Lideranças indígenas denunciam garimpo ilegal em Genebra
Representantes de aliança dos povos Kayapó, Yanomami e Munduruku irão falar na 17ª sessão do Mecanismo de Especialistas sobre os Direitos dos Povos Indígenas (EMRIP)
Doto Takak Ire, liderança Kayapó da Terra Indígena Menkragnoti e presidente do Instituto Kabu e Júlio Ye’kwana, presidente da Associação Wanasseduume Ye'kwana (SEDUUME), da Terra Indígena Yanomami, irão discursar na plenária principal nas manhãs dos dias 8 e 9 de julho, durante as discussões dos Itens 3 e 5 da programação, respectivamente.
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Doto Takak Ire, liderança da Terra Indígena Menkragnoti|Fred Mauro/Terra Floresta Filmes/ISA
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Julio Ye'kwana, liderança da Terra Indígena Yanomami|Adriana Duarte/ISA
No dia 10 de julho, às 15h local, acontece o evento paralelo “Povos Indígenas contra o garimpo de ouro na Amazônia brasileira”, organizado pela Aliança em Defesa dos Territórios e a Rede de Cooperação Amazônica (RCA), com apoio do Instituto Socioambiental (ISA), Greenpeace, Instituto Iepé, Rainforest Foundation Norway e Instituto Raça e Igualdade.
A abertura será feita por Todd Howland, do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos (ACNUDH) e contará com a participação das lideranças Kayapó e Ye’kwana, de Manoela Pessoa De Miranda, do Secretariado da Convenção de Minamata e de Anexa Alfred Cunningham, do EMRIP.
Em 2023, a exploração ilegal de ouro em Terras Indígenas na Amazônia brasileira resultou no desmatamento diário de uma área equivalente a quatro campos de futebol. Nas terras dos povos Kayapó, Munduruku e Yanomami se concentram 95% dos garimpos ilegais, totalizando 26,7 mil hectares destruídos até meados de 2024.
Suíça e Canadá são os principais importadores de ouro do Brasil. Em 2022, lideranças indígenas pediram que refinarias suíças se comprometessem a não comprar ouro de Terras Indígenas, porém, a falta de mecanismos de rastreamento eficientes prejudicam a fiscalização.
Apesar da mudança de governo no Brasil, a conjuntura política ainda é desfavorável devido ao avanço de pautas anti-indígenas no Congresso Nacional. Enquanto isso, a vida e a saúde dos indígenas seguem em risco, afetadas por invasões garimpeiras – muitas vezes ligadas ao narcotráfico e facções criminosas –, que resultam em violência, disseminação de doenças, contaminação dos rios e prejuízo às atividades de subsistência.
Pesquisas em comunidades Yanomami e Munduruku mostram altos índices de contaminação por mercúrio, indicando risco de mal de Minamata – doença neurológica causada pela intoxicação por mercúrio severa. Em 2023, foi decretada crise sanitária na TI Yanomami, mas os casos de malária e desnutrição infantil continuam alarmantes, exigindo ações estruturantes para a saúde indígena.
Recomendações ao governo brasileiro
Em Genebra, as lideranças Kayapó e Ye’kwana irão solicitar que os Relatores Especiais e outros Procedimentos Especiais da ONU se comprometam com a defesa dos direitos dos povos indígenas e façam recomendações ao governo brasileiro.
Concluir em caráter emergencial a desintrusão da TI Yanomami e implementar a desintrusão das TIs Munduruku e Kayapó;
Apresentar planos de proteção territorial permanentes para todos os territórios, que incluam: (i) implementação e/ou recuperação de bases de proteção territorial; (ii) controle efetivo do espaço aéreo; (iii) monitoramento remoto regular do desmatamento dentro das Terras Indígenas, com resposta rápida dos órgãos de comando e controle diante de novos alertas; (iv) formação de agentes indígenas para contribuir com a proteção territorial; (v) promoção de patrulhas regulares nas zonas sob pressão; (vi) garantia da segurança das lideranças e organizações indígenas ameaçadas por garimpeiros.
Garantir a expansão das pesquisas sobre contaminação mercurial nas pessoas e nos peixes que consumimos; a célere elaboração de um plano de acompanhamento e tratamento das pessoas contaminadas; e de um plano de descontaminação dos rios;
Desenvolver e implementar mecanismos para aprimorar a transparência e o controle da cadeia produtiva do ouro, tanto dentro do território nacional quanto nos destinos das exportações;
Controlar a comercialização ilegal do mercúrio, sobretudo nas fronteiras do país;
Controlar a comercialização de máquinas utilizadas no garimpo, como retroescavadeiras, e exigir que os fabricantes rastreiem o seu uso;
Concluir a demarcação da TI Sawre Muybu, do Povo Munduruku. Todos os processos de demarcação no Brasil foram severamente impactados pela Lei 14.701/2023. É urgente que o Supremo Tribunal Federal julgue a inconstitucionalidade desta lei; e
Garantir que não haja mineração em Terras Indígenas no Brasil, nem qualquer outro tipo de exploração que afete a salvaguarda dos biomas que nós povos indígenas sempre fizemos. Não queremos substituir o garimpo pela mineração, mas sim o garimpo pela floresta saudável.
