Enciclopédia Povos Indígenas no Brasil é destaque em evento na Universidade de São Paulo
Encontro celebrou os dez anos da Enciclopédia de Antropologia e a trajetória de três projetos de enciclopédias digitais na preservação e difusão do conhecimento
Para celebrar os dez anos da Enciclopédia de Antropologia (EA) do Departamento de Antropologia da Universidade de São Paulo (USP), no dia 29 de maio, foi realizada a mesa-redonda Enciclopédias digitais em ação: artesanias, tecnologias, colaborações. O evento, organizado pelo Laboratório Etnográfico de Estudos Tecnológicos e Digitais (Letec) da USP, destacou três experiências de enciclopédias digitais para uma troca sobre a produção destes projetos – a Enciclopédia Povos Indígenas no Brasil, do Instituto Socioambiental (ISA), foi uma delas juntamente com a Bérose, encyclopédie internationale des histoires de l’anthropologie e a Wikipedia.
Na mesa, estiveram presentes as professoras Fernanda A. Peixoto (USP) e Carolina Parreiras (LETEC/USP), além dos pesquisadores André S. Bailão (EA);Tatiane M. Klein (PIB/ISA); e Isabela Tosta (Labjor/Unicamp). Sediado na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP, o debate abordou as diferentes formas de produzir, a autoria e produção coletiva dos verbetes, os usos e as transformações enfrentadas pelos projetos ao longo do tempo e as novas tecnologias de inteligência artificial.
Online desde 1997, a Enciclopédia dos Povos Indígenas no Brasil é um projeto pioneiro que disponibiliza informações sobre os povos e a temática indígena em mais de 220 verbetes escritos por diversos colaboradores, não indígenas e indígenas. Tatiane Klein, atual editora responsável, resgatou a história do projeto que, segundo ela, tem rastros analógicos que datam mais de 40 anos atrás e envolvem um trabalho feito por várias pessoas ao longo dos anos, sob os auspícios de seus criadores: Beto Ricardo e Fany Ricardo, antropóloga que também esteve presente no evento.
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Participantes da mesa-redonda "Enciclopédias digitais em ação: artesanias, tecnologias, colaborações", assistem ao trailer de “Mapear Mundos”|Mariana Soares/ISA
Parte dessa história é contada no longa-metragem ‘Mapear Mundos’, cujo trailer foi exibido durante a mesa-redonda. O filme, a partir de imagens e vídeos do acervo histórico do ISA e testemunhos, retrata a trajetória dessa pesquisa-movimento sobre o Brasil indígena, além da luta travada pelos fundadores do ISA e por povos e organizações indígenas, como a Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (FOIRN), pela garantia dos direitos indígenas na Constituição de 1988.
Tatiane Klein conta que, no período entre o fim da ditadura militar e a redemocratização do país, as informações sobre povos indígenas e suas terras eram escassas, o que levou Fany e Beto Ricardo a construírem uma rede de pessoas colaboradoras, que respondiam fichas de levantamento com os dados sobre as comunidades que visitavam.
Esses dados reunidos pelo Centro Ecumênico de Documentação e Informação (Cedi) deram origem a uma série de publicações impressas que apresentavam os povos indígenas por áreas culturais, e o Aconteceu, que mais tarde seria continuada pelo ISA, com a série de livros Povos Indígenas no Brasil. Acesse todas as edições aqui!
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Ficha de levantamento para registro das informações sobre a situação do povo Aweti, enviada em 1983 ao Centro Ecumênico de Documentação e Informação (CEDI) pela professora Mariana Kawall Leal Ferreira. Fonte: Acervo ISA
“De certa forma, esse projeto de pesquisa tão longevo articula a academia, a sociedade civil, organizações indígenas, movimento indígena e hoje pesquisadores indígenas que estão na universidade num grande objetivo de ‘colocar os povos indígenas no mapa’”, afirmou, citando a frase cunhada por Beto Ricardo nos anos 1980.
Tatiane lembra que, em 2027, o site completará 30 anos: “Esperamos seguir construindo soluções colaborativas que ajudem a promover a autoria indígena e a responder às novas configurações da nossa rede de colaboradores”, finalizou.
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Primeira versão do site Povos Indígenas no Brasil que foi ao ar em 1997. Fonte: Acervo ISA
Projetos em diálogo
A Enciclopédia de Antropologia, que organizou a mesa-redonda em comemoração ao seu décimo aniversário, é um projeto criado pelo Departamento de Antropologia da USP que conta com verbetes sobre autores, obras, conceitos, correntes, subcampos e instituições da Antropologia. Sua criação aconteceu a partir de uma discussão coletiva entre alunos e professores de transformar os trabalhos finais em verbetes disponíveis para o grande público.
“Ela tem essa cara da sala de aula, que está sempre se transformando a partir das ideias que são discutidas na sala de aula, dos autores e textos que estão sendo lidos conjuntamente, a partir dos próprios temas de pesquisa das pessoas. Então ela não tem exatamente aquela cara de enciclopédia clássica em que se fazia uma encomenda de assuntos que eram considerados obrigatórios pelos editores e coordenadores das enciclopédias” explicou André Bailão, antropólogo e um dos coordenadores do projeto.
A professora Fernanda A. Peixoto, que também coordena o projeto e integra a enciclopédia Bérose, destaca que a EA funciona como uma espécie de ateliê de escrita. “Para os nossos alunos treinarem também uma nova modalidade de escrita e pensarem para quem eles estão escrevendo. Então tem caráter de formação do autor e da autora”.
Segundo a docente, a Bérose, por sua vez, é um projeto de origem francesa que tem buscado uma alcançar uma face mais mundial e principalmente fazer “proliferar histórias da antropologia, com uma ideia de mapeamento do que se faz Japão, na Itália, na Espanha, no Brasil, nos países europeus”, exemplifica. “Ela encomenda textos, mas recebem também colaborações voluntárias de autores que estejam interessados nas histórias das antropologias”, completa.
Isabela Tosta, do Labjor/Unicamp, trouxe à mesa de debate a experiência com a Editatona Antropológica, uma oficina de criação e edição de verbetes de antropologia na Wikipédia – uma enciclopédia online colaborativa em que qualquer pessoa pode criar uma conta e editar. “E nisso reside seu grande poder, porque ela atende à democratização de conhecimento”, destaca.
Coordenada pela professora Carolina Parreiras, essa Editatona aconteceu em novembro de 2024 e enfocou os trabalhos na construção e aprimoramento de verbetes de mulheres antropólogas – pouco representadas entre os conteúdos sobre pesquisadores da área. Ela explica que a motivação era, além de criar conteúdos que sejam ao mesmo tempo acadêmicos e acessíveis ao grande público, “a ideia era tentar colocar encontrar quais são os silêncios, quais são os verbetes que faltam, quais são as categorias que não estão compreendidas ali, de forma que os alunos pudessem compreender como determinados marcadores sociais não são tão contemplados na criação dos verbetes”.
Segundo as pesquisadoras, a oficina foi um grande sucesso, porque as pessoas estavam interessadas em contribuir para a distribuição de conhecimento e para a criação, melhora e a tradução de páginas de conteúdos sobre essas mulheres antropólogas. Como resultado, foram produzidos os verbetes materiais com licenças livres, que os leitores podem ler, compartilhar, copiar ou modificar os conteúdos livremente.
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Da esquerda para a direita: Fernanda Peixoto, André Bailão, Carolina Parreiras, Isabela Tosta e Tatiane Klein (PIB/ISA) durante a mesa-redonda|Mariana Soares/ISA
“Eu acho muito importante trazer isso à tona porque são iniciativas que não visam lucro, que não visam algoritmização. Então, a gente está na contra-mão da produção de conhecimento e de como ele vem sendo colocado na nossa contemporaneidade”, defendeu Isabela Tosta.
Sobre o uso da inteligência artificial, Carolina Parreiras trouxe reflexões sobre a possibilidade de que os verbetes disponibilizados na Wikipedia, por exemplo, sirvam como base de dados para treinamento dos modelos de inteligência artificial, ajudando a combater a questão dos vieses de gênero e raça. “A gente tem um problema não só no modelo de programação das plataformas, mas também nas bases de dados que temos acessíveis, inclusive para criar conhecimento e com a inteligência artificial, isso é potencializado”, apontou.
