Em reunião com sociedade civil e Frente Parlamentar Ambientalista, Presidente da Câmara se comprometeu a ouvir todos os lados interessados “sem atropelo”

Nesta terça (27), o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), disse que não vai pautar imediatamente o Projeto de Lei (PL) 2.159/2021. A proposta implode o sistema de licenciamento ambiental como é conhecido hoje no país, e passou no plenário do Senado na quarta-feira da semana passada (21).
Depois de aprovar o projeto original em 2021, os deputados terão agora a palavra final sobre o assunto. Em seguida, o PL segue para sanção ou veto presidencial. O receio dos ambientalistas era que a proposta fosse pautada logo nas próximas semanas, sob a pressão dos ruralistas.
Motta informou que pretende ouvir todas as partes interessadas, a exemplo de ambientalistas, ruralistas e governo, “sem atropelo”. Comentou também que não conhece a proposta vinda do Senado e que ainda vai avaliá-la. Ele acrescentou que o tema é “difícil” e de “grande importância”, e que o PL ainda não tem um relator de plenário definido.
“Esse projeto demorou dois anos para ser votado na Câmara, demorou dois anos no Senado. Não vou colocar para votar em dois dias”, disse. O PL começou a tramitar na Câmara em 2004, mas sua discussão de fato esquentou no governo de Jair Bolsonaro. Em 2021, os ruralistas acabaram aprovando a toque de caixa, sem nenhum debate público, uma redação considerada a pior e mais radical já discutida no Congresso.
Motta informou que, em função da realização no Congresso do 11º Fórum Parlamentar do BRICS, entre terça e quinta da semana que vem, o plenário da Câmara deve ter sessões só na segunda (2/6). Portanto, em todo caso não haveria tempo hábil para a votação nesse período.
O deputado fez as afirmações em uma reunião com a Frente Parlamentar Ambientalista, redes e organizações da sociedade civil, entre elas o Observatório do Clima (OC) e o Instituto Socioambiental (ISA).

Judicialização e acordos internacionais
Na conversa, parlamentares e ambientalistas reforçaram que, se for aprovado como está, o projeto vai provocar a judicialização tanto de uma eventual nova lei quanto de obras e atividades econômicas licenciadas sob sua vigência. Além disso, deve prejudicar a imagem do país e dificultar a conclusão de acordos internacionais, a exemplo do tratado entre Mercosul e União Europeia.
“O alto grau de inconstitucionalidade e ilegalidades presentes no projeto torna impossível a sua aplicação”, avalia a advogada do ISA Alice Dandara de Assis Correia. “Se aprovado como se encontra, teremos a judicialização de seu texto como um todo, e também de todos os procedimentos licenciados a partir de seus regramentos, o que causaria um ônus tanto ao Judiciário quanto ao Executivo, bem como a paralisação de obras de interesse do governo”, complementa.
Parlamentares e ambientalistas salientaram também que a redação atual do projeto não é passível de ser emendada, em função da gravidade e da amplitude dos retrocessos previstos no texto. E que seria necessário elaborar e debater uma nova proposta.
“Não é possível consertar esse relatório”, frisou o presidente da Frente Parlamentar Ambientalista, Nilto Tatto (PT-SP). Ele propôs a Motta que o assunto fosse levado ao comitê do Pacto pela Transformação Ecológica, assinado pelos presidentes dos três Poderes da República em agosto.
“A ideia é remeter o assunto a esse comitê de alto nível para buscar uma saída do ponto de vista legislativo, mas que abra um processo para a gente construir um novo projeto, um novo texto”, explicou Tatto após o encontro. Essa nova proposta pré-negociada com as cúpulas do Executivo, do Legislativo e do Judiciário seria enviada então ao Congresso, inclusive considerando as decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre o tema.
A mobilização popular contra o projeto, apelidado de “PL da Devastação”, escalou nas últimas semanas. Até a cantora Anitta fez um post sobre o assunto na segunda (26). A artista tem mais de 64 milhões de seguidores só no Instagram. Segundo uma análise da consultoria Quaest, entre 15 e 27 de maio o assunto chegou a mais de 58 milhões de pessoas nas redes sociais, sendo que 49% das menções ao projeto foram negativas e apenas 12%, positivas. Nesse cenário, também não interessa a Motta pautar o projeto imediatamente.