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ATL 2024: Lideranças Kayapó, Yanomami e Munduruku pedem fim do garimpo ilegal
Agendas com autoridades e debates concentraram-se em denunciar os impactos da atividade ilegal nas Terras Indígenas
Integrantes da Aliança em Defesa dos Territórios, formada em 2021 pelos povos Kayapó, Yanomami e Munduruku – que estão entre os mais afetados pelo garimpo ilegal no País –, discutiram, em atividades durante o 20° Acampamento Terra Livre (ATL) e em agendas com representantes de órgãos oficiais em Brasília, os trágicos impactos da atividade nos territórios e pediram providências para o problema.
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Da esquerda à direita: Dario Kopenawa, Cacique Juarez Saw Munduruku e Cacique Bepdjo Mekragnotire, lideranças de povos afetados pelo garimpo|Marina Terra/ISA
Durante o acampamento Luta pela Vida, realizado em agosto de 2021, em Brasília, líderes dos três povos se uniram para lançar uma Carta Manifesto contra o garimpo ilegal. Dessa reunião, surgiu a proposta de formar a Aliança em Defesa dos Territórios.
Na quarta-feira (24/04), os indígenas estiveram em uma audiência pública no Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e em uma reunião com a presidenta da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), Joenia Wapichana, onde fizeram relatos de violações de direitos humanos nas Terras Indígenas (TIs).
No encontro no CNJ, autoridades do Judiciário escutaram as denúncias das lideranças em meio às preocupações do movimento indígena com a decisão do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Gilmar Mendes, que propôs uma mesa de conciliação para discutir a Lei n° 14.701/2023, que viola diversos direitos indígenas previstos na Constituição Federal.
Em sua fala, o diretor da Hutukara Associação Yanomami, Maurício Ye'kwana, ressaltou a violência que o garimpo provoca contra a população indígena, em especial as mulheres e crianças.
Já na reunião com a presidenta da Funai, uma das principais reivindicações dos Munduruku foi por maior apoio da entidade para ações de proteção nos territórios, além da retomada das atividades produtivas e melhorias na estrutura das Coordenações Regionais para poder combater o garimpo.
Joenia Wapichana respondeu que há anos a Funai não tem orçamento para a reforma das CRs, mas que estão buscando apoio por meio de cooperações. No País, há 39 CRs ligadas à Funai, cuja função é coordenar e monitorar a implementação de ações de proteção e promoção dos direitos dos povos indígenas em todo o país.
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Reunião entre lideranças da Aliança e a presidenta da Funai, Joenia Wapichana, aconteceu em meio ao ATL 2024|Evilene Paixão/Hutukara Associação Yanomami
Há um mês, integrantes da Aliança fizeram uma audiência em Brasília com Paulo Teixeira, coordenador-geral de desintrusão do Ministério dos Povos Indígenas (MPI), Carolina Bastos, da Diretoria de Proteção Ambiental (Dipro/MPI), Ronaldo de Almeida Neto, da Defensoria Pública da União (DPU) e representantes do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), na qual puderam apresentar suas denúncias e cobrar ações mais efetivas.
Após a reunião, a Aliança elaborou uma carta direcionada às autoridades e que pautou as reuniões durante o ATL.
Aliança em Defesa dos Territórios no ATL 2024
Nesta quinta-feira (25/04), uma roda de conversa aconteceu em uma das tendas do ATL, unindo lideranças dos três povos e representantes da DPU.
“Não é mais garimpo como nos anos 1980. Agora é controlado por facções [criminosas]”, alertou Dário Kopenawa, vice-presidente da Hutukara, no ATL. Segundo a liderança, a presença do crime organizado deveria incentivar o Estado a agir de forma mais enérgica e estratégica. “Precisamos culpar os responsáveis. E essa responsabilidade é do governo”, sublinhou.
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“Não é mais garimpo como nos anos 1980, agora é controlado por facções”, alertou Dário Kopenawa, vice-presidente da Hutukara|Lucas Landau/ISA
A participação de facções em atividades ilegais como o garimpo cresceu nos últimos anos, sobretudo durante o período do governo Bolsonaro, quando a atuação dos órgãos de proteção nos territórios foi praticamente nula. Relatórios sigilosos obtidos pela Agência Pública revelaram que houve falta de apoio das autoridades para combater o problema na TI Yanomami.