O evento também contou com a participação da Enciclopédia Itaú Cultural e com a presença do público da XIX Semana de Ciências Sociais da USP, "Ciências sociais: para quem? Trajetória, currículo e realidade no Brasil", que aconteceu entre os dias 26 e 30 de maio de 2025.
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Senado aprova projeto que desestrutura demarcação de Terras Indígenas
PDL 717/2024 revoga dispositivo central do Decreto nº 1.775/1996 e anula homologações das TIs Toldo Imbu e Morro dos Cavalos, em SC
O Plenário do Senado Federal aprovou, nesta quarta-feira (28/05), o Projeto de Decreto Legislativo (PDL) 717/2024, que desmonta o atual modelo de demarcação de Terras Indígenas (TIs) no país. A proposta revoga o artigo 2º do Decreto nº 1.775/1996, norma central que regulamenta os procedimentos administrativos de demarcação de TIs. O projeto também suspende os decretos presidenciais de homologação de duas TIs em Santa Catarina: Toldo Imbu, do povo Kaingang e localizada em Abelardo Luz, e Morro dos Cavalos, do povo Guarani, em Palhoça. Ambas são reconhecidas pelo Estado brasileiro há mais de uma década – tendo sido homologadas pela presidência da República em dezembro de 2024, após anos de mobilização indígena.
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No dia 11 de janeiro de 2025, aconteceu a cerimônia de comemoração da homologação da Terra Indígena Morro dos Cavalos|Mre Gavião/MPI
O texto foi aprovado em votação simbólica no plenário poucas horas após ter sido aprovado pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Casa, também nesta quarta. A proposta agora segue para análise na Câmara dos Deputados e acentua a preocupação de organizações indígenas e da sociedade civil. A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) alertou que a medida representa grave violação dos direitos constitucionais dos povos indígenas e pode abrir um precedente perigoso, ameaçando o conjunto das demarcações em curso no país.
Na CCJ, a votação foi igualmente simbólica e apenas os senadores Rogério Carvalho (PT-SE) e Zenaide Maia (PSD-RN) votaram contra o projeto. No plenário, a proposta foi aprovada sem qualquer debate e contou com apoio de integrantes da base do governo. Recebeu manifestação contrária de apenas três parlamentares: o líder do governo no Senado, Jaques Wagner (PT-BA); o líder do governo no Congresso, Randolfe Rodrigues (PT-AP); e novamente Rogério Carvalho.
“Os parlamentares precisam lembrar que existe uma Constituição neste país. É dever deles respeitá-la”, afirma Dinamam Tuxá, coordenador executivo da Apib. “E o governo, se diz que está com os povos indígenas, precisa se comprometer de verdade e enfrentar com firmeza essa agenda anti-indígena que avança no Senado e na Câmara”.
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Dinamam Tuxá, da Coordenação Executiva da Apib, fala em plenária no Acampamento Terra Livre de 2024|Lucas Landau/ISA
A suspensão do Decreto 1.775/1996 compromete diretamente os estudos técnicos e jurídicos fundamentais para a delimitação de Terras Indígenas, como o Relatório Circunstanciado de Identificação e Delimitação (RCID). Esse relatório é elaborado por grupos técnicos, compostos por especialistas e servidores da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), com base em estudos antropológicos, etno-históricos, ambientais e fundiários. A suspensão desse dispositivo esvazia a base legal que estrutura os procedimentos demarcatórios, paralisando os trabalhos em andamento e criando um vácuo normativo sem precedentes.
“Com a suspensão do decreto, os procedimentos demarcatórios ficam paralisados até que novo regramento venha a existir”, afirma Alice Dandara de Assis Correia, advogada do Instituto Socioambiental (ISA). “O Senado está empreendendo uma ofensiva para suprimir os direitos territoriais dos povos indígenas e ampliar a insegurança jurídica, abrindo espaço para a perenização dos conflitos ali existentes.”
Correia reforça que o PDL vai além do que a Constituição permite. Pela regra, esse tipo de projeto só pode anular atos do governo federal quando eles ultrapassam os limites definidos por lei — ou seja, quando o Executivo exagera no uso de seu poder para regulamentar assuntos. Mas, neste caso, os decretos que homologam Terras Indígenas não criam novas regras nem extrapolam esse poder. Eles apenas confirmam decisões administrativas já tomadas com base na legislação vigente. "Por isso, o PDL não só fere a legalidade, como também distorce a função para a qual esse tipo de projeto foi criado", explica.
A proposta foi aprovada pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) e levada ao plenário no mesmo dia, em um trâmite acelerado e incomum. Mesmo sem a presença do relator designado, senador Alessandro Vieira (MDB-SE), o projeto foi mantido em pauta. O parecer de Vieira, que propunha suspender apenas o artigo do decreto, foi rejeitado. Em seu lugar, foi aprovado o voto em separado do senador Sérgio Moro (União-PR), que acolheu integralmente a proposta do senador Esperidião Amin (PP-SC), autor do PDL, incluindo a anulação das homologações das duas TIs.
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Projeto de Decreto Legislativo (PDL) foi mantido em pauta mesmo sem a presença do relator designado, senador Alessandro Vieira (MDB-SE)|Pedro França/Agência Senado
A Apib enfatiza que as terras afetadas foram reconhecidas após longos e rigorosos processos administrativos, baseados em marcos legais consolidados. As duas Terras Indígenas foram objeto de Portarias Declaratórias emitidas pelo Ministério da Justiça — a de Toldo Imbu em 2007 (Portaria nº 793) e a de Morro dos Cavalos em 2008 (Portaria nº 771). Esses atos administrativos são etapas decisivas do processo demarcatório e confirmam o reconhecimento oficial da ocupação tradicional dos povos indígenas sobre essas áreas. Ambos os processos ocorreram com base na legislação em vigor à época, sobretudo o Decreto nº 1.775/1996.
Desde então, as comunidades aguardavam a homologação por decreto presidencial, o que só foi efetivado em 2024. “A tentativa de anular essas homologações com base na Lei nº 14.701/2023 — sancionada, durante esse período de espera — ignora o fato de que os procedimentos legais já haviam sido concluídos dentro da legalidade anterior”, afirma Diogo Rosa Souza, advogado do Instituto Socioambiental (ISA).
Na CCJ, a revogação das demarcações se deu sob o argumento de que estão em desacordo com a Lei do Marco Temporal (Lei 14.701), aprovada pelo Congresso Nacional em 2023. O líder do governo no Senado, Jaques Wagner (PT-BA), criticou a proposta, ressaltando que os processos de demarcação das terras em questão são anteriores à legislação do marco temporal e que os decretos foram assinados no final do ano passado, após longos processos administrativos iniciados nos anos 1990.
A lei estabelece que apenas as terras ocupadas por indígenas na data da promulgação da Constituição Federal, em 5 de outubro de 1988, podem ser demarcadas. No entanto, sua constitucionalidade está sendo questionada novamente no Supremo Tribunal Federal (STF), que em setembro de 2023 declarou a tese inconstitucional. Uma mesa de conciliação está em curso no STF para debater o tema. Proposta por Gilmar Mendes, relator do caso, a conciliação segue sem a participação da Apib, que se retirou dos debates depois que seu pedido de suspensão da Lei 14.701 foi ignorado por Mendes.
Para Dinamam Tuxá, coordenador executivo da Apib, a aprovação do PDL representa uma afronta direta à Constituição Federal. “O processo de homologação dessas terras seguiu todos os trâmites legais, de acordo com o Decreto 1.775 e com a própria Constituição. Não há justificativa jurídica para essa suspensão”.
Tuxá afirma que o PDL fomenta a insegurança jurídica e a violência nos territórios. Ele alerta para o avanço de uma ofensiva legislativa articulada por setores conservadores e ruralistas. “O Congresso Nacional vem atuando com força para desmontar não só os direitos dos povos indígenas, mas também toda a política ambiental. É uma estratégia maldosa, promovida principalmente pelo agronegócio e por aqueles que querem o fim dos povos indígenas.”.
Em nota, o Ministério dos Povos Indígenas (MPI) manifestou preocupação com as últimas ações do Senado e reiterou que os decretos homologatórios das duas TIs são fruto de um trabalho técnico criterioso e amplamente fundamentado, conduzido pela Funai, órgão vinculado ao MPI. “Tal ato administrativo representa a materialização de um direito originário e imprescritível dos povos indígenas, reafirmando o compromisso constitucional do Estado brasileiro com a justiça histórica e a segurança jurídica do procedimento demarcatório de territórios indígenas”, afirma a nota.
