A Bacia do Rio Xingu é uma região entre os estados do Mato Grosso e do Pará que simboliza a diversidade socioambiental brasileira. Uma diversidade de povos, florestas e rios que nascem no Cerrado e desembocam na floresta Amazônica, no centro do território nacional.
Essa diversidade socioambiental do Xingu está em grande parte abrigada dentro de um "corredor" de áreas protegidas (terras indígenas e unidades de conservação) que representa 50% da área da Bacia do Xingu. Essas áreas protegidas e suas florestas, conectadas entre si, abrigam uma das mais ricas biodiversidades do planeta e 26 povos indígenas e populações ribeirinhas, que resistem e insistem em existir como parte do presente - e do futuro - do Brasil.
Hoje, o Xingu é palco de conflito entre estes modos de vida e um modelo econômico baseado em atividades predatórias que envolvem desmatamento, queimadas, uso intensivo de agrotóxicos, garimpo, exploração ilegal de madeireira, grilagem de terras, construção de hidrelétricas, ferrovias e estradas.
As florestas, rios e povos do Xingu são o escudo contra a devastação que avança Brasil adentro. Na bacia estão localizados os municípios e terras indígenas com as maiores taxas de desmatamento dos últimos 10 anos na Amazônia Legal. As nascentes do rio Xingu já perderam mais de 40% de sua cobertura florestal.. Apesar disso, a diversidade socioambiental e a incrível resiliência dos povos do Xingu representam uma oportunidade concreta de pactuação de um novo modelo de desenvolvimento e de relacionamento com a floresta e seus povos.
É para isso que nós do ISA trabalhamos há quase três décadas com o pé no chão, com equipes e escritórios nas cidades de Canarana (MT) e Altamira (PA), junto a nossos parceiros locais, em três linhas de trabalho: Economia da Floresta, Restauração Florestal e Proteção Territorial.
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A Bacia do Rio Xingu é uma região entre os estados do Mato Grosso e do Pará que simboliza a diversidade socioambiental brasileira. Uma diversidade de povos, florestas e rios que nascem no Cerrado e desembocam na floresta Amazônica, no centro do território nacional.
Essa diversidade socioambiental do Xingu está em grande parte abrigada dentro de um "corredor" de áreas protegidas (terras indígenas e unidades de conservação) que representa 50% da área da Bacia do Xingu. Essas áreas protegidas e suas florestas, conectadas entre si, abrigam uma das mais ricas biodiversidades do planeta e 26 povos indígenas e populações ribeirinhas, que resistem e insistem em existir como parte do presente - e do futuro - do Brasil.
Hoje, o Xingu é palco de conflito entre estes modos de vida e um modelo econômico baseado em atividades predatórias que envolvem desmatamento, queimadas, uso intensivo de agrotóxicos, garimpo, exploração ilegal de madeireira, grilagem de terras, construção de hidrelétricas, ferrovias e estradas.
As florestas, rios e povos do Xingu são o escudo contra a devastação que avança Brasil adentro. Na bacia estão localizados os municípios e terras indígenas com as maiores taxas de desmatamento dos últimos 10 anos na Amazônia Legal. As nascentes do rio Xingu já perderam mais de 40% de sua cobertura florestal.. Apesar disso, a diversidade socioambiental e a incrível resiliência dos povos do Xingu representam uma oportunidade concreta de pactuação de um novo modelo de desenvolvimento e de relacionamento com a floresta e seus povos.
É para isso que nós do ISA trabalhamos há quase três décadas com o pé no chão, com equipes e escritórios nas cidades de Canarana (MT) e Altamira (PA), junto a nossos parceiros locais, em três linhas principais de trabalho: economia da floresta, restauração florestal e proteção territorial.
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Ouça! Podcast 'Floresta no Centro' apresenta como mudanças climáticas afetam a arte das ceramistas do Xingu
Em terceiro episódio da série, Yakuwipu Waurá, liderança, professora e ceramista, debate com Karina Araujo, do ISA, temas como espiritualidade, cuidado e ancestralidade
O Instituto Socioambiental (ISA) lança o terceiro episódio do podcast “Floresta no Centro”. Desta vez, a liderança, ceramista e professora Yakuwipu Waurá, conversa com Karina Araujo, analista de desenvolvimento de pesquisa social do ISA, sobre a tradição do fazer peças em cerâmicas no Território Indígena no Xingu.
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A liderança, ceramista e professora Yakuwipu Waurá participou do evento "COP30: Mudanças climáticas e o impacto da identidade Xinguana", no ISA|Brenda Okubo/ISA
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O episódio, que foi gravado no espaço Floresta no Centro, atravessa também temas como espiritualidade, cuidado e ancestralidade|Brenda Okubo/ISA
Com o tema “COP30: Mudanças climáticas e o impacto da identidade Xinguana”, elas abordam como as mudanças climáticas tornam indisponível uma matéria-prima central para a produção das peças, o cauxi, uma esponja retirada do fundo dos rios que é essencial para dar liga ao barro e evitar rachaduras nas peças.
As secas prolongadas e as cheias cada vez mais curtas e irregulares reduziram drasticamente a presença do cauxi. O episódio atravessa também temas como espiritualidade, cuidado e ancestralidade.
Durante a passagem por São Paulo, as ceramistas xinguanas participaram de oficinas no Museu das Culturas Indígenas, no Museu A Casa do Objeto Brasileiro e no Sesc Consolação.
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Da esquerda para a direita: Yakuwipu Waura; Pere Yalaki Waura; Kayana Pisulu Waura; Kutalo Waura; todas da aldeia Piulewene; e Kuheju Waura, da aldeia Ulupuwe; em visita ao Museu das Culturas Indígenas|Claudio Tavares/ISA
Gravado durante os eventos realizados no Espaço Floresta do Centro (https://loja.socioambiental.org/), em São Paulo, o podcast é uma realização do ISA e faz parte de um esforço coletivo para amplificar vozes originárias e de povos e comunidades tradicionais.
O podcast Floresta no Centro tem apoio da Fundação Rainforest da Noruega.
Ouça agora
Créditos Identidade visual: Cama Leão Captação de áudio, identidade sonora e edição: Voz Ativa Produções
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As principais informações sobre o ISA, seus parceiros e a luta por direitos socioambientais ACESSE TODAS
Amazônia pode perder 2,9 bi t de carbono até 2030 sem proteção de Terras Indígenas e Áreas Protegidas
Cientistas da RAISG apontam, rumo à COP30, que a proteção das florestas mais preservadas da Amazônia é decisiva para conter o aquecimento global
Os povos indígenas têm se mostrado os melhores guardiões da Amazônia. Graças aos seus conhecimentos ancestrais e à gestão sustentável, as Terras Indígenas e Áreas Naturais Protegidas abrigam as florestas mais conservadas e com menores taxas de desmatamento. Além disso, concentram 61% do carbono florestal capturado em 2023 em toda a Amazônia, ajudando a reduzir o excesso de CO₂ na atmosfera e a mitigar o aquecimento global, segundo a Rede Amazônica de Informação Socioambiental Georreferenciada (RAISG), da qual o Instituto Socioambiental (ISA) e outras sete organizações fazem parte.
Se nos próximos cinco anos os governos amazônicos aplicarem pouco ou nenhum controle sobre o desmatamento, sobretudo em Áreas Protegidas, a Amazônia deixará de capturar 2,94 bilhões de toneladas de carbono em 2030.
É o que revela o levantamento inédito do projeto Ciência e Saber Indígena pela Amazônia, da RAISG e do Woodwell Climate Research Center, que projeta três cenários futuros para as reservas de carbono: “Cenário 1: ausência de Terras Indígenas e Áreas Naturais Protegidas” (*) – descrito acima –, “Cenário 2: regulação permissiva” e “Cenário 3: inação”.
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Área desmatada para a plantação de soja no Território Indígena do Xingu, no estado de Mato Grosso|Fábio Nascimento/ISA
Para isso, os cientistas utilizaram a ferramenta de simulação Dinâmica Ego e dados atuais de monitoramento por satélite, com o objetivo de orientar melhores políticas públicas, às vésperas da COP30, em novembro, no Brasil.