Há dois anos, o relatório Yanomami Sob Ataque, lançado pela Hutukara com apoio do Instituto Socioambiental (ISA), trouxe relatos dos crimes cometidos nos territórios, como ataques a tiros a comunidades, além de apontar que integrantes de facções atuavam como seguranças privados do garimpo.
Em 2021, a comunidade Maikohipi, na região de Palimiú, resistiu por meses a sucessivas agressões de garimpeiros que estariam igualmente ligados a uma facção criminosa. O uso de armamentos pesados, como fuzis e metralhadoras, revelou uma mudança no perfil dos invasores.
Ano passado, a aliança lançou o relatório Terra Rasgada, que revelou um crescimento de 495% da área ocupada pelo garimpo nas TIs, entre 2010 e 2020. O dossiê explica os mecanismos que promovem o avanço do garimpo ilegal, altamente mecanizado e capitalizado, e reforça a necessidade de uma articulação interinstitucional para garantir a efetividade das ações contra a atividade.
A aliança também estreou, em 2023, o filme Escute: a terra foi rasgada, gravado em áreas dos três povos. A produção destaca a força e a beleza de sua cultura e do cotidiano, ao mesmo tempo em que aborda os impactos do garimpo ilegal em seus territórios.
Divergências nas aldeias e contaminação por mercúrio
Bepdjo Mekragnotire, cacique da aldeia Baú, que fica na TI Baú, no Pará – uma das nove áreas do povo Kayapó –, relatou que o assédio de garimpeiros também leva a conflitos nas comunidades, pois parte dos indígenas é convencida a se juntar à atividade ilegal.
“A gente sabe que o branco engana a gente. Todos nós, indígenas, precisamos lutar juntos para nos defender. Se a gente não lutar junto, a luta vai enfraquecendo”, assinalou.
Juarez Saw Munduruku, cacique da aldeia Sawré Muybu, na TI Sawré Muybu, no Pará, trouxe a preocupação com os impactos na saúde pela contaminação por mercúrio, provocada pelo uso do metal tóxico no garimpo de ouro. “Estamos vendo as crianças nascerem com deficiência e as mulheres não têm os filhos no tempo certo. O mercúrio não deixa as crianças crescerem na barriga da mãe”, alertou.
Atualmente, a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) desenvolve um estudo junto aos Munduruku para verificar se as mulheres grávidas estão sendo afetadas pelo mercúrio usado no garimpo ilegal.
Ele lembrou que, nos últimos anos, estudos feitos em parceria com a Fiocruz demonstraram altos índices de mercúrio no corpo dos Munduruku, o que gera a malformação de bebês e graves problemas de saúde, em sua maioria permanentes. “Quando a pessoa adoece por causa do metal, não tem cura. O nível de mercúrio está aumentando no nosso sangue”, denunciou.
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Cacique Juarez Saw Munduruku se manifesta contra as invasões aos territórios indígenas durante marcha no ATL 2024|Lucas Landau/ISA
Segundo especialistas da Fundação, a contaminação por mercúrio ocorre essencialmente pelo consumo de peixe. Com o fluxo dos rios e a movimentação dos peixes para além dos limites das TIs, lembrou o cacique Munduruku, pessoas não indígenas também ficam expostas ao risco de consumir pescado envenenado e adoecerem. “O não indígena também está contaminado com o mercúrio. Garimpo ilegal não é bom pra ninguém”, pontuou.
Estudo da Fiocruz, ISA, UFOPA, Greenpeace Brasil, Iepé e WWF-Brasil, lançado em 2023 e realizado nos principais centros urbanos da Amazônia, abrangendo seis estados e 17 municípios amazônicos, mostrou que peixes de todos eles apresentaram níveis de contaminação acima do limite aceitável pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Os piores índices estão em Roraima, com 40%.
Fiocruz e ISA lançaram recentemente uma pesquisa que registrou a presença de mercúrio em todos os Yanomami de nove aldeias assediadas pelo garimpo, na região do Alto Rio Mucajaí, na Terra Indígena Yanomami. Os pesquisadores identificaram o metal em amostras de fio de cabelo de cerca de 300 pessoas analisadas, incluindo crianças e idosos.
"A mineração não traz benefícios para as populações indígenas, nem para os brancos. Traz morte. Essa é a realidade" reforçou Dario Kopenawa.