Decreto 1.775/1996
Núcleo central dos procedimentos de demarcação de Terras Indígenas, o art. 2º do Decreto nº 1.775/1996 prevê a realização de estudos antropológicos de identificação, que terá como resultado o Relatório Circunstanciado de Identificação e Delimitação (RCID).
O artigo também determina a participação de grupo técnico especializado, idealmente composto por servidores do quadro funcional da Funai, com o objetivo de realizar estudos de natureza etno-histórica, sociológica, jurídica, cartográfica, ambiental e o levantamento fundiário necessários à delimitação, que comporão o RCID. Também o dispositivo garante a participação do grupo indígena envolvido em todas as fases do procedimento administrativo.
O procedimento, como se encontra, tem prazos, datas e a garantia de sua realização por técnicos e servidores dos órgãos responsáveis, com qualificação profissional para a produção dos estudos necessários para a sua declaração. Também é cabível aos estados e municípios e demais interessados se manifestarem sobre as demarcações, dentro do prazo ali estipulado.
A suspensão desses procedimentos afeta os trabalhos em andamento pela Funai e cria um vazio legislativo sobre a forma, o método e os prazos para esses procedimentos administrativos se realizarem. Paralisaria assim, o trabalho do órgão.
Ao todo, no Brasil, das 809 Terras Indígenas, 518 estão com processo de demarcação finalizado e 291 estão com processo incompleto: 167 estão em estudos para identificação; 36 já tiveram seus estudos de identificação aprovados pela Funai; enquanto 68 tiveram suas portarias de declaração assinadas pelo Ministério da Justiça estão aguardando homologação presidencial; e 20 são Reservas Indígenas em processo de regularização.
Terra Indígena Morro dos Cavalos
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Guarani da Terra Indígena Morro dos Cavalos (SC) participam de ato em Brasília|Isadora Favero/ISA
A Terra Indígena Morro dos Cavalos está situada no município de Palhoça (SC), com uma população de 343 pessoas, segundo dados do Censo 2022. A TI foi homologada pelo presidente Lula em dezembro de 2024, após mais de 30 anos de espera.
Com 1.983 hectares, parte da área é sobreposta ao Parque Estadual (PES) Serra do Tabuleiro. Território tradicional dos povos Guarani Mbya e Guarani Ñandeva, registros históricos confirmam a presença dessas comunidades na região do Morro dos Cavalos desde o século XVII.
O Relatório Circunstanciado de Identificação e Delimitação (RCID), aprovado pela Funai em 2002, aponta a construção da rodovia BR-101 como propulsora das invasões ao território guarani. O relatório destaca ainda a criação do PES Serra do Tabuleiro, em 1975, como outro vetor importante de conflitos fundiários na região que estão presentes até os dias atuais.
Terra Indígena Toldo Imbu
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Kaingang da Terra Indígena Toldo Imbu na III Marcha das Mulheres Indígenas|Webert da Cruz Elias/ISA
Localizada no município de Abelardo Luz (SC), a Terra Indígena Toldo Imbu é de ocupação tradicional do povo Kaingang. Segundo o Censo 2022, a população é de 393 pessoas.
A área declarada com 1.970 hectares é apenas uma parcela do território inicialmente destinado aos Kaingang. Em 1902, um decreto estadual do Paraná reservou uma área de 50 mil hectares como pagamento pelo trabalho realizado na instalação de linhas elétricas. No entanto, quinze anos depois, a promulgação da Lei estadual nº 1,147, transferiu parte da TI para jurisdição do governo de Santa Catarina, que destinou o território para não indígenas.
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Prêmio Jornalístico Vladimir Herzog de Anistia e Direitos Humanos abre inscrições para sua 47ª edição
Período vai de 10/5 a 10/6 e vencedores serão anunciados em 7/10, com julgamento público e transmissão ao vivo
As inscrições para a 47ª edição do Prêmio Jornalístico Vladimir Herzog de Anistia e Direitos Humanos estão abertas de 10 de maio a 10 de junho de 2025. O mais tradicional prêmio da imprensa brasileira reconhece jornalistas, repórteres fotográficos, escritores e artistas do traço que, por meio do trabalho cotidiano, defendem a democracia, a justiça e os direitos humanos.
Em caráter extraordinário, como forma de marcar os 50 anos do assassinato de Vlado, patrono do Prêmio, e destacar pautas que tratam da política nacional, ataques ao Estado democrático de direito e formas com que as instituições brasileiras, em todas as esferas, estão atuando na defesa de nossa Democracia, a Comissão Organizadora instituiu neste ano uma nova categoria de premiação.
A Categoria Extra: Defesa da Democracia aceita inscrição individual ou em equipe, limitada a apenas um trabalho por autor ou equipe de autores, produzido entre 8 de janeiro de 2023 e 23 de setembro de 2025. Para esta categoria serão aceitas inscrições até às 18h do dia 23 de setembro de 2025.
Os interessados podem acessar o site www.premiovladimirherzog.org e conferir o Regulamento das sete categorias tradicionais (texto, vídeo, áudio, multimídia, foto, arte e livro reportagem) e as regras específicas da categoria Extra ( modalidades texto, vídeo, áudio, multimídia, foto e arte).
Comissão organizadora e promotora
Desde a sua primeira edição, concedida em 1979, o Prêmio Jornalístico Vladimir Herzog presta homenagem a personalidades e profissionais da comunicação que se destacam na promoção dos direitos humanos fundamentais e celebra a vida e obra do jornalista Vladimir Herzog, torturado e assassinado pela ditadura civil-militar no dia 25 de outubro de 1975 nas dependências do DOI-CODI (Destacamento de Operações de Informações do Centro de Operações de Defesa Interna), em São Paulo.
Desde 2023, na histórica edição de 45 anos, a premiação passou a ser organizada pelo Instituto Prêmio Vladimir Herzog, associação civil de direito privado, sem fins lucrativos ou político-partidários, fundada em novembro de 2022, em São Paulo. A entidade reúne 18 instituições da sociedade civil, além da família Herzog: Associação Brasileira de Imprensa (ABI); Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (ABRAJI); Associação Brasileira de Pesquisadores em Jornalismo ( ABPJor); Artigo 19; Comissão Justiça e Paz da Arquidiocese de São Paulo; Conectas Direitos Humanos; Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA/USP); Federação Nacional dos Jornalistas (FENAJ); Geledés; Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB Nacional); Instituto Vladimir Herzog, Instituto Socioambiental (ISA); Ordem dos Advogados do Brasil – Secção São Paulo; Ouvidoria da Polícia do Estado de São Paulo; Periferia em Movimento; Sindicato dos Jornalistas Profissionais no Estado de São Paulo; Sociedade Brasileira dos Estudos Interdisciplinares da Comunicação (Intercom) e União Brasileira de Escritores (UBE).
Integrantes da Fneei pedem o reconhecimento das histórias, saberes e territórios indígenas nos currículos escolares|Oziel Ticuna/FNEEI
“Professora, professor indígena, pessoa educadora, você trabalha com formações sobre a Lei 11.645? Se sim, o Fórum Nacional de Educação Escolar Indígena, o Instituto Socioambiental (ISA) e o Instituto Alana querem te conhecer!”.
No dia 14/04, o Fórum Nacional de Educação Escolar Indígena, o ISA e o Instituto Alana, lançaram um levantamento sobre a aplicação da Lei 11.645, de 2008, a medida que torna obrigatório o ensino de histórias e da sociodiversidade indígena, africana e afro-brasileira no currículo nacional.
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Da esquerda para a direita: Martinha Guajajara, professora e pesquisadora tentehar; Luma Prado, do ISA; e Paula Mendonça, assessora pedagógica no Instituto Alana durante o ATL 2025|Oziel Ticuna/FNEEI
Apesar de aprovada há quase 18 anos, a Lei 11.645 segue ainda sem uma efetiva aplicação nas escolas, principalmente no que se refere à abordagem da questão indígena. Diante deste cenário, as três organizações desenvolveram a iniciativa que busca diagnosticar o importante papel dos educadores indígenas na plena consolidação da normativa, com o objetivo de entender as potências e fragilidades dessa atuação, identificando quem são, onde estão e como trabalham os professores indígenas que realizam formações com professores não-indígenas. Clique aqui para acessar o formulário.