No Cenário 1: a Amazônia passaria de capturar mais de 85 bilhões de toneladas de carbono em 2023, para capturar apenas 82,257 bilhões em 2030, representando uma redução de 3,5%. Isso ocorreria caso os governos aplicassem pouco ou nenhum controle sobre o desmatamento, permitindo o avanço descontrolado de atividades como agricultura, pecuária, infraestrutura e mineração, que destroem e degradam as florestas, principalmente em TIs e ANPs.
"Cada tonelada de carbono que conseguimos manter nas florestas amazônicas é um investimento no futuro do planeta. Fortalecer a proteção das Terras Indígenas e das Áreas Protegidas significa conservar as maiores reservas de carbono florestal do mundo, um pilar indispensável para cumprir os compromissos climáticos globais”, lembra Mireya Bravo Frey, coordenadora regional do Projeto Ciência e Saber Indígena pela Amazônia.
Mas o que é a captura de carbono florestal e qual sua importância no contexto atual? Durante a fotossíntese, árvores e vegetação capturam carbono, um elemento do dióxido de carbono (CO₂) presente na atmosfera, e o retêm em raízes, troncos e folhas. Dessa forma, ajudam a controlar este gás de efeito estufa, produzido em excesso principalmente pelo uso de combustíveis fósseis e pelo desmatamento causado por atividades econômicas, como a pecuária.
Por isso, sua função é vital em um contexto no qual, apesar do Acordo de Paris – que estabelece manter o aumento da temperatura abaixo de 2 °C – já ultrapassamos 1,5 °C e os efeitos do aquecimento global se agravam.
“Ter menos florestas é ter menos reservas de carbono na Amazônia, o que significa mais emissões poluentes para o mundo. Isso gera temperaturas mais altas no planeta e eventos climáticos extremos cada vez mais frequentes, como secas, inundações, florestas mais suscetíveis a incêndios e chuvas mais imprevisíveis. Um cenário que compromete não apenas a biodiversidade e a cultura amazônica, mas também a segurança hídrica e alimentar do planeta”, alerta Jose Victorio, especialista em Sistemas de Informação Geográfica e Sensoriamento Remoto da RAISG.
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Queimadas na floresta amazônica em agosto de 2019, Candeias do Jamari, no estado de Rondônia|Victor Moriyama / Greenpeace
Políticas fracas e sem mudanças
O Cenário 2: regulação permissiva, ocorreria se os países amazônicos aplicassem políticas ambientais e marcos legais mais fracos nos próximos cinco anos. Isso geraria picos máximos na mudança do uso do solo, transformando grandes áreas de florestas amazônicas em terras agropecuárias, urbanas e mineradoras.
Nesse caso, a Amazônia deixaria de capturar 2,294 bilhões de toneladas de carbono em 2030, em relação a 2023, devido ao avanço do desmatamento e da degradação florestal. Ou seja, as florestas passariam, de capturar mais de 85 bilhões de toneladas em 2023, para armazenar apenas 82,904 bilhões em 2030, representando uma redução de 2,7% nessas importantes reservas.
Por fim, no Cenário 3: inação, em que os governos não promovem mudanças significativas nas políticas ambientais e as atuais taxas de desmatamento se mantêm, a Amazônia deixaria de capturar 1,113 bilhões de toneladas de carbono até 2030, em relação a 2023 — ou seja, 2% a menos.
O panorama de 2023
Segundo a RAISG, nas últimas décadas a Amazônia já teve suas funções de combate às mudanças climáticas enfraquecidas. Em 2023, suas florestas deixaram de capturar 5,7 bilhões de toneladas de carbono, em comparação ao ano 2000, o que representou uma redução de 6,3%.
De acordo com dados do MapBiomas Amazônia – Uso e Cobertura, da RAISG, entre 1985 e 2023, mais de 88 milhões de hectares de florestas que regulavam o clima global foram transformadas em terras agropecuárias, urbanas e mineradoras.
Além disso, essas atividades fragmentaram as florestas e causaram um dano silencioso às árvores remanescentes, afetando sua mortalidade, capacidade de regeneração e processos de fotossíntese, fundamentais para a captura de carbono.
Como evitar os piores cenários?
Para evitar os piores cenários futuros, a RAISG faz um chamado aos tomadores de decisão. Antes de 2030, é urgente implementar estratégias que eliminem o desmatamento, a degradação e os incêndios florestais, dentro e fora das Terras Indígenas e Áreas Naturais Protegidas. Além disso, é essencial fortalecer o papel dos povos indígenas como guardiões das florestas, garantindo seus direitos humanos e territoriais.
“Estamos diante de uma contagem regressiva ambiental: se não forem fortalecidas as políticas de proteção e não for reconhecido o papel central dos povos indígenas e das comunidades locais, a Amazônia deixará de ser um aliado climático e se tornará uma fonte de crise. Não se trata apenas de árvores; trata-se da vida no planeta”, afirma Renzo Piana, diretor executivo do Instituto do Bem Comum, membro da RAISG.
Nesse sentido, recomenda-se priorizar políticas que articulem ciência e saberes dos povos amazônicos, para desenvolver modelos econômicos e tecnologias baseados em baixas emissões de CO₂ e usos sustentáveis de florestas e sistemas hídricos. Também é necessário conter o desmatamento, os incêndios e o avanço de atividades ilegais e crimes ambientais, que ameaçam a conservação dos ecossistemas e o bem-estar dos habitantes da Amazônia.
Do mesmo modo, recomenda-se preencher lacunas de proteção criando corredores entre Terras Indígenas, territórios coletivos comunitários, Áreas Naturais Protegidas e outras Unidades de Conservação, dos Andes à Amazônia, por meio de articulação, titulação de terras e fortalecimento da gestão dos povos indígenas.
"A Amazônia ainda pode ser nosso melhor aliado climático se agirmos com urgência. Reconhecer o papel dos povos indígenas e fortalecer a proteção de seus territórios é fundamental para garantir água, alimentos e estabilidade climática. Não se trata apenas de conservar uma floresta: trata-se de assegurar a vida e o futuro de todos", conclui Mireya Bravo Frey.
(*) “Ausência de Terras Indígenas e Áreas Naturais Protegidas” refere-se a unidades territoriais com foco em sustentabilidade socioambiental ou conservação.
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Organizações indígenas e indigenistas alertam para urgência de retirar invasores da Terra Indígena Cachoeira Seca, no Pará
Com regularização fundiária pendente há quase uma década, o território do povo Arara, de recente contato, é alvo de invasões e desmatamento e vive uma emergência em saúde
Em nota técnica divulgada hoje (17/10), organizações indígenas e indigenistas alertam para a situação precária dos indígenas Arara que vivem na Terra Indígena Cachoeira Seca, na região do médio Xingu, no Pará. Entre 2023 e 2024, o desmatamento na TI Cachoeira Seca saltou de 795 hectares (ha) para 1.149 ha, um crescimento de 45%. Este aumento contrasta drasticamente com a tendência regional: a bacia do Xingu reduziu o desmatamento em 46%, e a Amazônia Legal em 30,6%. Segundo dados do sistema de monitoramento Sirad X, do Instituto Socioambiental (Isa), a Cachoeira Seca figura entre as poucas TIs do país onde a destruição avançou, ocupando o 4º lugar no ranking geral da Amazônia.
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Cachoeira Seca figura entre as poucas TIs do país onde a destruição avançou. Na imagem, área desmatada no território|Juan Doblas/ISA
O documento apresenta uma análise sobre a urgência de avançar na regularização fundiária do território, destacando o crescimento do desmatamento na área, que contrasta com a redução observada em outras TIs da bacia do Xingu. Enquanto a Amazônia Legal e a bacia do Xingu celebram quedas históricas no desmatamento, os índices no território Arara seguiram uma tendência inversa, de aumento da devastação. O documento expõe a presença de invasores e o desmatamento como causas de uma crise que combina insegurança territorial e uma emergência de saúde psicossocial entre os indígenas.