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ISA lança série de camisetas que celebram os povos que cuidam das florestas e da vida
“Alimento para corpo e alma” faz parte das comemorações dos 30 anos do Instituto Socioambiental
Kaue Ferreira, do ISA, com a camiseta da Pimenta do Rio Negro|Claudio Tavares/ISA
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Clara de Assis, do ISA, com a camiseta do Babaçu do Xingu|Claudio Tavares/ISA
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Patrícia Ribeiro, da Rede Xingu+, com a camiseta de Muvuca de Sementes|Claudio Tavares/ISA
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Veronice Cardoso, do ISA, com a camiseta da Roça Quilombola|Claudio Tavares/ISA
A série de camisetas “Alimento para corpo e alma”, lançadas pelo Instituto Socioambiental (ISA) como parte da celebração dos 30 anos da organização, apresenta exemplos da biodiversidade que são fruto dos saberes e modos de vida de povos indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais. As ilustrações são de Catarina Bessell.
Estudo publicado pelo ISA mostrou que esses povos e suas economias são responsáveis, juntos, pela proteção de um terço das florestas no Brasil. O impacto positivo é fundamental para nossos tempos: mitigar os efeitos da emergência climática.
Dar visibilidade aos conhecimentos e culturas dos povos indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais fortalece seus modos de vida e sua conexão com os territórios.
Essas culturas são patrimônios vivos da cultura brasileira e a relação com a natureza garantiu, continua garantindo e vai garantir a conservação de florestas, rios, mares e os diferentes biomas do país.
Com isso, as associações se fortalecem nos processos de organização e comercialização dos produtos, e se tornam agentes de articulação de suas culturas e da defesa de seus direitos.
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Patrícia Ribeiro, da Rede Xingu+, com a camiseta do Pequi do Xingu|Claudio Tavares/ISA
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Kaue Ferreira, do ISA, com a camiseta da Roça Quilombola|Claudio Tavares/ISA
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Francisco de Sousa, do ISA, com a camiseta do Babaçu do Xingu|Claudio Tavares/ISA
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Clara de Assis, do ISA, com a camiseta da Pimenta do Rio Negro|Claudio Tavares/ISA
Para quem compra, cada camiseta traz os saberes de povos e comunidades, bem como suas lutas e resistência para manter suas culturas e territórios, fundamentais para a regulação do clima.
Com as economias da sociobiodiversidade, o futuro pode ser outro. Vista essa camisa!
Camiseta Pequi do Xingu
A série de camisetas “Alimento para corpo e alma” apresenta o Pequi do Xingu, fruto que simboliza a economia do cuidado com as florestas do povo Kisêdjê, em Mato Grosso. A iniciativa de produção de óleo a partir do pequi do Xingu recebeu o Prêmio Equatorial, da ONU, em 2019.
A série de camisetas “Alimento para corpo e alma” apresenta a Muvuca de Sementes, técnica que mistura saberes e sementes para o processo de restauração florestal. As sementes são coletadas por povos e comunidades tradicionais para, em seguida, serem semeadas em áreas degradadas e beiras de rio e gerar as florestas do futuro.
A série de camisetas “Alimento para corpo e alma” apresenta o Babaçu do Xingu, fruto que movimenta as organizações indígenas e ribeirinhas da região da Terra do Meio, em Altamira, no Pará. A farinha do coco babaçu, produzida a partir de sua entrecasca, é rica em nutrientes e tem começado a fazer parte da merenda escolar na região.
A série de camisetas “Alimento para corpo e alma” apresenta a Roça Quilombola, parte do Sistema Agrícola Tradicional Quilombola, reconhecido pelo Iphan como patrimônio cultural imaterial do Brasil. A roça quilombola é símbolo da diversidade agrícola das comunidades quilombolas do Vale do Ribeira, no sudeste de São Paulo, retratada no filme “Do Quilombo pra Favela - Alimento para a resistência negra”.
A série de camisetas “Alimento para corpo e alma” apresenta as Pimentas do Rio Negro, um dos símbolos da diversidade agrícola dos povos indígenas da região, no noroeste do Amazonas. São ao menos 78 variedades de pimentas, que desidratadas e piladas com sal produzem a jiquitaia.
Clara de Assis Andrade, assessora da secretaria executiva do ISA Francisco Cleunilton Moreira de Souza, técnico em administração da loja Floresta no Centro, do ISA Kauê Fillip Ferreira Silva, assistente administrativo do ISA Patrícia Ribeiro Castanha, assistente administrativa da Rede Xingu+ Veronice Cardoso Matos, assistente administrativa da loja Floresta no Centro, do ISA
Fotografia: Claudio Tavares, documentalista do ISA
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Terras Indígenas fora da Amazônia Legal são as mais povoadas do país, aponta Censo 2022
Atraso nos processos de demarcação refletem na grande densidade populacional; números evidenciam situação de confinamento para indígenas em terras muito pequenas
Quase metade (49%) da população indígena no Brasil, cerca de 825 mil pessoas, está fora da Amazônia Legal. Desse total, cerca de 220 mil vivem em uma área aproximada de 1,6% do total das Terras Indígenas demarcadas. É o que apontam os primeiros resultados do Censo 2022: O Brasil Indígena: uma nova foto da população indígena, lançado nesta segunda-feira (07/08) pelo Instituto de Geografia e Estatística (IBGE).