Para Luma Prado, pesquisadora e articuladora no ISA, “a Lei 11.645, de 2008, é uma medida de reparação histórica e justiça curricular. É um direito de todas as crianças e jovens brasileiros conhecer e aprender com as múltiplas e milenares histórias e saberes indígenas, ainda mais em tempos de crise climática. E os professores indígenas têm um papel-chave nesse processo, pois podem articular as inovações pedagógicas da educação escolar indígena com os desafios de apresentar esses conteúdos nas salas de aula de todo o país”.
O convite, feito em primeira mão aos professores indígenas durante o 21º Acampamento Terra Livre, sucede a formulação conjunta da nota técnica “Lei 11.645/08: Ensino de História e Cultura Indígena”, lançada em dezembro de 2024, durante Encontro Nacional de Educação Escolar Indígena, em Brasília.
O documento, pensado pelas três instituições, apresenta uma análise sobre os avanços e os entraves enfrentados desde a promulgação da lei, incluindo um breve histórico que antecede a criação da normativa, além de avaliar o parecer do Conselho Nacional de Educação a respeito da sua aplicação.
A publicação aponta ainda que, embora haja dados relativos às Leis 10.639/2003 e 11.645/2008, não há no momento distinções nítidas sobre a implementação da matriz indígena. “Fica evidente que há um longo caminho para sua plena consolidação na política educacional brasileira”, afirma a nota.
Para avançar na implementação desta Lei que é central no combate ao racismo contra povos indígenas, as principais recomendações trazidas na nota são: a formulação de Diretrizes Curriculares específicas para a matriz indígena; a presença de representantes indígenas nos conselhos de educação em todas as esferas; a produção e distribuição de materiais didáticos com autoria indígena; a formação continuada de educadores sobre a Lei; e a construção de um plano nacional específico para sua implementação. Acesse a nota técnica na íntegra aqui.
Sobre o Fórum Nacional de Educação Escolar Indígena (FNEEI)
O Fórum Nacional de Educação Escolar Indígena (FNEEI) é um espaço de diálogo e articulação entre lideranças indígenas, educadores e o Estado, em defesa de uma educação escolar indígena específica, diferenciada e intercultural. Criado em 2015, o Fórum atua na promoção de políticas públicas que valorizem os saberes tradicionais, as línguas e os territórios indígenas, conforme previsto na Constituição e no Plano Nacional de Educação, reafirmando seu papel de resistência frente aos retrocessos nos direitos dos povos indígenas.
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No Dia dos Povos Indígenas, celebridades se mobilizam pela demarcação de terras
Campanha "Brasil Indígena, Terra Demarcada" destaca papel dos povos indígenas na preservação ambiental e defende direitos previstos na Constituição
Em ação pelo Dia dos Povos Indígenas, neste 19 de abril, a campanha "Brasil Indígena, Terra Demarcada" lança um vídeo mobilizador com participação de Anitta, Juliette, Glória Pires, Marcos Palmeira, Dira Paes, Klebber Toledo e Alejandro Claveaux. Todos os artistas cederam suas imagens gratuitamente.
A iniciativa — liderada pela Mídia Indígena, Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), Articulação Nacional das Mulheres Indígenas Guerreiras da Ancestralidade (ANMIGA) e o Instituto Socioambiental (ISA) — reforça a importância da demarcação de Terras Indígenas como medida urgente para proteger o futuro do Brasil.
O vídeo ressalta o papel essencial dos povos indígenas na preservação ambiental, sobretudo na proteção de florestas e manutenção das chuvas que viabilizam as atividades agropecuárias. Também destaca que as Terras Indígenas apresentam os menores índices de desmatamento e armazenam quantidades significativas de carbono, sendo estratégicas no combate à crise climática.
“Todo dia a casa dos povos indígenas transpira 5 bilhões de toneladas de água. Lá também se armazenam 13 bilhões de toneladas de carbono”
Além disso, o vídeo valoriza a presença ancestral dos povos originários nos diversos biomas do país, sua riqueza cultural e linguística e o direito constitucional à demarcação de seus territórios. A mensagem final é um apelo contundente contra a tese do marco temporal e em defesa dos direitos garantidos pela Constituição Federal.
“Aqui no Brasil é assim, se você não tem sangue indígena nas mãos… eu e você temos que defender o sangue indígena nas veias.”
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Indígenas marcham no Acampamento Terra Livre (ATL), em abril de 2022, em Brasília|Cassandra Mello/Teia Filmes/ISA
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Povo Guarani denuncia ataques ao seu modo de vida em caso de sobreposição no litoral do Paraná
À espera da demarcação, comunidade guarani mbya na TI Kuaray Haxa enfrenta oposição de ambientalistas a acordo de gestão com Reserva Biológica Bom Jesus
Comunidade Terra Indígena Kuaray Haxa com técnicos do ICMBio após a assinatura do Termo de Compromisso|Nhamãdu Silva
No litoral do Paraná, famílias indígenas do povo Guarani Mbya estão tendo seu território e modo de vida tradicional ameaçados por setores contrários à gestão compartilhada de áreas de sobreposição entre Terras Indígenas e Unidades de Conservação.
Quem denuncia a situação são as lideranças da comunidade Terra Indígena Kuaray Haxa, uma terra em processo de demarcação pela Funai que é sobreposta pela Reserva Biológica Bom Jesus, uma área de quase 35 mil hectares entre os municípios de Antonina, Guaraqueçaba e Paranaguá (PR).
“A Rebio Bom Jesus foi criada em cima de nosso território tradicional sem que fôssemos consultados. Passamos então a ser perseguidos pelos gestores do parque, tratados como invasores em nossa própria terra. Tratados como ameaças à Mata Atlântica na qual nossos parentes sempre viveram e a qual temos como missão defender”, afirmam os Guarani em uma carta divulgada nesta quinta-feira (17/4).
No último dia 20 de fevereiro, a comunidade guarani e o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) comemorou a assinatura de um Termo de Compromisso que regulariza a presença tradicional de famílias indígenas na área sobreposta à Unidade de Conservação – após mais de 10 anos de disputas judiciais.
Reconhecidas como guardiãs da Mata Atlântica, as comunidades guarani investiram no diálogo com o corpo técnico do órgão ambiental para construir soluções de gestão compartilhada para a área, buscando compatibilizar os direitos territoriais e culturais de seu povo com a conservação da biodiversidade em um dos biomas mais ameaçados do mundo.
Após a assinatura do termo, no entanto, um setor de organizações ambientalistas da sociedade civil passou a questionar o acordo, sugerindo que o modo de vida guarani colocaria em risco a biodiversidade na Rebio Bom Jesus, por conta da caça de animais silvestres e que os indígenas não seriam historicamente originários desta região, tendo sido supostamente “alocados” na área.
As manifestações contra o acordo evocam a tese anti-indígena do “marco temporal”, ignorando a tradicionalidade da ocupação guarani nessa região de Mata Atlântica. Segundo uma nota técnica juntada ao processo pela Comissão Guarani Yvyrupa (CGY), a comunidade de Kuaray Haxa habita tradicionalmente o local antes mesmo da criação da Rebio Bom Jesus, instituída em 2012.
Os opositores do acordo ignoram também os debates históricos sobre as formas mais adequadas de garantir a preservação ambiental entre comunidades indígenas e órgãos ambientais em áreas de sobreposição entre Unidades de Conservação e Terras Indígenas – além de estudos recentes que documentam as contribuições dos Guarani para a conservação da biodiversidade e para mitigar a caça ilegal na área, indicada em documentos do próprio ICMBio.
Vera Yapuá Rodrigo Mariano, assessor jurídico da CGY, organização representativa do povo Guarani, lembra que a legislação brasileira reconhece a compatibilidade entre a proteção do meio ambiente e os direitos dos povos indígenas a seus territórios, garantindo o exercício das atividades tradicionais. “Além das comprovações científicas de que os povos indígenas protegem as florestas, temos uma garantia que partiu do Supremo Tribunal Federal (STF), quando da definição das teses do tema 1031, caso de repercussão geral RE 1017365”, destaca o assessor, que atua na defesa da comunidade.
