial pelos Repórteres Sem Fronteiras. Todo o evento foi gravado pela Rede Wayuri para posterior circulação para as comunidades e transcrição dos debates.
Juliana Radler é articuladora de políticas socioambientais do Programa Rio Negro e organizadora da oficina
Alessandra Korap explica os danos em seu território para os povos do Rio Negro|Juliana Radler/ISA
Presença de jovens lideranças marcou a I oficina de formação política, em São Gabriel da Cachoeira|Juliana Radler/ISA
Larissa Duarte, do povo Tukano, sugeriu esclarecer sobre fake news nas escolas indígenas|Juliana Radler/ISA
Lideranças do Médio Rio Negro debatem democracia e direitos indígenas|Juliana Radler/ISA
Dadá Baniwa, da Foirn, e Dulce Morais, do ISA, pontuaram importância da liberdade de expressão e da soberania popular numa democracia|Juliana Radler;ISA
Anacleto Desana comenta sobre atuação do Exército na fronteira|Juliana Radler/ISA
Cerca de 50 lideranças indígenas participaram da I Oficina Participativa de Formação Política|Juliana Radler/ISA
Rosilda Cordeiro, do povo Tukano, uma das primeiras coordenadoras do departamento de mulheres da Foirn debateu democracia|Juliana Radler/ISA
Diretor da Foirn, Dário Baniwa, fez crítica ao capitalismo predatório|Juliana Radler/ISA
Nildo Fontes Tukano e Márcio Santilli, sócio fundador do ISA, durante oficina de formação política|Juliana Radler/ISA
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