Para traçar o perfil demográfico dos habitantes do país e apontar informações cruciais para o desenvolvimento, implementação, análise e avaliação de políticas públicas, a pesquisa reúne dados obtidos por uma ampla coleta com mais de 70 milhões de questionários aplicados, presencialmente, online e por telefone, nos 5.568 municípios brasileiros.
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Cerimônia do "Censo 2022: O Brasil Indígena: uma nova foto da população indígena" ocorreu no Theatro da Paz, em Belém (PA)|Amarilis Marisa/Agência Pará
Nos resultados divulgados neste ano, a população indígena apresentou um salto populacional de quase 90%, saindo de 896.917 pessoas em 2010, para 1.693.535 em 2022.
Em comparação, há 20 anos, quando foram divulgados os dados do Censo 2000, a população que se declarava indígena no Brasil era de 734 mil pessoas. O Estado de São Paulo na época figurava como a terceira unidade da federação com a maior população indígena; no topo da lista estava o Amazonas, seguido pela Bahia.
Em relação à população indígena que vive em Terras Indígenas, em 2022, os dados do Censo indicaram um aumento menos expressivo, de 16%.
Ambos os resultados indicados pela pesquisa em 2022, no entanto, são significativos frente ao crescimento total da população brasileira, que apresentou um aumento no mesmo período de apenas 6,5%.
Em 2022, o Censo incluiu um total de 573 Terras Indígenas, 68 a mais do que em 2010. Ficaram de fora todas as áreas cujos processos demarcatórios estavam em curso na época do levantamento, o que equivale a um número em torno de 172 áreas com processos em andamento. Ademais, outras áreas que aguardam na fila de reivindicações da Funai também não foram incluídas no recorte Terras Indígenas dos resultados, embora o recenseamento tenha chegado também a essas populações.
Fora das áreas demarcadas, o IBGE mapeou localidades indígenas, inclusive em cidades e áreas remotas. Além das Terras Indígenas oficialmente delimitadas, foram definidos agrupamentos indígenas e outras localidades indígenas. Essas áreas foram mapeadas para evitar uma possível subenumeração na contagem dessa população.
Segundo estimativas do ISA, o total dessas pessoas pode chegar a mais de 65 mil pessoas. Um exemplo é a TI Tupinambá de Olivença, na Bahia, que teve seu estudo de identificação aprovado em 2009 e conta com uma população estimada em 4.631 pessoas.
Essa subenumeração na contagem de pessoas em Terras Indígenas acontece principalmente em regiões fora da Amazônia Legal.
Muitos indígenas para pouca terra
Para quase metade da população indígena (49%) que vive fora da Amazônia Legal, a garantia estabelecida pelo artigo 231 da Constituição Federal de uma área reservada para sua reprodução física e cultural está longe de ser uma realidade.
Apenas 26,5% dessas pessoas indígenas vivem atualmente em Terras Indígenas. Para elas, o cenário é de uma grande pressão demográfica nas áreas já demarcadas nessas regiões. Segundo dados do Censo 2022, a densidade populacional das TIs fora da Amazônia Legal é maior que a de 10 Estados brasileiros: AM, RR, MT, AC, AP, TO, PA, RO, MS e PI.
Com uma densidade demográfica de 14 pessoas/km², os números evidenciam que, fora da Amazônia Legal, existe uma situação de confinamento dos povos indígenas em Terras muito pequenas para a sua população.
Um dos casos que reforçam a tese é a da Reserva Indígena Dourados, no Mato Grosso do Sul. A área reservada para os povos Guarani e Terena possui uma densidade demográfica de 393,46 habitantes por quilômetro quadrado, superando em mais de três vezes a de Campo Grande, capital do estado em que está localizada.
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Aldeia Jaguapiru, na Reserva Indígena de Dourados, área de 3,5 mil hectares onde vivem Guarani-Kaiowá, Nhandeva e Terena|Marcello Casal Jr./Agência Brasil
“Você se considera indígena?”
Ampliando a metodologia aplicada pelo Censo 2010 para identificar pessoas indígenas que não se identificaram pelo quesito cor ou raça, em 2022, a pergunta “Você se considera indígena?” deixou de ser feita apenas em Terras Indígenas delimitadas e passou a ser realizada também à população residente em outras localidades indígenas identificadas previamente pelo IBGE. Por meio da pergunta, foi possível identificar cerca de 27% do total de pessoas indígenas em 2022. Desse número, a maior parte, foi identificada fora de Terras Indígenas.