O posicionamento das organizações preservacionistas também é criticado pelo Fórum de Povos e Comunidades Tradicionais de Guaraqueçaba (PR), que congrega comunidades caiçaras, quilombolas e indígenas da região. Em abril, o fórum lançou uma Carta em defesa da ocupação tradicional da TI Kuaray Haxa, que angariou apoio de diversas associações comunitárias e socioambientais, entre as quais Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), Centro de Trabalho Indigenista (CTI), Instituto Socioambiental (ISA) e Terra de Direitos.
Sobre o Termo de Compromisso
Nesse acordo entre a comunidade indígena e o órgão ambiental, duas zonas de uso foram estabelecidas para os Guarani:
- Zona de uso intensivo (19 hectares, dos 34.179,74 hectares totais da Reserva): destinada para construção de moradias e infraestrutura à comunidade, como roças e criação de animais domésticos.
- Zona de uso disperso (6.698 hectares, dos 34.179,74 hectares totais da Reserva): destinada para uso que respeite o modo de vida tradicional (nhandereko) em conformidade com as regras do Termo de Compromisso.
O ICMBio – que construiu o Termo de Compromisso com o envolvimento do Ministério Público Federal e da Funai – ressalta que desde a ocupação indígena não há indícios de impacto ambiental significativo na fauna e que as regras para a caça, assinadas no acordo, são respeitadas. Confira a íntegra do documento.
O Programa Nacional de Monitoramento da Biodiversidade – Programa Monitora, será um dos responsáveis por esse tipo de acompanhamento, ainda que o termo assinado conceda segurança jurídica para as partes, auxiliando na gestão da Unidade de Conservação e no monitoramento ambiental que estabelece limites ao uso dos recursos naturais.
As principais informações sobre o ISA, seus parceiros e a luta por direitos socioambientais ACESSE TODAS
Terras Indígenas contra a crise climática: celebridades abraçam campanha “Brasil Indígena, Terra Demarcada”
Anitta, Juliette, Glória Pires, Marcos Palmeira e outros nomes se unem a iniciativa da Mídia Indígena, Apib, Anmiga e ISA em defesa dos direitos dos povos indígenas no Brasil
Demarcar as Terras Indígenas é proteger o futuro do país. Com essa mensagem, Anitta, Juliette, Glória Pires, Dira Paes, Marcos Palmeira, Klebber Toledo, Xamã e Alejandro Claveaux, entre outros artistas, se uniram à campanha “Brasil Indígena, Terra Demarcada”, lançada pela Mídia Indígena, Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), Articulação Nacional das Mulheres Indígenas Guerreiras da Ancestralidade (ANMIGA) e o Instituto Socioambiental (ISA), nesta quarta-feira (09/04).
A iniciativa busca sensibilizar a sociedade sobre a importância dos povos indígenas e de suas terras para a preservação das florestas e o enfrentamento à crise climática. Para isso, os artistas cederam gratuitamente suas imagens e vozes, contribuindo com vídeos que, apoiados em dados concretos, destacam o papel essencial das Terras Indígenas no combate às mudanças climáticas.
A campanha ganha ainda mais relevância neste mês de abril, quando milhares de lideranças de todo o país se reúnem em Brasília para o Acampamento Terra Livre (ATL) 2025 – a maior mobilização indígena do mundo. O lançamento da campanha, com a divulgação dos vídeos de Anitta, Glória Pires e Kléber Toledo nesta semana, faz parte da programação do evento. Os vídeos dos demais serão divulgados ao longo das próximas semanas.
Sob o lema “Apib somos todos nós: em defesa da Constituição e da vida”, o ATL denuncia as ameaças aos direitos constitucionais dos povos indígenas, em especial o avanço do marco temporal.
A tese ruralista que limita a demarcação de Terras Indígenas apenas às ocupadas na data da promulgação da Constituição, em 1988, foi validada pelo Congresso Nacional e transformada em lei mesmo após ser considerada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal (STF).
O movimento indígena e as organizações da sociedade civil alertam que a tese legaliza invasões, amplia a insegurança nos territórios e ameaça a sobrevivência física e cultural dos povos indígenas.
Mais do que uma dívida histórica, a demarcação das Terras Indígenas é uma estratégia urgente de enfrentamento à crise climática. Estudos revelam que esses territórios são os que mais conservam a biodiversidade e ajudam a conter o avanço do desmatamento. Garantir os direitos territoriais dos povos indígenas é, portanto, garantir o futuro do país.
Veja dados que comprovam a importância das Terras Indígenas
- Proteção ambiental: As Terras Indígenas são as áreas mais preservadas do Brasil, com apenas 1,6% de desmatamento entre 1985 e 2022, enquanto terras privadas lideram a devastação. Os territórios indígenas estão em média 16 vezes mais preservados que áreas em seu entorno.
- Combate às mudanças climáticas: A preservação das florestas indígenas é vital para a redução de emissões de CO2 e para a mitigação do aquecimento global, de acordo com estudos do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC).
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Sobrevoo no Rio Xingu, nas proximidades da aldeia Moygu, no Território Indígena do Xingu (TIX)|Fernanda Ligabue/ISA
- Chuvas que sustentam a economia: Terras Indígenas da Amazônia influenciam as chuvas que abastecem 80% da área das atividades agropecuárias no país, evidenciando o papel central desses territórios na segurança hídrica e econômica do país. Em 2021, o setor agropecuário gerou R$ 338 bilhões em estados que dependem da regulação dos ciclos de chuvas das Terras Indígenas. Isso é 57% de toda a produção do setor no país.
- Riqueza cultural: O Brasil abriga 305 povos indígenas que falam mais de 274 línguas (IBGE), guardando um patrimônio cultural único e conhecimentos tradicionais fundamentais para a ciência e a sustentabilidade.
- Direitos garantidos: A Constituição Federal de 1988 reconhece os direitos originários dos povos indígenas sobre suas terras, e a demarcação é um dever legal do Estado brasileiro.
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As principais informações sobre o ISA, seus parceiros e a luta por direitos socioambientais ACESSE TODAS
“Cada pedaço de terra tem sangue nosso”: povo Pataxó enfrenta violência e abandono no Extremo Sul da Bahia
Enquanto o governo federal adia demarcações, comunidades indígenas resistem em territórios marcados por conflitos agrários, ameaças de morte e omissão do Estado
“Essa terra é nossa desde antes de 1500. Não estamos invadindo nada de ninguém. Cada canto desse território é sagrado. É onde nossos encantados vivem”, afirmou o cacique Suruí Pataxó ao Instituto Socioambiental (ISA), logo após seu povo ter sido alvo da Operação Pacificar, quando 150 policiais civis e militares da Bahia adentraram a TI Barra Velha do Monte Pascoal para cumprir 12 mandados de prisão e sete de busca e apreensão, no dia 20 de março.
Durante a operação, 11 indígenas foram presos. Porém, nesta terça (08/04), sete deles tiveram a liberdade concedida, após pedido da Defensoria Pública do Estado. Os quatro restantes ainda não tiveram o pedido de habeascorpus deferido.
Em nota, a Polícia Civil afirmou que a ação buscava desarticular grupos armados de “supostos indígenas” que, “a pretexto de estarem atuando em ‘retomadas’ de territórios de seus ancestrais, agem com violência e grave ameaça contra trabalhadores e proprietários rurais”.
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Pataxó fecharam a BR 101 em protesto contra a truculência policial|Leandro Barbosa/ISA
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Indígenas queimaram pneus e bloquearam o fluxo de carros|Leandro Barbosa/ISA
Afirmação que Suruí contesta. “É muita perseguição. Tem vários dos nossos com mandados de prisão. Eles alegam que a gente é invasor, falsos índios, criminosos. Que tomamos a terra para roubar coisas dos ruralistas”, explica. “Mas a história é outra: nós não estamos invadindo nada de ninguém, como eles chamam. Apenas estamos ocupando o que é nosso, que é uma terra de ancestralidade da comunidade pataxó”, afirma o cacique.
A operação policial ocorreu dias após uma comitiva de lideranças do povo Pataxó viajar até Brasília para exigir do governo federal a assinatura da portaria declaratória da TI Barra Velha do Monte Pascoal e denunciar o cenário de violência, grilagem e omissão estatal que tem marcado a região. O que levou o Conselho de Caciques da TI Barra Velha a publicar uma carta, onde afirma que a operação foi “uma movimentação além de suspeita, estranha e com cara de retaliação”.