Regularização atrasada impulsiona invasões
Esforços governamentais recentes resultaram na desintrusão de outras TIs importantes na região, como a Apyterewa, Trincheira-Bacajá e Ituna Itatá, ações que reduziram drasticamente o desmatamento nessas áreas. Contudo, o mesmo empenho ainda não ocorreu na Cachoeira Seca. O território não está incluído na lista de desintrusões da ADPF 709 (Arguição por Descumprimento de Preceito Fundamental) e não há previsão do Ministério da Justiça, do Ministério dos Povos Indígenas ou da Funai para que a regularização seja concluída. A demora na regularização estimula novos invasores e a insegurança territorial agrava o sofrimento dos Arara.
A situação se agravou com a construção da hidrelétrica de Belo Monte, que deveria ter sido precedida de ações de regularização fundiária e proteção territorial que até hoje, 13 anos depois da licença de instalação, não foram concluídas. As condicionantes descumpridas são justamente aquelas que foram desenhadas para impedir as invasões e o desmatamento nas terras indígenas afetadas pela obra.
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A estrada que liga Uruará ao porto Maribel é muito utilizada para escoamento de madeira retirada ilegalmente, especialmente da TI Cachoeira Seca do Iriri|Lilo Clareto/ISA
O legado do contato forçado
A vulnerabilidade da TI Cachoeira Seca é uma dívida histórica. O povo Arara (que se autodenomina Ugoro’gmó) teve contato mais constante com a sociedade envolvente em 1987, após uma dramática resistência à construção da rodovia Transamazônica (BR-230), que cortou seu território tradicional.
Décadas após a BR-230, uma nova obra federal, a hidrelétrica de Belo Monte, voltou a desestabilizar a segurança territorial precária. A conclusão da regularização fundiária de todas as TIs impactadas era uma condicionante para o licenciamento da usina, mas na Cachoeira Seca, o processo legal para a retirada dos ocupantes sequer foi iniciado. A omissão do Estado permitiu que novos invasores continuassem a entrar no território.
O desmatamento acumulado na TI ultrapassou 68.777 hectares até julho de 2025, representando 9,35% da área total. A invasão se dá pela abertura de ramais ilegais para roubo de madeira. Desde 2018, o monitoramento da Rede Xingu+ já mapeou 586 quilômetros de ramais, com a principal aldeia (Iriri) agora a menos de 30 km da área invadida. A alta ocorrência de fogo também é uma ameaça: a área queimada quase dobrou em 2023 (11.625 ha) em comparação com 2022, reflexo da ocupação para criação de gado e consolidação de áreas desmatadas.
Emergência em saúde mental
A lentidão em resolver as questões fundiárias e os profundos impactos de Belo Monte têm provocado sofrimentos intensos e agudos no povo Arara. Profissionais classificam a situação como uma verdadeira emergência em saúde mental. Uma carta da Rede Bem Viver da Cachoeira Seca relatou adoecimentos e sofrimento psíquico que alimentam um ciclo de mortes em circunstâncias dolorosas. Em 2023 e 2025, foram registrados falecimentos de lideranças e jovens em episódios associados ao consumo de álcool. Apesar da gravidade, a concessionária de Belo Monte tem negado apoio à saúde, repetindo a frase: “não vemos nexo de causalidade” entre as carências dos Arara e o empreendimento.
Ameaças futuras e recomendações urgentes
O cenário já tenso pode se agravar com a iminente pavimentação do trecho Medicilândia-Rurópolis da BR-230. Segundo os estudos de impacto, essa obra valorizará os terrenos e potencializará a ocupação ilegal, intensificando os conflitos na área, uma vez que estradas vicinais já penetram a TI Cachoeira Seca. A TI é considerada estratégica por representar o limite Noroeste do corredor ecológico de áreas protegidas do Xingu, absorvendo as pressões vindas da Transamazônica.
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Entorno da rodovia Transamazônica, próximo à hidrelétrica de Belo Monte|Lilo Clareto/ISA
As organizações que assinam a nota técnica - Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab), Observatório dos Povos Indígenas Isolados e de Recente Contato (Opi), Instituto Socioambiental (Isa), Conectas e Conselho Indigenista Missionário (Cimi) - fazem uma série de recomendações para fortalecer a segurança da TI Cachoeira Seca.
Entre elas, destacam-se:
• Apresentação imediata de um cronograma de finalização da desintrusão da TI Cachoeira Seca pela Funai. • Definição de ações emergenciais pela Polícia Federal, IBAMA e Funai para impedir a extração ilegal de madeira e o avanço dos ramais. • Que o início das obras de pavimentação da BR-230 seja condicionado à conclusão do processo de regularização fundiária da TI. • A investigação pelo Ministério Público Federal (MPF) das atuais grilagens e invasões.
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Canoada Xingu chega à sétima edição e convida turistas a remar pelos desafios da Amazônia
Liderada pelo povo Juruna/Yudjá, a Canoada Xingu é uma expedição de 110km a remo pela Volta Grande do Xingu e acontece entre os dias 22 e 27 de novembro
A Canoada Xingu é uma experiência única de imersão na Amazônia, um mergulho profundo na natureza, na cultura e na realidade socioambiental de uma das regiões mais emblemáticas e ameaçadas da Amazônia, em um ano crucial para o futuro do Brasil e do planeta.
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Canoada Xingu reforça o vínculo histórico e cultural com o rio e a identidade Juruna/Yudjá, e promove o turismo comunitário|Marcelo Soubhia/ISA
A expedição é liderada pelo povo Juruna/Yudjá, canoeiros ancestrais do Xingu, em parceria com o Instituto Socioambiental (ISA) e a Mazô Maná, com apoio do Fundo Amazônia e da Amazon Watch.
A primeira edição da Canoada aconteceu em 2014 como ato de defesa do Rio Xingu que passou a ser ameaçado pela construção e operação da Usina Hidrelétrica de Belo Monte. Foi também um ato de resistência para chamar a atenção do mundo para os impactos de Belo Monte sobre rios, florestas e o modo de vida dos povos da Volta Grande do Xingu.
Hoje, a Canoada Xingu reforça o vínculo histórico e cultural com o rio e a identidade Juruna/Yudjá. Também mobiliza toda a comunidade em torno de uma atividade de turismo comunitário que faz frente ao desmatamento e à degradação, e que permite expressar a história de luta do povo pela vida em seu território ancestral.
A Canoada Xingu
A jornada acontece de 22 a 27 de novembro de 2025 na Volta Grande do Xingu, no Pará. A expedição parte de Altamira, município que mais emite gases do efeito estufa no Brasil, e percorre aproximadamente 110km a remo pelo Rio Xingu em direção à Terra Indígena Paquiçamba. Os viajantes remam em canoas tradicionais de madeira, conduzidos por experientes guias Juruna/Yudjá, testemunham as transformações causada por Belo Monte, conhecem as ameaças de Belo Sun, o novo projeto de mineração que pretende se instalar na região, vivenciam a biodiversidade única da Volta Grande e visitam aldeias e lugares sagrados da cultura Juruna/Yudjá, como a cachoeira do Jericoá, que é o símbolo do surgimento do mundo em sua mitologia.