Para Tiago Moreira, antropólogo do programa Povos Indígenas no Brasil do Instituto Socioambiental (ISA), “a ampliação das áreas onde é aplicada a pergunta 'Você se considera indígena?' deu visibilidade a uma grande parcela da população indígena ignorada pelos censos demográficos anteriores”. Para ampliar a cobertura da pergunta, o IBGE delimitou previamente localidades potencialmente ocupadas por pessoas indígenas, tais como bairros, conjuntos habitacionais, vilas rurais, e outras localidades, além das Terras Indígenas declaradas, homologadas ou reservadas.
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Criança brinca no Parque das Tribos, em Manaus (AM)|Benjamin Mast/La Mochila Produções/ISA
Manaus foi a cidade que apresentou o maior número de pessoas indígenas identificadas pela pergunta de cobertura, o equivalente a mais de 70% do total. Já São Gabriel da Cachoeira, também no Amazonas, por sua vez, apresentou o maior número de pessoas indígenas identificadas pelo quesito cor e raça, com 95%.
Nas regiões brasileiras, a região Nordeste foi a que apresentou o maior percentual de pessoas indígenas por meio da pergunta de cobertura, com 38%. Já a região Sul foi a que apresentou o maior número de pessoas que se declararam indígenas pelo quesito cor e raça, com 98,2%.
Segundo Moreira, os resultados preliminares apresentados até o momento ainda não permitem traçar um desenho tão preciso da localização exata da população indígena no país, mas eles expressam o sucesso da metodologia aplicada.
“Em alguns casos, como Manaus, onde houve um crescimento expressivo de indígenas recenseados, um aumento de 1.675% em relação a 2010, vários elementos ajudam a deduzir o sucesso da metodologia do IBGE em mapear pessoas indígenas fora do contexto de Terras Indígenas. No município, a maior parte das pessoas indígenas, apesar de não se declararem como indígenas no critério raça/cor, respondeu que se consideram”, apontou.
“Com a pergunta certa, e dentro de um contexto de valorização da ancestralidade indígena, as pessoas puderam sair de uma condição de invisibilidade de sua identidade indígena em lugares como Manaus”, completa.
Cidades mais indígenas do Brasil
Se, em 2010, os municípios com as maiores populações indígenas em números absolutos eram São Gabriel da Cachoeira (AM); São Paulo de Olivença (AM); Tabatinga (AM); São Paulo (SP); e Santa Isabel do Rio Negro (AM), em 2022, Manaus toma a frente, com 71.713 pessoas indígenas. Na sequência, vem São Gabriel da Cachoeira (AM) com 48.256 pessoas indígenas; Tabatinga (AM) com 34.497; Salvador (BA) com 27.740; e São Paulo de Olivença (AM), com 26.619.
Das cidades que encabeçam o ranking, apenas Manaus e Salvador não possuem Terras Indígenas demarcadas. Além disso, ambas apresentaram um expressivo crescimento no período, e, juntas, lideram a lista das maiores diferenças em população indígena absoluta em relação a 2010, com um aumento somado de aproximadamente 750%.
Em relação ao percentual total da população na cidade, Uiramutã (RR), com 96,6% de sua população identificada como indígena, segue liderando a lista, seguida por Santa Isabel do Rio Negro (AM), com 96,1%, e São Gabriel da Cachoeira (AM), com 93,1%.
Estados mais indígenas
Em números absolutos, o Amazonas segue sendo o estado com mais indígenas, com 490.854 pessoas indígenas; seguido pela Bahia, com 229.103 pessoas; Mato Grosso do Sul, com 116.346; Pernambuco, com 106.634; e Roraima, com 97.320. Juntos, os cinco estados somam 61,43% da população indígena no Brasil.
Sobre o percentual de pessoas indígenas por estado, Roraima aparece em primeiro lugar, com cerca de 15% de sua população total composta por pessoas indígenas. Amazonas; Mato Grosso do Sul; Acre; e Bahia vêm na sequência.
Já Rondônia foi o estado que apresentou o maior crescimento no número de pessoas indígenas percentualmente, com um aumento de quase 58%.
Outros estados, no entanto, apresentaram quedas no número de pessoas indígenas. São eles: Alagoas, São Paulo, Santa Catarina e Rio Grande do Sul.
Terras Indígenas
Segundo os dados trazidos pela pesquisa, a população indígena vivendo em Terras Indígenas corresponde a 36,7% do total recenseado. Embora 63,2% de toda a população indígena no Brasil tenha sido mapeada em áreas fora de TIs delimitadas, 56% de toda essa população vive em municípios classificados em algum grau como rurais pelo IBGE, ainda, 30% das pessoas estão em municípios considerados remotos.