“Que seja apurado e responsabilizados os agentes públicos e políticos envolvidos nesta operação; inclusive a inobservância e respeito aos nossos direitos. Bem como as violações contra os direitos das crianças e das pessoas mais vulneráveis, vítimas da violência que estamos sofrendo”, diz trecho da carta, que também denuncia a violência policial.
Nesta semana, os Pataxó estão de volta a Brasília para participar do 21º Acampamento Terra Livre (ATL) e denunciar a violência que os aflige. “Vamos dançar Pataxó / Pelo parente que morreu / Agradecemos ao pai Tupã / Pela vista que nos deu”, eles cantaram ao ocupar a tenda principal do acampamento iniciado na segunda-feira (07/04).
Assista ao vídeo:
“A gente costuma vir ao Acampamento trazer algumas demandas, mas dessa vez a gente veio numa forma de luta – de luto, na verdade. Luto por tudo que está acontecendo no nosso território”, conta Apêtxiênã Pataxó, liderança da juventude pataxó, que revela que algumas das 150 pessoas da delegação presente no ATL tiveram de sair escoltadas de suas terras.
“Teve um massacre no ano de 1951, quando nosso povo foi praticamente exterminado, e com toda a luta dos nossos velhos a gente conseguiu reconstruir. E hoje esse massacre está retornando, só que de uma forma bem mais visível”, analisa o jovem, lembrando da repressão policial sofrida durante o “Fogo de 1951”. Apêtxiênã denuncia: “O nosso povo está morrendo lá na base, injustamente estão presos, então a gente vem pedir que as autoridades olhem pelo povo Pataxó”.
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Jovens pataxó observam bloqueio na BR-101 em protesto contra a truculência policial após a Operação Pacificar/Leandro Barbosa/ISA
Indignação e frustração
O encontro com o ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, no dia 12 de março, era aguardado com expectativa pela comitiva pataxó que foi a Brasília — mas terminou em frustração e revolta.
“Foram mais de 40 horas de estrada. A gente foi pedir proteção, pedir que o governo faça o que a Constituição manda. E saímos de lá com mais dor”, relata a liderança indígena Uruba Pataxó.
Segundo Uruba, a reunião com o ministro foi marcada por falta de escuta, pressa e desrespeito. A liderança conta que o ministro chegou atrasado, permaneceu pouco tempo e demonstrou mais preocupação com um outro compromisso, que teria após o encontro, do que com os assassinatos e conflitos relatados pelos Pataxó.
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Pataxó fecharam a BR-101, no dia 21 de março, em protesto contra a truculência policial após a Operação Pacificar/Leandro Barbosa/ISA
“Ele falou que só podia ficar 30 minutos porque tinha um compromisso, uma cerimônia que não podia perder. Nem deu boa noite. Foi direto dizendo que não dava para assinar a demarcação, que podia cair na Justiça”, disse Uruba.
Nesta terça-feira (08/04), a 6ª Câmara do Ministério Público Federal (MPF) divulgou uma nota técnica recomendando que o ministério comandado por Lewandowski assine imediatamente as portarias declaratórias de três Terras Indígenas no Sul da Bahia, incluindo Barra Velha do Monte Pascoal e duas outras do povo Tupinambá.
A violência contra os Pataxó também foi pauta de uma reunião do Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH), que, além de recomendar a declaração da área pelo MJSP, indicou o deslocamento da Força Nacional à região.
De acordo com o relato dos Pataxó, na reunião de março o ministro justificou a inércia do governo em avançar no processo de demarcação afirmando que os invasores das Terras Indígenas são pessoas muito influentes e com grande poder econômico, capazes de contratar os melhores advogados para reverter qualquer ato administrativo.
“Ele disse assim, com todas as letras: ‘Hoje, quem manda no Brasil é o dinheiro’”, lembra Uruba.
A liderança reagiu imediatamente:
“Falei pra ele que nossa terra tá banhada de sangue, que nosso povo tá morrendo, e que quem tem que mandar no Brasil é a Constituição, não o dinheiro. E se o governo não demarcar, a gente vai continuar fazendo as retomadas”.
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Cacique Binho mostra marca de um dos tiros que já o atingiram|Leandro Barbosa/ISA
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Liderança já sofreu diversos atentados, em três deles ele foi baleado|Leandro Barbosa/ISA
Manobras jurídicas
A TI Barra Velha foi demarcada administrativamente em 1981 e homologada em 1991 com uma área de apenas 8.627 hectares — onde se concentram hoje oito aldeias, entre elas, a Aldeia Barra Velha, chamada pelos Pataxó de Aldeia Mãe. Desde então, os Pataxó afirmam que a área não corresponde à totalidade de seu território tradicional.
Segundo o antropólogo José Augusto Sampaio, essa primeira demarcação não respeitou os critérios legais nem levou em conta a história e a territorialidade dos Pataxó. Na época, o Brasil ainda vivia sob a ditadura militar, e o processo foi conduzido por dois órgãos ligados ao regime: a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), criada em 1967, e o extinto Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal (IBDF), antecessor do Ibama.
“Foi uma delimitação arbitrada pela Funai e o IBDF, sem nenhum estudo. Por isso, não atende aos requisitos constitucionais do que são as Terras Indígenas. A área foi definida por conveniência administrativa, não por critério técnico ou histórico. Foi uma decisão imposta, não dialogada”, explicou Sampaio, que é professor na Universidade do Estado da Bahia (Uneb) e presidente do conselho diretor da Associação Nacional de Ação Indigenista (Anaí).
Firmado em 1980, esse acordo entre os órgãos federais envolvia a sobreposição de Barra Velha pelo Parque Nacional do Monte Pascoal — criado em 1961, quando a permanência dos Pataxó foi restringida a uma área de apenas 210 hectares. “Era a ditadura. Tudo foi feito sem respeitar o direito dos povos indígenas, como se estivessem lidando com posseiros comuns”, explica Sampaio.
Segundo um artigo da antropóloga Sheila Brasileiro publicado pelo ISA em 2004, a tentativa de regularização da TI Barra Velha, homologada em 1991, foi marcada por irregularidades, contrariando a legislação indigenista de então e fazendo com que metade do território de ocupação tradicional dos Pataxó – já identificado por pesquisadores da Universidade Federal da Bahia (UFBA) –, fosse cedida ao Parna. Aos Pataxó, restaram uma terra de brejos arenosos do entorno do Monte Pascoal e um longo histórico de contendas com os órgãos ambientais.
“Foram muitas formas de violências que os indígenas sofreram por parte dos servidores do IBDF, especialmente as mulheres. Essas violações marcaram gerações”, explica Milene Maia Oberlaender, coordenadora do Programa de Política e Direito Socioambiental do ISA.
Ela, que atuou por oito anos como gestora do Parna Monte Pascoal, conta que as famílias eram impedidas de colherem suas próprias plantações, o que gerou fome em grande parte da população pataxó. “Eles eram obrigados a coletar alimentos durante a noite, para que não fossem ‘pegos’ pelos fiscais, se sentiam ladrões em sua própria casa. Essas agressões psicológicas marcam até hoje os Pataxó”, contextualiza.
Foi apenas após a promulgação da Constituição de 1988, que reconheceu de forma explícita os direitos originários dos povos indígenas sobre seus territórios tradicionais, é que os Pataxó puderam iniciar, com apoio do Ministério Público Federal (MPF) e da universidade, o processo de regularização de sua verdadeira terra.
No início dos anos 2000, com a retomada pelos Pataxó do Parna Monte Pascoal e por ações do MPF, a Funai finalmente deu início aos estudos técnicos necessários para reparar os feitos do passado e corrigir os limites da TI Barra Velha.
O trabalho foi concluído em 2008, resultando na identificação da TI Barra Velha do Monte Pascoal, uma área de 52.748 hectares, distribuída pelos municípios de Itabela, Itamaraju, Prado e Porto Seguro. O relatório técnico confirmou que a área corresponde ao território de ocupação tradicional dos Pataxó, abrangendo e ampliando significativamente os limites da porção de terra demarcada em 1991.
Aprovado e publicado pela presidência da Funai, o relatório de identificação e delimitação foi enviado ao Ministério da Justiça para emissão da portaria declaratória — mas travou ali. Em parte, por conta de ações judiciais movidas por fazendeiros e, posteriormente, pela mudança de postura política nos governos Temer e Bolsonaro com relação às demarcações de TIs.