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A 5ª Canoada Xingu aconteceu entre os dias 3 a 8 de setembro de 2018, percorrendo mais de 100 km da Volta Grande do rio Xingu (PA)|Marcelo Soubhia/ISA
Agenda da Canoada
● Dia 1: Chegada dos participantes e deslocamento para o Retiro Betânia, onde acontece uma reunião com os guias da Canoada, instruções sobre os protocolos de segurança e organização final de equipamentos. ● Dia 2: Início da Canoada. Saída de Altamira rumo à Praia do Tucum, onde acontece uma roda de conversa sobre os impactos de Belo Monte. Pernoite na Praia do Caju. ● Dia 3: O grupo rema até a Praia do Choro, na Terra Indígena Paquiçamba, onde irá pescar e participar de uma roda de conversa sobre o Território Juruna. ● Dia 4: Dia de atividades em terra. O grupo fará uma trilha até a Ilha do Zé Maria e depois participará de atividades de mergulho e observação de peixes, além de assistir a apresentações culturais. O pernoite, novamente, acontece na Praia do Choro. ● Dia 5: A Canoada segue para Jericoá com paradas para banho de rio e conversas. ● Dia 6: O dia começa com visita à cachoeira do Jericoá. No horário do almoço, há a opção de retornar à Altamira em uma viagem de carro que leva cerca de duas horas. Para quem ficar, há a opção de visitar a cachoeira do Camaleão e pernoitar em Jericoá. ● Dia 7: Após o café da manhã, o grupo parte para Altamira em uma viagem de carro que leva cerca de duas horas.
Observações: Pernoites são feitos em barracas nas praias ou em redes com mosquiteiros. Os participantes são responsáveis por levar seus equipamentos pessoais como, redes, mosquiteiros e barracas.
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Card/Divulgação
Sobre os Juruna/Yudjá
Os Juruna/Yudjá são o povo canoeiro da Volta Grande do Xingu que habita, desde tempos imemoriais, as ilhas e penínsulas do Baixo e Médio Xingu, um dos rios mais importantes da Amazônia Meridional. Há cerca de cem anos, em consequência dos ataques sofridos contra sua população por parte das frentes de expansão não-indígenas na região, os Juruna/Yudjá acabaram se dividindo em dois grupos. Uma parte do coletivo indígena, cerca de doze pessoas, permaneceu na Volta Grande do Xingu criando a Terra Indígena Paquiçamba e preservando o território ancestral. Outra parte, cerca de 150 pessoas, remaram para a região do Alto Rio Xingu e se estabeleceram no Território Indígena do Xingu, em Mato Grosso, preservando a língua e outras tradições culturais.
Desde 2011, esses dois grupos protagonizam um processo de intercâmbio e de trocas entre parentes para reforçar sua matriz cultural e suas relações de parentesco após mais de cem anos de separação, marcados pelos impactos da colonização, do ciclo da borracha, da abertura da Transamazônica e, mais recentemente, da usina de Belo Monte. A Canoada no Xingu reforça esse vínculo histórico e cultural com o rio, paisagem viva da memória passada e presente da identidade Juruna/Yudjá. Remar junto aos Juruna/Yudjá da Volta Grande é celebrar esse vínculo de luta, resistência e a história de defesa pela vida e pelas águas do Rio Xingu.
Pacotes
O pacote individual custa R$ 9.900,00 . O valor inclui hospedagem em Altamira, deslocamentos locais, refeições durante toda a jornada, guias, canoas e remos, coletes, equipe médica de apoio e registros audiovisuais. O pacote não incluí o trajeto aéreo até Altamira, no Pará, barracas, redes, mosquiteiros e itens de uso pessoal.
Para mais informações sobre valores e reservas (WhatsApp): +55 93 99129‐2846.
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Festival do Rio destaca “O Pai e o Pajé”, documentário sobre fé e identidade do povo Kaiabi
Documentário foi selecionado para a categoria ligada à COP30 e mergulha nas visões de uma família indígena diante da presença do cristianismo no Xingu
O Festival do Rio, um dos mais importantes eventos do cinema brasileiro, terá em sua programação a exibição de “O Pai e o Pajé”, documentário dirigido por Iawarete Kaiabi e co-dirigido por Felipe Tomazelli e Luís Villaça. A obra foi selecionada para a mostra Première Brasil: Estado das Coisas, uma curadoria de filmes que dialogam com os temas da COP 30, e será apresentada ao público nos dias 08, 09, 10 e 11/10, com debate após a exibição no dia 09/10.
O longa aparece ao lado de títulos como “Reconhecidos”, “Com Causa”, “Itacoatiaras”, “Rua do Pescador, nº 6”, “Do outro lado do pavilhão”, “Invencíveis”, “Pau d’Arco”, “Cadernos Negros” e “Na onda da Maré”.
Em “O Pai e o Pajé”, Iawarete Kaiabi volta-se para dentro de sua própria família para entender os caminhos de aprendizado com seu tio Pajé e seu pai Pastor. Em um relato íntimo, ele reflete se possível uma coexistência entre as duas visões de mundo dentro do seu povo, com a permanência das tradições ancestrais no Território Indígena do Xingu.
Mais do que um registro pessoal, o filme expõe a ação de missionários evangélicos na região e os impactos profundos que essa presença tem causado ao tecido social e identidade das diferentes etnias que vivem no Xingu.
Para quem estiver em São Paulo, o filme vai compor a categoria Mostra Brasil, na 49ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo, que acontece entre os dias 16 e 30 de outubro. A programação conta com 373 filmes, vindos de 80 países, que serão exibidos em 52 salas de cinema, espaços culturais e CEUs espalhados pela capital paulista. Adquira os ingressos aqui.
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Nota de pesar pelo falecimento de Olympio Serra, pioneiro na defesa do protagonismo indígena
Antropólogo que dirigiu o Parque Indígena do Xingu após Orlando Villas-Bôas marcou o indigenismo brasileiro ao nomear os primeiros chefes de posto indígenas na Funai
Olympio Serra discursa em março de 2023, no Auditório 2 de Julho, na Reitoria do IFBA, em Salvador|Gilberto Amorim/IFBA
O Instituto Socioambiental (ISA) se despede de Olympio Trindade Serra com tristeza e deferência. Podemos dizer, sem medo de exagerar, que bem antes de se falar em "protagonismo indígena", ou de estar estruturado o campo político que triunfou na Constituição de 1988 para os direitos dos povos indígenas, houve um antropólogo que, ineditamente, nomeava dois indígenas para assumirem cargos administrativos na Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) que, até então, eram exercidos exclusivamente por funcionários não indígenas.
Olympio Serra foi diretor do Parque Indígena do Xingu (PIX) depois de Orlando Villas-Bôas. Aliados e companheiros, Olympio concebeu, delicadamente, seu conceito de gestão do PIX que admitia, ser ali, não uma dádiva da política pública para povos indígenas, mas sim um território que pudesse ser apropriado por quem deu-lhe conteúdo e consistência.
Megaron Txukarramãe e Mairawë Kayabi foram nomeados "Chefes de Posto" do Diauarum (no Médio PIX) e do Kretire (no Baixo PIX) por Olympio Serra. Apenas o Alto PIX, onde se localiza ainda hoje o Posto Indígena Leonardo Villas-Bôas, manteve um funcionário não indígena da Funai que, ainda assim, em 1987 passou a ser gerido por Pirakumã Yawalapiti, expressando o legado de Olympio para a política indigenista naquela terra indígena que, por muitos anos, insistia-se ser a última reserva indígena possível de um Brasil militarizado e desenvolvimentista.
O ISA ouviu a antropóloga Ana Gita de Oliveira, discípula de Olympio Serra, e sua amiga de "todos os momentos", como ela mesma expressa. Gita concorda que foi ele o grande responsável por realizar em uma Funai da ditadura militar, coordenado o setor de estudos e pesquisas da autarquia. São palavras dela: "naqueles tempos sombrios, [Olympio] teve a coragem de chamar antropólogos para implementarem um grande projeto de esperança para os povos indígenas por meio de políticas específicas, uma iniciativa inédita e progressista com grande repercussão no campo indigenista". A consequência da ousadia resultou na demissão dele e de outros tantos antropólogos que se posicionaram contra os desmandos dos militares.
Fora da Funai, relata Gita, Olympio foi chamado por Aloisio Magalhães para integrar o corpo de pesquisadores da então recém criada Fundação Nacional Pró- Memória, onde me acolheu e, juntos, criamos a setor de Etnias e Sociedade Nacional, inédito no campo das políticas de salvaguarda do patrimônio cultural que teria vida institucional longa. Posteriormente, essa experiência seria integrada ao Departamento do Patrimônio Imaterial do IPHAN, que em sua história recente pode, também de forma inédita, tratar das políticas de salvaguarda dos povos indígenas, dos movimentos negros, quilombolas e das comunidades tradicionais.