Retrocesso
Se for convertido em lei, o PL será o maior retrocesso ambiental desde a Constituição, na avaliação de ambientalistas e especialistas. O texto prevê a isenção de licenças para alguns empreendimentos e setores econômicos, como a agropecuária; confere a estados e municípios o poder de conceder mais dispensas; e generaliza a Licença por Adesão e Compromisso (LAC), um licenciamento autodeclaratório e automático, sem análise prévia ou controle de órgão ambiental.
O Supremo Tribunal Federal (STF) já têm decisões contra esses dispositivos, mas isso está sendo ignorado pela maioria do Congresso. Há risco, portanto, de uma eventual nova lei ser questionada na Corte.
O PL também ameaça terras indígenas e territórios quilombolas ao considerar apenas as áreas com regularização já concluída para efeito do licenciamento ambiental de empreendimentos e atividades econômicas que possam afetá-las.
O Senado conseguiu piorar o texto da Câmara, ao incluir em sua redação final, dispositivos que abrem caminho para o desmatamento na Mata Atlântica, o bioma mais ameaçado do país, e a simplificação e aceleração do licenciamento de atividades de alto impacto ambiental, como a mineração e a exploração de petróleo (saiba mais no quadro abaixo).
Quais os principais pontos do novo relatório do PL do Licenciamento e suas consequências?
Licença especial. A proposta estabelece um rito simplificado para “atividades ou empreendimento estratégicos” definidos pelo Conselho de Governo, ainda que a iniciativa "seja utilizadora de recursos ambientais, efetiva ou potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente". O texto diz que o rol dessas atividades será definido por decreto posterior. Com a medida, qualquer autoridade licenciadora poderia conceder a LAE mediante condicionantes determinadas por ela própria.
Mata Altântica. Na prática, a proposta desmonta a Lei da Mata Atlântica ao permitir que áreas de mata primária, secundária e em estágio médio de regeneração sejam suprimidas sem a anuência dos órgãos ambientais federal e estaduais. A competência ficaria a cargo dos órgãos municipais, sempre menos estruturados e mais vulneráveis a pressões políticas e econômicas.
Autolicenciamento. A Licença por Adesão e Compromisso (LAC), pela qual qualquer pessoa consegue automaticamente a licença ambiental preenchendo um formulário na internet, torna-se a regra, e o licenciamento convencional, com análise prévia do órgão ambiental, a exceção. O problema é que a autorização não vai valer apenas para empreendimentos de pequeno porte e potencial poluidor, mas também para os de médio porte e potencial poluidor.
Dispensa de licenças. A proposta concede de antemão isenção de licenciamento para 13 atividades e empreendimentos econômicos, como agricultura, pecuária, “manutenção e ao melhoramento da infraestrutura em instalações preexistentes”, sistemas e estações de tratamento de água e de esgoto sanitário.
Estados e municípios. A proposta concede poder quase ilimitado para esses entes da Federação criarem sua própria lista de isenções de licenciamento. Isso pode gerar confusão regulatória, insegurança jurídica e uma “guerra ambiental” entre quem libera mais e flexibiliza mais para atrair investimentos.
Áreas protegidas. Terras Indígenas e territórios quilombolas cuja regularização não foi concluída não seriam consideradas para efeitos do licenciamento de empreendimentos e atividades econômicas que os impactem. As Unidades de Conservação só serão consideradas se o impacto for direto. No caso dos quilombos, mais de 96% das comunidades não seriam levadas em consideração para impactos de licenciamento, pois não contam com seus territórios titulados. Cerca de 40% dos territórios indígenas podem ser afetados.
Condicionantes. O PL pretende isentar empreendimentos privados de cumprir as chamadas “condicionantes ambientais”, jogando a conta dos seus impactos para a população e os cofres públicos. As condicionantes previstas no licenciamento são as obrigações de prevenção, redução e reparação de impactos socioambientais.
Renovação automática. O PL permite a qualquer pessoa interessada renovar automaticamente sua licença apenas preenchendo uma declaração na internet, sem nenhuma análise dos órgãos ambientais. Se as condicionantes não forem cumpridas, o empreendedor não precisa dar satisfação a ninguém.
Bancos. O PL impede que os bancos sejam punidos por crimes e danos ambientais cometidos por empreendimentos e empresas que eles financiam. Isso ameaça a norma que proibiu crédito bancário para desmatadores.