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Placa da entrada da aldeia Vale da Palmeira, TI Barra Velha. Local foi alvo da Operação Pacificar, promovida pela polícia baiana|Leandro Barbosa/ISA
Com o novo governo, os Pataxó voltaram a pressionar. O processo chegou à mesa do Ministério da Justiça em novembro de 2023, após passar pelo crivo do Ministério dos Povos Indígenas (MPI). Desde então, aguarda assinatura.
Em 2024, uma decisão da Justiça Federal determinou que a Funai e o Governo Federal concluam os trâmites da revisão de limites e a demarcação da TI Barra Velha do Monte Pascoal em até dois anos, sob pena de multa de R$10 milhões. Ainda assim, nenhuma medida concreta foi tomada até o momento.
“Essa terra está na mesa do ministro há mais de um ano. E ele não assina. Nem devolve. Nem explica. Só enrola”, conclui Sampaio.
Enquanto o processo segue travado, as comunidades relatam situações de conflito, medo e resistência. “Nós já fizemos a nossa parte. A terra é nossa e já está ocupada por nós. Falta o Estado fazer o que a Constituição manda”, afirma o Cacique Suruí.
Autodemarcação e a resposta a tiros
O processo de autodemarcação começou em 1999. Desde então, os Pataxó vêm sendo reprimidos a cada novo avanço – até 2022, 11 aldeias foram reocupadas, segundo o Mapa da Autodemarcação Pataxó da TI Barra Velha do Monte Pascoal, que registra os avanços na autodemarcação até 2022 e foi produzido pelo Observatório Pataxó do Território. Hoje são cerca de 20 áreas reocupadas. Saiba mais.
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Mapa das Terras Indígenas dos Pataxó no Extremo Sul da Bahia indica aldeias que foram alvo pela Operação Pacificar, em março deste ano|ISA, com informações do Observatório Pataxó do Território
“Tiraram os parentes à força da bala. E a gente voltou. Porque essa terra é nossa. Já que o governo não demarca, a gente faz a autodemarcação. E por isso somos perseguidos, presos, mortos”, afirma o Cacique Suruí.
A escalada da violência nas aldeias pataxó tem crescido ano após ano. Em março de 2025, o indígena Vitor Braz, de 53 anos, foi assassinado a tiros por pistoleiros em um ataque noturno à Aldeia Terra à Vista, na TI Barra Velha do Monte Pascoal. Em janeiro de 2023, dois jovens — Samuel Cristiano do Amor Divino, de 25 anos, e Nauí Brito de Jesus, de 16 — foram executados por homens armados. Ambos viviam em uma aldeia na Fazenda Condessa, propriedade rural localizada dentro dos limites da mesma TI, reocupada em 2023.
Na TI Comexatiba, território vizinho, no município de Prado, João Celestino Lima Filho, de 50 anos, morreu após ser baleado durante a reocupação da Fazenda Japara Grande, sobreposta à TI, realizada no último dia 4 de abril. A confirmação da morte do índigena foi dada pela Polícia Civil de Teixeira de Freitas, no domingo (06/04). Até agora ninguém foi preso. Em 2024, o adolescente Gustavo Silva da Conceição, de 14 anos, foi morto com um tiro na nuca durante um ataque no mesmo território.
A TI Comexatiba, também conhecida como Cahy-Pequi, é um território tradicionalmente ocupado pelos Pataxó que enfrenta a mesma lógica de exclusão e racismo: desmatamento, loteamento ilegal e omissão do Estado em finalizar a demarcação. Saiba mais.
São constantes as denúncias de cerco armado imposto por pistoleiros, que incluem queima de casas e intimidações contra mulheres. A terra também é sobreposta por uma Unidade de Conservação, o Parque Nacional do Descobrimento.
Esses assassinatos fazem parte de um número ainda maior. Um documento destinado a Lewandowski pela subprocuradora-geral da República Eliana Peres Torelly de Carvalho, obtido por Sumaúma, aponta que, nos últimos 11 anos, 74 pessoas pataxó foram assassinadas no extremo-sul baiano, a maioria na luta pela terra. “Nós pedimos socorro às autoridades! Que demarquem o nosso território. Só assim esses conflitos cessarão”, frisa Suruí.
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Jovem Pataxó mostra marcas dos cortes do capim no corpo, após fugir dos tiros disparados por policiais na Operação Pacificar|Leandro Barbosa/ISA
Diante da omissão histórica do Estado brasileiro e da escalada de violências sofridas nos territórios, as lideranças Pataxó recorreram à esfera internacional. Em março de 2025, o Conselho de Caciques da Terra Indígena Barra Velha do Monte Pascoal entregou à Organização das Nações Unidas (ONU) um dossiê completo denunciando assassinatos, perseguições, invasões, conivência de autoridades locais e a paralisação da demarcação da terra.
Segundo o documento, a repressão às autodemarcações pataxó não é obra do acaso, mas resultado de ações orquestradas por grupos com forte interesse econômico na manutenção da posse ilegal das terras, para a produção, entre outros, de cacau e café.
Entre os principais atores contrários à demarcação das terras pataxó estão fazendeiros, grileiros e milicianos que atuam em conluio para impedir o avanço das autodemarcações. De acordo com o dossiê, lideranças indígenas são constantemente ameaçadas por representantes do agronegócio local e por pistoleiros contratados para intimidar e atacar as comunidades.
O documento aponta que setores do Estado — incluindo servidores públicos, representantes do sistema judiciário e órgãos de proteção aos povos indígenas — têm se omitido ou mesmo atuado ativamente contra os indígenas, favorecendo interesses privados sob o disfarce de legalidade.
Além disso, ao lado dos grileiros, milícias armadas ligadas ao narcotráfico consolidaram uma estrutura de poder paralela nas áreas mais vulneráveis do território. Esses grupos impõem o medo por meio de agressões, torturas e assassinatos, e tentam controlar o cotidiano das aldeias, inclusive interferindo na vida cultural e espiritual dos Pataxó. “Jovens são cooptados, lideranças ameaçadas, e diversas famílias vivem em estado constante de alerta”, denuncia Uruba.
O documento exige a responsabilização do governo federal e pede apoio internacional para garantir a proteção das lideranças e a conclusão do processo demarcatório. “A gente cansou de pedir ajuda para o governo. A ONU foi o último caminho que encontramos para dizer: estão matando nosso povo. E a terra, que é nossa por direito, continua na mão dos fazendeiros”, desabafou Uruba Pataxó.
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Anmiga e ISA realizam no ATL 2025 roda de conversa "Quem faz as organizações de mulheres indígenas?"
Mediado por Joziléia Kaingang, evento busca fortalecer o protagonismo e diversidade do movimento indígena de mulheres no Acampamento Terra Livre
Como forma de celebrar e fortalecer a atuação das mulheres indígenas na defesa de direitos, territórios e modos de vida, na próxima quarta-feira (09/04), às 11h, a Articulação Nacional das Mulheres Indígenas Guerreiras da Ancestralidade (Anmiga) e o Instituto Socioambiental (ISA) promovem a roda de conversa “Quem faz as organizações de mulheres indígenas?”.
Mulheres indígenas se apresentam na abertura da 21ª edição do Acampamento Terra Livre, em Brasília|Renan Khisetje/Aik Produções/ISA
O evento será na tenda da Anmiga, durante a 21ª edição do Acampamento Terra Livre, a maior mobilização indígena do país que acontece entre os dias 7 e 11 de abril. Sob o tema “Apib Somos Todos Nós: Em Defesa da Constituição e da Vida”, o ATL deste ano celebra os 20 anos da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) e deve reunir cerca de oito indígenas de mais de 200 povos do Brasil e do mundo.
Com mediação de Joziléia Kaingang, diretora-executiva da Anmiga, o debate reunirá lideranças dos seis biomas brasileiros como Elisa Pankararu, coordenadora na Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo (Apoinme), da Caatinga; Val Eloy, ativista do povo Terena e co-fundadora da Anmiga, do Pantanal; O-é Kaiapó, liderança, assistente social e co-fundadora da Anmiga, da Amazônia; Kerexu Yxapyry, co-fundadora da Anmiga e liderança da Terra Indígena Morro dos Cavalos, da Mata Atlântica; e Watatakalu Yawalapiti, ativista, empreendedora e integrante do Movimento das Mulheres Indígenas do Território do Xingu (MMTIX) e da coordenação de mulheres da Associação Terra Indígena Xingu (ATIX Mulher).