Em 1994, Olympio Serra foi chamado por Megaron Txukarramãe, então diretor do PIX, para compor a diretoria da ONG Associação Vida e Ambiente criada por seu tio, Raoni Metuktire, com o apoio de seu amigo, o cantor Sting.
Importante mencionar a defesa de Olympio em favor dos terreiros de candomblé e de todos os movimentos negros – ou de pretos – como dizia. Dentro da Fundação Pró-Memória, herdada pelo Iphan no Ministério da Cultura, ele fazia lembrar, incansavelmente, que a presença da cultura imaterial de pretos e indígenas era tão ou mais importante do que a salvaguarda dos patrimônios de origem europeia geralmente representados pela materialidade de casarões portugueses. A presença indígena nos blocos de pretos do carnaval da Bahia era - e ainda é - como ele insistia, a maior prova dessa sempre viva herança cultural.
Siga em paz, Olympio! Você vai fazer falta.
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ExpoTix promove festival de diversidade e movimenta as economias do Xingu
De colar de caramujo a sal de aguapé, feira do Território Indígena do Xingu celebra produção indígena, denuncia ameaças e busca apoio para futuras edições
A artesã Babalu Kuikuro, que vive na Aldeia Yawalapiti, no Território Indígena do Xingu (TIX), é conhecida pelos colares de caramujo - a joia do Xingu - que ela confecciona desde muito jovem. Ela aprendeu a fazer os colares com o seu pai e carrega nas mãos as marcas do ofício: a peça é feita com lâminas delicadas moldadas a partir das conchas de caramujo do Cerrado, que a cada dia estão mais difíceis de serem encontradas.
Tamuwa Wauja e sua companheira, Atapuwalu Wauja, da Aldeia Piyulaga, no Alto Xingu, são produtores de sal de aguapé, extraído das cinzas do aguapé, planta aquática manejada pelas famílias xinguanas.
Primeiro vem a coleta da planta aquática e, em seguida, acontece o longo processo de secar, cozinhar, desidratar e pilar. O resultado é um sal fino, claro e saboroso. “Esse é um tempero bastante usado com peixe assado e pirão. Pode ser puro ou misturado com pimenta. E é usado no Xingu todo também como remédio”, explica Tamuwa. Além dos Wauja, os principais produtores do sal de aguapé são os Aweti e Mehinaku.
Já Kumesiperiru Wauja é produtora de héjés - ou tachos para fazer beiju -, panelas, xícaras e outros utensílios feitos com argila, matéria-prima que leva até cinco horas de caminhada para ser encontrada. O cauxi (esponja de água doce), também usado nos objetos, está cada vez mais raro no Xingu devido às mudanças climáticas. As peças são desejadas por sua beleza e por terem uso antigo e tradicional, sendo ideais para a culinária indígena.
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Peças de Kumesiperiru Wauja, produtora de cerâmica tradicional, são desejadas pela beleza e utilidade na culinária indígena|Ana Amélia Hamdan/ISA
Os colares de caramujo, o sal de aguapé - delicadamente guardado em embalagem de folhas secas - e a cerâmica Wauja compuseram, junto com outros produtos, um verdadeiro festival de diversidade na 2ª ExpoTix - Feira e Exposição dos Produtos do Território Indígena do Xingu, entre os dias 16 e 19 de setembro, na aldeia Khikatxi, TI Wawi. Este ano, a ExpoTix comemorou também os 30 Anos da Associação Terra Indígena Xingu (ATIX).
O encontro teve a participação de representantes dos 16 povos do TIX e contou com cerca de 700 pessoas, principalmente indígenas. Povos de fora, como os Xavante e Panará, também estiveram presentes. Na parte cultural, aconteceram danças e cantos tradicionais. As apresentações incluíram um desfile de trajes típicos dos povos, com a participação da atriz e influencer Simone Sampaio, e show do DJ Eric Terena. Os comunicadores indígenas da ATIX e da Associação Indígena Khisêtjê (AIK) fizeram a cobertura do evento.
Presidente da ATIX, Ianukulá Kaiabi Suia considera que a ExpoTix promove a compra e venda de produtos, mas vai muito além. O encontro valoriza a roça e a comida tradicional, promove o intercâmbio entre os povos, fortalece o território e as economias do Xingu, combatendo a visão preconceituosa de que o indígena não produz.
A ATIX já planeja a terceira edição e, para isso, lançou a Carta da 2ª ExpoTix, que denuncia pressões que colocam em risco os modos de vida e produção dos povos do Xingu, desde o agronegócio até a alimentação ultraprocessada. O texto também indica e cobra apoio e políticas públicas que fortaleçam os povos, a cultura e as economias da sociobiodiversidade dos xinguanos.
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Na parte cultural, aconteceram danças, cantos tradicionais e um desfile de trajes típicos dos povos|Kamikia Khisêtjê
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A diretora de Etnodesenvolvimento Territorial da ATIX Watatakalu Yawalapiti e a atriz Simone Sampaio|Ana Amélia Hamdan/ISA
“Esse nosso projeto mostra que as terras indígenas têm produções que não são conhecidas e precisam ser valorizadas. Estamos dizendo para a sociedade não indígena e até para nós mesmos que os nossos produtos são todos orgânicos e deveriam ser reconhecidos e valorizados no mundo comercial também. Além disso, as nossas manifestações culturais estão fortemente ligadas aos nossos produtos das roças. Não é por acaso que existe a Festa do Pequi, a Festa da Mandioca, a Festa do Milho. Estamos falando de dinheiro, compra e venda, mas o nosso sistema tradicional de troca também permanece, com a realização do Moitará”, disse. O Moitará (troca) é um ritual tradicional de trocas e partilhas.
Produtores que participaram da ExpoTix aprovaram a feira e já se preparam para a próxima edição.
“Achei muito bom. Eu vendi bastante e também fiz muitas trocas. Eu trouxe para casa colar de tucum do pessoal do Baixo Xingu, farinha dos Khisêtjê, cestaria, urucum e também peixe seco. Esses foram os produtos que eu trouxe da ExpoTix”, conta Babalu Kuikuro. Ela também conseguiu a matéria-prima para confeccionar seus colares. Bernardina Xavante, da aldeia Abelhinha, Terra Indígena Sangradouro, encontrou as conchas na sua região, levou para a feira e trocou com Babalu, que entregou miçangas a ela.
Kumesiperiru, a artesã do povo Wauja, também vendeu e trocou peças. Ao fim da feira, levou na sua bagagem farinha Kaiabi, banana Khisêtjê e goiaba da mata para plantar.
Para o produtor Yaiku Tapayuna, da Associação Tapayuna (AIT), outra importância da feira é a troca de experiências. “A importância da feira é cada um conhecer a produção do outro e trocar experiências. Isso é importante para manter nossa cultura, nossa tradição e nossa forma de trabalhar. E isso depende da nossa organização. Na feira, estamos todos animados, mulheres, jovens e os parceiros. A feira é importante e mostra a nossa diversidade cultural e de alimentos”, diz.
Coordenador do Programa Xingu do Instituto Socioambiental (ISA), Roberto Rezende esteve na comemoração dos 30 Anos da ATIX e na ExpoTix. Ele ressaltou a importância da diversidade presente na feira, resultado dos modos de vida e produção dos povos indígenas.
“A gente vê aqui cerâmica, tecidos, cestaria, artesanato, comida, beiju, peixe. Mas há produções que resultam das práticas dos povos do Xingu que não cabem em nenhuma exposição. Enquanto o modelo não indígena de produção não gera diversidade e está causando degradação, o modelo diverso dos povos indígenas está interligado à floresta, que produz água, regula o clima”, explicou. “Então, sempre que alguém disser que os povos indígenas produzem pouco, podemos dizer que produzem muito, inclusive porque também produzem o mais essencial hoje: a regulação do clima e a chuva. Isso está começando a ser discutido como serviço ambiental, que é você remunerar os povos que produzem floresta e que produzem diversidade com esse trabalho", disse.