Estes dados vão na mesma direção do último levantamento feito em 2010, quando se constatou que 42% da população indígena vivia fora de Terras Indígenas, sendo 36% em áreas urbanas – não necessariamente em cidades.
O Censo 2022 aponta ainda que quase metade (49,1%) da população indígena vivendo atualmente em TIs se encontra na região Norte. Já os estados da federação com a maior porcentagem de pessoas indígenas vivendo dentro de TIs, em relação ao número total de indígenas, são: Mato Grosso, Tocantins, Roraima, Maranhão e Amapá.
Entre as regiões que apresentaram os maiores crescimentos populacionais em Terras Indígenas estão a região Norte com 22,7% e Nordeste, com 12,2%.
Sobrevôo na Terra Indígena Yanomami, território indígena mais extenso e com maior volume populacional, com 27.152 pessoas|Valentina Ricardo
Amazônia Legal
A Amazônia Legal, composta pelos estados do Amazonas, Acre, Rondônia, Roraima, Pará, Maranhão, Amapá, Tocantins e Mato Grosso, abrange mais da metade (51,2%) de toda a população indígena nacional, com 867.919 pessoas.
A presença da população indígena vivendo dentro de TIs na Amazônia Legal supera a nacional. Ao todo, são 403.287 pessoas, ou o equivalente a quase 65% de toda a população indígena nacional residindo em Terras Indígenas. Além disso, 46,4% de toda a população indígena que vive na região está localizada nas TIs, o que representa uma diferença percentual de quase 10% em relação ao número nacional.
Diminuição de população em Terras Indígenas
Das 501 Terras Indígenas comparáveis onde foi realizado o censo, entre 2010 e 2022, 171 registraram uma diminuição da população. Sem dados de natalidade e mortalidade, entretanto, não é possível desenhar um cenário completo para os números apresentados.
Apesar disso, uma breve análise das maiores diminuições de população aponta para uma provável fragilidade dos números do censo de 2010.
Na Terra Indígena Apyterewa, por exemplo, habitada pelos Parakanã, o Censo registrou, em 2010, 3.588 indígenas. Já a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), em 2011, havia registrado um total de 452 pessoas na TI.
Em 2022, o número apresentado foi de 767 indígenas, portanto, mais próximo do histórico de população registrada anteriormente pela Funai. Para além da questão de decréscimo populacional, a TI também apresenta há anos antecedentes explícitos de presença não indígena e de consequentes conflitos fundiários. Segundo avaliação do Instituto Socioambiental (ISA), a hipótese é de que os números de 2010 tenham sido inflados pela presença não-indígena, que por algum motivo foram registradas como indígenas.
Das 10 TIs com maior diminuição absoluta de população, em ao menos oito delas há histórico de invasões e conflitos fundiários, o que levanta a hipótese dos dados do censo de 2010 terem sido enviesados.
Ainda, a diminuição dos números da população do Vale do Javari, apesar de não ser possível afirmar categoricamente, pode ter resultado dos grandes desafios de se recensear uma das maiores TIs do Brasil, com um dos acessos mais dificultados.
Contribuições do Instituto Socioambiental
O ISA foi uma das instituições indigenistas que contribuíram com a realização do Censo 2022. Para auxiliar no aperfeiçoamento da coleta realizada para a pesquisa, o ISA esteve presente em uma reunião técnica realizada, além de fornecer coordenadas geográficas para a criação da base territorial do IBGE denominada como localidades indígenas, fundamental para a ampliação da pergunta de cobertura que identificou mais de 400 mil indígenas.
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Garimpo e agropecuária seguem desmatando Terras Indígenas com presença de isolados
Boletim Sirad-I, do ISA, registrou no primeiro quadrimestre de 2023 aumento de 28% em relação ao mesmo período de 2022
Após recuo no desmatamento em Terras Indígenas com presença de isolados, ações do garimpo, da agropecuária e de madeireiros reacendem o alerta sobre os territórios. É o que aponta o boletim Sirad-I sobre o primeiro quadrimestre de 2023, lançado nesta quinta-feira (13/07).
Resultado do monitoramento do Instituto Socioambiental (ISA), o documento busca, por meio de imagens de radar e imagens óticas de alta resolução obtidas por satélite, identificar e acompanhar as principais ameaças que colocam em risco a vida dos povos isolados no Brasil.
O monitoramento abrange uma área de aproximadamente 187 mil km² composta por 22 áreas com presença de povos isolados, sendo elas: 20 Terras Indígenas e duas Unidades de Conservação.
No total, o monitoramento registrou 319,6 hectares de desmatamento em Terras Indígenas com a presença de povos isolados, o que representa um aumento de 28% em relação ao mesmo período de 2022. Março foi o mês mais crítico, com 189,4 hectares desmatados.