Uma realização da Anmiga em parceria com o ISA, o Mapa é um levantamento inédito, que reúne, além das organizações de mulheres, artigos que se debruçam sobre a forma, as pautas e as motivações das mulheres indígenas organizadas e também como a Anmiga tem desenvolvido conceitos próprios para pensar o presente das mulheres indígenas na política.
O Mapa identificou a presença de 241 organizações em todos os estados brasileiros e o crescimento em mais de duas vezes do movimento organizado das mulheres indígenas no Brasil.
A roda colocará em pauta as diferentes formas e razões que levam as mulheres indígenas a se mobilizarem. Outro tema que será debatido, a partir de dados dos recentes relatórios desenvolvidos pelo ISA sobre o desmatamento nos biomas Amazônia, Cerrado, Caatinga, Pantanal, Mata Atlântica e Pampa, é a importância das mulheres na gestão territorial e na recuperação das áreas desmatadas.
Sobre a Anmiga
Articuladora da Marcha das Mulheres Indígenas e parceira na produção do mapa, a Anmiga é uma organização de mulheres originárias dos seis biomas do País – Amazônia, Mata Atlântica, Cerrado, Caatinga, Pampa e Pantanal. Por meio de uma construção coletiva, elas buscam fortalecer a luta pelo bem viver e por seus territórios, a partir do protagonismo das mulheres e da valorização de seus saberes tradicionais.
Serviço
O quê? Roda de Conversa: “Quem faz as organizações de mulheres indígenas?”
Onde? Tenda da Anmiga no 21º Acampamento Terra Livre, que será sediado no Complexo Cultural da Funarte, em Brasília.
Grupo de manifestantes indígenas Kayapó no ATL de 2024 em Brasília|Lucas Landau/ISA
De 7 a 11 de abril, lideranças dos mais de 300 povos indígenas de todas as regiões do Brasilvão ocupar Brasília (DF) na 21ª edição do Acampamento Terra Livre (ATL), maior mobilização indígena do país.
O encontro anual também marca e celebra os 20 anos de lutas e vitórias da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) e tem como tema “APIB somos todos nós: Em defesa da Constituição e da vida”.
No centro das discussões estão a defesa dos direitos indígenas, de suas terras, cultura e identidade, protegidos pela Constituição de 1988, e a resistência contra a mineração nessas áreas.
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Grupo de manifestantes no Acampamento Terra Livre 2024, em Brasília|Lucas Landau/ISA
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Reivindicações pela demarcação de Terras Indígenas continuam atuais|Lucas Landau/ISA
Entre outras reivindicações estão: o reconhecimento dos indígenas na proteção da biodiversidade; a demarcação de terras indígenas como uma política climática fundamental e prevista nas metas climáticas do Brasil.
No último dia 2, quarta-feira, a última audiência prevista da comissão de conciliação sobre o marco temporal das demarcações no Supremo Tribunal Federal (STF) acabou sem consenso entre povos indígenas, ruralistas, representantes de estados e municípios, governo, partidos de esquerda e Ministério Público.
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A última audiência prevista da comissão de conciliação sobre o marco temporal das demarcações no STF acabou sem consenso|Lucas Landau/ISA
Dos 31 artigos na mesa do anteprojeto de lei apresentado pelo ministro Gilmar Mendes, em apenas dois houve acordo até o momento. A expectativa agora é saber o que ele fará em relação à proposta e o colegiado. A decisão pode sair nos próximos dias, exatamente quando acontece o ATL. A ideia original era encaminhar um texto consensual para o plenário da Corte e, se aprovado, para o Congresso.
COP 30: ação para reconhecimento do protagonismo indígena na solução
A campanha “A Resposta Somos Nós”, que direciona esforços para a COP 30 - que acontece de 10 a 21 de novembro em Belém (PA) - também será um dos destaques do encontro. São esperados cerca de 8 mil indígenas do Brasil e do mundo na capital federal.
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Da esquerda para a direita: Arlete Krikatí, Cintia Guajajara e Marcilene Guajajara, do Maranhão, na plenária "Mulheres Biomas na construção de agendas rumo a COP 30", durante o Acampamento Terra Livre 2024|Lucas Landau/ISA
Duas décadas de luta
A Apib, criada no ATL de 2005, é uma instância de referência nacional do movimento indígena no Brasil. Ela nasceu com o propósito de fortalecer a união dos povos originários, articular as organizações indígenas das diferentes regiões do país contra as ameaças e agressões aos direitos dessas populações.
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Participantes da Apib durante a audiência de retirada da comissão do marco temporal, em 2024|Tukumã Pataxó/Apib
Nosso modo de lutar
O documentário “Nosso modo de lutar”, filmado durante o 20º ATL pela perspectiva de três cineastas indígenas, Francy Baniwa, Kerexu Martim e Vanuzia Pataxó, em colaboração com o Programa Povos Indígenas no Brasil do ISA, será exibido durante a mobilização. O trabalho reúne depoimentos de cerca de 50 representantes de povos indígenas presentes no ATL de 2024, em sua maioria mulheres, e expõe as diversas maneiras de resistir e barrar retrocessos.
Programação
A semana de ATL está dividida em plenárias, marchas, diálogos e atividades culturais nos eixos: APIB Somos Todos Nós (segunda), Resistência e Conquista (terça), Desconstitucionalização de Direitos (quarta), Em Defesa do Futuro – “A Resposta Somos Nós” (quinta) e Fortalecendo a Democracia (sexta). Confira a programação abaixo:
07/04 | Segunda | APIB Somos Todos Nós
08h – 10h | Boas Vindas, acordos de Convivência, informes gerais e Programação
10h – 12h | Apresentação das delegações Indígenas
14h – 16h | Plenária “APIB | Somos Todos Nós: Em defesa da Constituição e da Vida”
16h – 18h | 20 anos da Apib: Desafios atuais e novas estratégias de luta
19h – 22h | Noite Cultural – Documentário de 20 anos da Apib
08/04 | Terça | Resistência e conquista
08h – 09h | Apresentação das delegações e Concentração para a marcha
09h | Marcha “Apib Somos Todos Nós: Nosso Futuro não está à venda!”
11h | Sessão Solene no Plenário da Câmara dos Deputados “21ª edição do ATL e 20 anos de APIB”
14h – 16h | Plenária “Memória, Verdade, Reparação e Justiça: Por uma Comissão Nacional Indígena da Verdade (CNIV)”
16h - 16h30 | Exibição de Documentário “O Chamado do Cacique: Herança, Terra e Futuro”
19h – 19h30 | Ato contra a violência dos povos indígenas
19h – 22h | Noite Cultural
09/04 | Quarta | Desconstitucionalização de Direitos
08h - 12h | Diálogos Temáticos nas Tendas das Organizações Regionais
09h - 12h | Plenária Nacional de Saúde Indígena: Transição, Resistência e Protagonismo
11h - 12h30 - Mesa “Quem faz as organizações de mulheres indígenas?”, Tenda da Anmiga
14h – 16h | Plenária “O Acordo sem Voz: A Câmara de Conciliação no STF e a Reconfiguração da Política Indigenista no Brasil”
16h – 18h | Plenária “Por uma transição energética justa para todos os povos”
18h – 18h30 | Apresentação de Pesquisa sobre Petróleo e Gás na região de abrangência da APOINME
19h – 22h | Noite Cultural – Ato “Memória, Justiça e Resistência Indígena LGBTQIA+”
10/04 | Quinta | Em Defesa do Futuro – “A Resposta Somos Nós”
08h – 12h | Diálogos Temáticos nas Tendas das Organizações Regionais
13h30 – 14h | Apresentação das delegações e Concentração para a marcha
14h – 16h | Plenária “A resposta Somos Nós: Povos Indígenas rumo à COP 30” e Lançamento da Comissão Internacional Indígena para a COP 30
16h – 18h | Marcha “A Resposta Somos Nós”
19h – 22h | Noite Cultural
11/04 | Sexta | Fortalecendo a Democracia
08h – 12h | Diálogos Temáticos nas Tendas das Organizações Regionais
14h – 18h | Plenária política com lideranças Indígenas
18h | Plenária e Leitura de Documento Final do ATL
19h – 22h | Noite Cultural
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