Assessora do Programa Xingu do ISA, Kátia Ono também ressalta a diversidade da ExpoTix, destacando as matérias-primas - algumas raras - que foram encontradas na feira. Uma delas é a resina usada em flechas e também no artesanato.
Ao circular entre os produtores, ela encontrou ainda artesanato com cabaça e linha; peixe com beiju; sucos de frutas do Cerrado; doce de jatobá com mel; paçoca de amendoim, além do prato tradicional feito com massa de mandioca recheada de peixe e assada na folha de bananeira.
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Tecidos, cestaria, urucum fizeram parte das partilhas da ExpoTix|Ana Amélia Hamdan/ISA
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Os artesanatos e a resina usada em flechas também fizeram parte das trocas|Ana Amélia Hamdan/ISA
Essa diversidade foi vista durante toda a ExpoTix: milho, amendoim, cará, mandioca, mangaba, goiaba da mata, abacaxi, coco, cana, farinhas de vários tipos, peixe, beiju foram alguns dos alimentos expostos na feira.
Só na banca dos produtores Jamanary Kaiabi e sua companheira Kunhakatu Kaiabi, da Aldeia Guarujá, tinha farinha de peixe, farinha de fazer pirão, quatro tipos de amendoim, três tipos de milho e dois tipos de cará. Mas Jamanary alerta: “A gente depende da chuva, que já não acontece mais dentro do calendário tradicional”.
Outro produto de destaque foi o mel. Durante a ExpoTix, a ATIX e o ISA montaram um estande do projeto Mel dos Índios do Xingu. Além do produto, foram expostos informações, fotos e até os equipamentos usados para a produção.
Coordenador de Alternativas Econômica da ATIX, Tariaiup Kayabi informa que o projeto do mel envolve 87 apicultores dos povos Kayabi, Ikpeng, Khisêtjê, Matipu, Kalapalo e Kuikuro. A maior parte da produção é para consumo das famílias e da comunidade.
Ele conta ainda que, no passado, seu povo consumia o mel produzido pelas abelhas nativas e não conhecia a abelha Europa, produtoras do mel do Xingu. “Antes de conhecer, o meu povo tinha medo de comer o mel da abelha Apis, que tem ferrão. Pensava assim: como tem a ferroada, talvez o mel tenha veneno. Mas depois foi conhecendo. Os anciãos disseram que o mel da abelha Apis é parente do mel da abelha nativa e também combate a gripe. E assim valorizaram o mel da abelha Apis”, relata.
Os impactos das mudanças climáticas e do avanço do agronegócio também estão afetando a produção do mel. Queimadas e ataques de tatu-canastra foram alguns dos problemas relatados por Tariaiup ocorridos nos últimos anos. A saída encontrada pelos apicultores foi a adaptação: com a ação de brigadas, os incêndios diminuíram. E, para enfrentar os ataques de animais, o grupo está usando cavaletes mais altos, que deixam as colmeias mais protegidas.
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Estande do projeto Mel do Xingu, desenvolvido em parceria entre ATIX e ISA|Ana Amélia Hamdan/ISA
A questão da mudança climática esteve presente em várias das discussões que aconteceram dentro da programação.
“A mudança climática mudou nossos indicadores, que eram o canto do pássaro, o vento, o calor, a umidade. Com essa mudança, de repente vem a chuva. E aí atrapalha o tempo de queima da roça. Agora, a queima da roça dá mais trabalho”, disse Yaiku Tapayuna. Ele levou para a feira artesanato, farinha azeda, farinha de puba, castanha de pequi. Um produto foi destaque: a goiaba da mata, que quase ninguém conhecia.
“Veio o sistema de homem branco e primeiro achamos lindo. Mas dentro do nosso sistema de produção, ninguém coloca veneno. Na nossa tradição, o nosso adubo é a nossa fala. Temos a forma de fazer o canto para adubar a terra”, refletiu.
Na mesa da Comissão de Alimentos Tradicionais dos Povos (Catrapovos), conduzida por Marcelo Martins, articulador territorial do ISA, foram debatidas as políticas públicas de aquisição de alimentos, como o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE). Foi trazido também o tema da adaptação, ou seja, medidas que os povos do TIX já estão tomando para se ajustarem às mudanças do clima, entre elas formas de irrigação; manejo do fogo; modos de fazer roça ou de organização das comunidades.
Liderança indígena e ativista, Watatakalu Yawalapiti, diretora de Etnodesenvolvimento Territorial da ATIX, conduziu a roda de conversa das mulheres.
“Estamos na 2ª ExpoTix e não há como não falar das mulheres quando se fala em bioeconomia. Elas cuidam das roças, fazem farinha e polvilho. E repassam esse conhecimento para os filhos e filhas. Os municípios, instituições governamentais e não governamentais precisam olhar para essas mulheres. Este ano vamos receber a COP30 e precisamos olhar para as mulheres que fazem a sustentabilidade dentro dos territórios indígenas”, disse.
Durante o debate, a questão da qualidade da alimentação foi um dos temas de destaque, com a preocupação com o consumo de ultraprocessados trazidos de fora. Consta da Carta da 2ª ExpoTix a ampliação da alimentação tradicional nas escolas e também nas unidades da saúde indígena.
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Sal de aguapé, guardado em embalagem de folhas secas: produto é usado como tempero e remédio|Ana Amélia Hamdan/ISA
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Peixe com beiju faz parte da cultura alimentar xinguana|Ana Amélia Hamdan/ISA
A médica sanitarista Sofia Mendonça, coordenadora do Projeto Xingu da Unifesp, fez uma apresentação indicando a mudança nas doenças que predominam no território, com o avanço de doenças não transmissíveis, como diabetes e hipertensão, muitas vezes ligadas a hábitos alimentares. Ela ressaltou a importância da feira também para saúde, já que valoriza a alimentação tradicional e saudável.
Liderança jovem, Lewaiki Khisêtjê trouxe reflexões sobre a potência das economias indígenas.
“Com esses projetos sustentáveis que a gente tem, podemos mostrar para as pessoas que existe uma economia diferente, não uma economia que destrói tudo, que está matando o nosso planeta. Então, esse é o momento exato de mostrar os nossos produtos da roça, os nossos projetos nos territórios e fazer uma educação para o não indígena, de como preservar, de como manter a floresta em pé. A gente tem a nossa renda, que beneficia a comunidade e os povos. A gente não quer o lucro só pra gente, como o agro quer. Para nós, a sociobioeconomia é isso”, resumiu.
O encontro foi realizado pela ATIX em parceria com a Secel/MT, Governo de Mato Grosso, Ministério da Cultura e Governo Federal, no âmbito do edital Feiras de Economia Criativa e Solidária – Edição Lei Paulo Gustavo, com apoio da Embaixada da França no Brasil, Energisa MT, Funai, Instituto Socioambiental (ISA), Dsei - Xingu, Unifesp (Projeto Xingu), Imaflora, Rede de Sementes do Xingu, Rede Xingu Mais, AIK Produções e Coiab.
Resistência e celebração: ATIX comemora seus 30 anos com cerimônia tradicional
A Associação Terra Indígena Xingu (ATIX) celebrou seus 30 anos de criação com uma grande festa tradicional na aldeia Khikatxi, do povo Khisêtjê. O evento marcou três décadas de luta, resistência e dedicação à preservação da vida e da cultura no Xingu. A solenidade de abertura foi carregada de significado, com o povo Khisêtjê acompanhando a diretoria da ATIX da casa do cacique Kuiussi Suya até o centro da aldeia (Ngá).
Durante a cerimônia, o cacique Kuiussi Suya expressou sua profunda alegria em sediar o encontro, que reuniu representantes de diversos povos: Kuikuro, Wauja, Matipu, Mehinako, Yawalapiti, Kalapalo, Nahukwá, Ikpeng, Awetí, Kamaiurá, Yudjá (Juruna), Kawaiwete (Kaiabi), Trumai, Khisêtjê (Suia) e Kajkwakratxi (Tapayuna).
Em sua fala, o presidente da ATIX, Ianukulá Kaiabi Suya destacou a mensagem central da celebração, que contou com a presença de parceiros. O secretário executivo do ISA, Rodrigo Junqueira, o coordenador do Programa Xingu, Roberto Rezende, o coordenador-adjunto do Programa Xingu, Ivã Bocchini, e outros membros da equipe estiveram presentes.
"A gente chega nos 30 anos da ATIX com a mensagem principal: 30 anos de luta, 30 anos de resistência. A ATIX consegue mostrar à sociedade não indígena que é possível adotar alguns sistemas de organização do "homem branco" ao seu próprio jeito, preservando e protegendo a instituição e a floresta por muitos anos”, disse Ianukulá Kaiabi Suia.
As celebrações contaram com a presença de ex-presidentes da ATIX e lideranças, entre eles Winti Suia, Mairawe Kaiabi e Tapi Yawalapiti. A celebração incluiu competições tradicionais, como torneio de arco e flecha e corrida, reafirmando a força da tradição dos povos do Xingu.
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‘Memórias do Cacique’: Raoni nos fortalece e ensina a sonhar
Trajetória em defesa dos povos indígenas ganha registro inédito em livro escrito com seus netos, com ensinamentos sobre política, espiritualidade e cosmologia Mẽbêngôkre-Kayapó
O cacique Raoni Mẽtyktire lançou na última terça-feira (09/09), no Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB), em Brasília, o livro Memórias do Cacique. Reconhecido como uma das vozes mais influentes do Brasil na defesa dos povos indígenas e de seus territórios, Raoni iniciou seu ativismo em 1960, aprendeu português e teve papel fundamental na demarcação de Terras Indígenas e no reconhecimento dos direitos indígenas na Constituição de 1988.
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“Me escutem! Minhas palavras são para o nosso bem viver, quero que vocês sejam felizes”, disse Raoni Mẽtyktire emocionado durante a cerimônia de lançamento de seu livro|Kamikia Kisedje/Rede Xingu+
O lançamento contou com a mediação de Danna Dantas (Companhia das Letras) e a participação de Raoni Mẽtyktire, seus netos Beptuk Metuktire, Patxon Mẽtyktire, Paimu Txucarramãe, e do antropólogo Fernando Niemeyer.
Sua biografia vai muito além da longa trajetória em defesa dos povos indígenas: reúne um percurso etnográfico sobre a vida social, mitologia e cosmopolítica Mẽbêngôkre-Kayapó a partir de suas memórias e sonhos.
Raoni pertence ao povo Mẽbêngôkre, também conhecidos como Kayapó, subgrupo Mẽtyktire e falantes de línguas do tronco macro-jê.
Em Memórias do Cacique, o leitor acompanha a trajetória de Raoni Mẽtyktire a partir da conversão da sua memória oral em sua língua materna para a forma escrita em português brasileiro.
Os relatos, dirigidos inicialmente a seus netos, foram por eles traduzidos e editados em parceria com o antropólogo Fernando Niemeyer, que elaborou a pesquisa e o roteiro para orientar as entrevistas.
Muitos netos de Raoni participaram da elaboração da obra, principalmente os que assinam o prefácio, Beptuk Metuktire, Patxon Mẽtyktire e Paimu Txucarramãe compartilharam com o público a trilha de construção de Memórias do Cacique.
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“Todas essas histórias irão servir para as próximas gerações, para os Mebêngôkre-Kayapó que não vão conhecer o meu avô, mas poderão conhecer essa história”, afirmou Paimu Txucarramãe sobre a importância do livro|Kamikia Kisedje/Rede Xingu+
“Começamos desde o início com outros netos, como o finado Bepro, que foi uma das pessoas mais importantes nessa construção, e o Roiti Metuktire. Foi um trabalho de união e harmonia, em que todos nós estávamos juntos, aprendendo e compartilhando as mensagens do nosso avô. O processo de construção do livro é como um museu de conhecimento e quando nosso avô se for, nós seremos o museu dele. Vamos continuar transmitindo para nossos filhos e netos tudo que aprendemos durante a construção do livro”, compartilhou Beptuk Metuktire.
Patxon Mẽtyktire contou que sempre traduziu assuntos políticos para o seu avô. Ser um dos tradutores de Memórias do Cacique levou-o a entrar em contato com todo o universo cosmológico presente na memória de Raoni.
“Foi um aprendizado, pois ele contou coisas que a gente não sabia, da época dele de criança antes do contato. Ele falou sobre suas primeiras visões de pajé, a maneira como os Mẽbêngôkre-Kayapó se relacionam socialmente, as falas rituais, e teve um momento que olhamos um para o outro e perguntamos, e aí, como vamos traduzir isso para o português?”, contou durante a cerimônia.
“Eles sentiram o peso dessa responsabilidade. Na cultura deles é dever de um avô explicar a tradição e é dever de um neto aprender com o avô. Vimos eles fazendo deste livro um processo da reprodução da cultura Mẽbêngôkre-Kayapó de outra forma”, disse Fernando Niemeyer.
Para o antropólogo, que atua com os Mẽbêngôkre-Kayapó desde 2011, Raoni é eterno e é uma honra ser conterrâneo e contemporâneo dessa grande liderança.
“Daqui a muitos séculos Raoni será lembrado, e ele deixar esse livro para as próximas gerações Kayapó, e para a nossa sociedade, é uma contribuição muito importante que ele queria trazer. Tivemos o privilégio de apoiá-lo. Quem está perto dele sente essa força e vocês, que estão no mesmo espaço que ele, conseguem sentir a força que ele carrega”, disse.
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O antropólogo Fernando Niemeyer foi o responsável pela pesquisa e organização da publicação, com os netos linguistas e comunicadores de Raoni Mẽtyktire|Kamikia Kisedje/Rede Xingu+
“É uma trajetória que, espero, nós tenhamos coragem para chegar perto do que o nosso avô é”, afirmou emocionado Patxon Mẽtyktire.
Com a biografia, Raoni deixa ensinamentos muito importantes sobre sua luta, como a demarcação de territórios e conquistas de direitos para os povos indígenas. Ele também ensina que sua luta política é indissociável da dimensão xamânica, do lugar que ele acessa como pajé, da sua relação com os espíritos dos animais, dos peixes, das chuvas e dos ventos.
“Quero aproveitar e falar sobre minhas visões, pois sou pajé também. Tenho visto várias coisas, por exemplo: cheguei a encontrar os donos dos ventos e eles me mostraram que os ventos fortes estavam arrancando todas as folhas. Eu vi. Pude ver também pessoas que tem luz. E eles me disseram que essas ações na terra, como desmatamento, traz calor cada vez mais forte. Sei que na Câmara tem projetos de destruição e fico preocupado com a consequência que isso pode trazer para nós. Coisas muito ruins podem acontecer.”
Para Raoni, ao desmatar não perderemos apenas árvores, mas todo um universo de espíritos, fundamentais para o equilíbrio da vida.
Ele mostra também como o sonho é importante, uma forma de agir no mundo e transformar a realidade, algo que outros intelectuais indígenas como Davi Kopenawa e Ailton Krenak trazem em seus livros: uma forma de agir no mundo. Com um estilo que aproxima o leitor das memórias e dos sonhos dos Mẽbêngôkre-Kayapó, Raoni convida a sonhar a partir da cosmologia de seu povo, em uma narrativa que torna o estado de vigília como um importante momento para as decisões que orientam a política e a vida social entre os Mẽbêngôkre-Kayapó desafiando a maneira como a sociedade não indígena não leva em consideração a importância dos sonhos para suas vidas.
Beptuk Metuktire disse que, durante a construção do livro, seu avô sempre falou que é pajé e os netos sabem que ele é pajé. “Eu costumo comentar que enquanto estávamos gravando o meu avô surgiam cobras e corujas na janela do quarto, nos olhando. Acredito que era o chamado da natureza para construir esse livro”.
Entender como podemos aprender a sonhar, como Raoni, talvez seja o primeiro passo para escutar o chamado da natureza e viver em paz.
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A deputada federal Célia Xakriabá marcou presença na cerimônia de lançamento do livro, celebrando a trajetória de luta e resistência do cacique|Kamikia Kisedje/Rede Xingu+
O livro Memórias do Cacique é uma publicação da Companhia das Letras e contou com o apoio do Instituto Socioambiental (@socioambiental), do Instituto Sociedade, População e Natureza (@ispn_brasil) e do Instituto Raoni (@institutoraoni).
Durante a organização da cerimônia de abertura, os netos discutiram a sequência dos cantos e escolheram finalizar a cerimônia com o Kôrãti, que é um canto que os Mẽbêngôkre-Kayapó cantam para celebrar grandes conquistas. O canto consta no primeiro capítulo do livro, e faz parte do episódio mítico da origem da agricultura e diferenciação dos povos. “O livro foi uma grande vitória para nós, conseguimos concluir depois de cinco anos e estamos apresentando ele para vocês, por isso agora vamos cantar o Kôrãti:
Kôrãti…Krãtôitxô kamã arôrô arôrô ne kôrãti krãtôitxô kamã arôrô arôrô Grande surubim sobre o tracajá boia boia E o grande surubim sobre o tracajá boia, boia
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Atix comemora 30 anos de atuação com protagonismo indígena no Xingu
Criada em 1995, a Atix atuou e atua com sucesso em melhorias das condições de transporte, saúde e educação, na geração de renda, proteção do território e valorização de suas culturas
André Villas-Bôas
- Secretário executivo da Rede Xingu+ e sócio-fundador do ISA
Em 2025, a Associação Terra Indígena Xingu (Atix) completa 30 anos de trajetória marcada pelo protagonismo indígena e pela construção de novas formas de diálogo com o estado brasileiro e a sociedade.
Criada no início da década de 1990, a associação surgiu em um contexto de mudanças nas políticas indigenistas. Até então, a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) concentrava praticamente todas as responsabilidades sobre os povos indígenas, como assuntos relacionados à educação, saúde, fiscalização e demarcação de terras, em uma relação marcada pelo paternalismo estatal.
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Dança Kuikuro, celebração dos 20 anos da Associação Terra Indígena do Xingu (Atix), aldeia Moygu do povo Ikpeng, Parque Indígena do Xingu (PIX)|Letícia Leite/ISA
Com a descentralização dessas políticas, lideranças dos povos do Xingu perceberam a necessidade de se organizar de forma independente para garantir seus direitos e estabelecer conversas diretas com diferentes esferas do poder público, incluindo governos estaduais e municipais, além de frentes de cooperação internacionais. Foi assim que, inspirados em modelos de organização externos à sua cultura e diante da urgência de proteção do território que fundaram a Atix para que pudessem representar seus próprios interesses.
Nesse processo, o ISA, também recém criado a partir da experiência do Centro Ecumênico de Documentação e Informação (Cedi), se consolidou como importante aliado dos xinguanos por muitos anos, com o papel de fortalecer a estrutura da Atix e promover capacitação técnica, respeitando a autonomia e independência dos povos. O trabalho conjunto, especialmente ao lado de Mairawê Kaiabi, primeira grande liderança da associação, foi fundamental para consolidar a atuação da entidade.
Trinta anos depois, a Atix é reconhecida pela capacidade de gestão de seus projetos, pela articulação política com governos e instituições e pelo papel central na defesa dos direitos e do território dos povos do Xingu no estado do Mato Grosso. Para o ISA, ser parceiro dessa trajetória é motivo de orgulho. A Atix tem hoje total autonomia e protagonismo. O ISA é e sempre será um aliado, mas o caminho foi e continua sendo construído pelos próprios povos do Xingu.
Para somar na articulação, foi criado em 2019 o Movimento Mulheres do Território Indígena do Xingu (MMTIX), focado na emancipação e participação das mulheres de diversas etnias da região nas decisões políticas. Elas buscam também representatividade e visibilidade, tanto dentro como fora de suas aldeias. Entre suas inúmeras ações, estão projetos de geração de renda, ações emergenciais para enfrentamento da pandemia e contra o desmatamento.
Em um cenário político que ainda impõe desafios e ameaças aos direitos indígenas, a história da Atix reafirma a importância da organização e do trabalho coletivo. Seus 30 anos celebram a memória das lideranças que a fundaram e sustentaram em atuação estratégia, mas também a força de um movimento que soube transformar adversidades em conquistas de autonomia e fortalecimento cultural.
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Livro de memórias de Raoni terá lançamento em Brasília
Um desejo de longa data da liderança histórica do povo Kayapó, obra é uma realização do Instituto Raoni e da Companhia das Letras, com apoio do ISA e do ISPN
O Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB) recebe no dia 09 de setembro, às 19 horas, o evento de lançamento do livro Raoni-Memórias do Cacique. A obra concretiza um desejo de longa data do Cacique Raoni, e é uma realização do Instituto Raoni em parceria com a Companhia das Letras, com apoio do Instituto Socioambiental (ISA) e do Instituto Sociedade, População e Natureza (ISPN). O evento será aberto ao público, haverá sessão de autógrafo com o cacique e um diálogo com Raoni, seu neto Beptuk Metuktire e Fernando Niemeyer.
Ropni, aportuguesado como Raoni, pertence ao povo Mẽbêngôkre, também conhecido como Kayapó Cacique, pajé e cuidador de seu povo, tornou-se uma liderança que conheceu o mundo dos brancos, fez alianças pessoais e políticas, dentro e fora do Brasil, e formou uma visão de mundo própria, onde não há diferença entre mito e história, revelando a complexidade do pensamento originário.
O livro foi construído a partir de entrevistas inéditas realizadas pelos tabdjwy de Raoni, seus netos, entre 2020 e 2023. Falando sempre em mẽbêngôkre, e rodeado de parentes, Raoni gravou durante dezenas de horas, em diversas sessões, as histórias e mitos que resultaram neste relato. O material foi traduzido para o português por meio de um trabalho meticuloso e extenso de uma equipe de tradutores Mêbêngôkre, sob a coordenação do antropólogo Fernando Niemeyer, que também supervisionou a redação e edição do manuscrito.
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Trajetória do cacique Raoni exalta a floresta viva, com seus espíritos, cosmovisão, modos de vida e esperança|Lilo Clareto/ISA
As memórias do cacique nos convidam a enxergar a história do Brasil pela perspectiva daqueles que sempre habitaram estas terras, que testemunharam a chegada dos invasores e que, desde então, elaboram estratégias de resistência. É a perspectiva daqueles que veem a floresta viva e repleta de espíritos como seu principal meio de existência e que lutam por ela como um ato de esperança para o futuro.
"Me comovo quando penso em Raoni, herói mítico do panteão dos guerreiros, líder da resistência nativa no continente americano com quem temos a oportunidade de conviver, alguém de cuja luta podemos ser testemunhas", compartilha Ailton Krenak.
Raoni nasceu em 1937, na região do Kapôt, norte do Mato Grosso, e tornou-se intermediário entre seu povo e os não indígenas em viagens dentro e fora do Brasil para reivindicar seus interesses coletivos e buscar alianças e recursos. Com atuação emblemática na arena política, teve importância decisiva na demarcação de vários territórios e na conquista de direitos indígenas a partir da década de 1970.
Serviço
Memórias do Cacique: Um diálogo com Raoni Mẽtyktire, Beptuk Metuktire e Fernando Niemeyer
Mediação: Danna Dantas Local: Centro Cultural Banco do Brasil de Brasília (SCES, Trecho 2 - Asa Sul, Brasília/DF), aberto de terça a domingo, das 9h às 21h Data: 09 de setembro, às 19h Ingressos:bb.com.br/cultura ou na bilheteria do CCBB Brasília a partir do dia 8/9, às 12h (via link ou na bilheteria física)