Terras em destaque: TI Piripkura
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Desmatamento registrado em 2021 na Terra Indígena Piripkura, Mato Grosso|Rogério Assis/ISA
Nos meses monitorados, a Terra Indígena Piripkura, no Mato Grosso, teve destaque em razão da nova invasão no interior do território. No total, foram identificados 150 hectares desmatados apenas entre os meses de março e abril, após um ano sem registros de derrubadas.
Anteriormente, entre 2020 e 2021, a TI apresentou uma das piores invasões já identificadas, com cerca de 2.436 mil hectares desmatados.
Após grande pressão das organizações indígenas, instituições e da sociedade civil por proteção legal e física, como foi o caso da campanha Isolados ou Dizimados, o lar dos últimos sobreviventes do povo Piripkura com registro teve sua Portaria de Restrição de Uso restabelecida até a sua homologação.
A decisão aconteceu durante a posse da nova presidente da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), Joenia Wapichana. No evento, em fevereiro deste ano, além da TI Piripkura, a Terra Indígena Jacareúba/Katawixi, que também estava desprotegida há mais de um ano, teve sua portaria renovada.
Na TI Piripkura, no entanto, apesar da vitória, o reaparecimento de focos de desmatamento acendeu um alerta, como aponta o relatório. No primeiro quadrimestre, foram registrados desmatamentos bem delimitados, indicando a possibilidade de uso de máquinas como tratores e do chamado “correntão”.
Além disso, mesmo com a renovação da Portaria de Restrição de Uso e operações da Polícia Federal e da Funai, o monitoramento identificou um intenso fluxo de atividade no interior do território, revelando a presença de invasores.
Terra Indígena Munduruku
A Terra Indígena Munduruku, localizada no sudoeste do estado do Pará, por sua vez, registrou uma redução na porcentagem de território desmatado no período. O monitoramento identificou 90 hectares de desflorestamento em razão do garimpo ilegal no interior do território, o que representa uma diminuição de 48% quando comparado ao mesmo período do ano anterior. Apesar do recuo, foram detectadas novas aberturas na floresta e a expansão de garimpos antigos.
Uma das dez maiores Terras Indígenas da Amazônia brasileira, com cerca de 2,3 milhões de hectares, a TI Munduruku enfrenta há anos os perigos do garimpo ilegal, intensificado durante o governo Bolsonaro.
Terra Indígena Zoró
Outra Terra Indígena que também enfrenta pressões do garimpo, é a Zoró, cujo território está entre os 10 com mais processos minerários no Brasil. Ademais, a TI localizada no Oeste do Mato Grosso ainda sofre os impactos da extração ilegal de madeira. Segundo o boletim, foi constatado um aumento de 50% no número de hectares desmatados, em relação ao mesmo período do ano anterior.
Terra Indígena Pirititi
Mais um dos destaques do Sirad-I, a Terra Indígena Pirititi, localizada no sul do estado de Roraima, apresentou uma perda de floresta maior que em todo o ano passado, com aproximadamente 10,5 hectares desmatados. No total, este número representa um aumento de mais de 200%.
O boletim aponta ainda uma crescente preocupação pelo aumento registrado no período, uma vez que, nos últimos anos, o desflorestamento no território havia caído de 39 hectares em 2020, para 2,5 em 2022.
Relatório Anual de 2022
Trazendo um balanço das pressões e ameaças monitoradas nas Terras Indígenas com presença confirmada de povos indígenas isolados ao longo de 2022, o boletim Sirad-I reuniu os dados levantados durante o acompanhamento destes territórios durante todo o ano. No total, em 2022, foram identificados 1192 hectares desmatados e 594 alertas emitidos no interior dos territórios com povos isolados em toda a Amazônia Legal. Os dados na íntegra podem ser encontrados no Relatório Anual do Boletim Sirad-I.
As principais informações sobre o ISA, seus parceiros e a luta por direitos socioambientais ACESSE TODAS
ISA repudia gesto supremacista branco em show
Condutas como a de Sigmund Vestrheim, baterista da banda da cantora Aurora, fazem parte de uma história de violência contra populações perseguidas, entre elas judaicas, negras, ribeirinhas, quilombolas e indígenas
O Instituto Socioambiental (ISA) vem a público manifestar total repúdio ao gesto supremacista branco do baterista da banda da cantora norueguesa Aurora, Sigmund Vestrheim, ao final do show realizado neste domingo (27/3), em São Paulo. O gesto está associado a publicações com outros símbolos nazistas e supremacistas nas redes sociais do baterista.
Condutas como essas fazem parte de uma história de violência contra populações perseguidas, entre elas judaicas, negras, ribeirinhas, quilombolas e indígenas. A atitude é frontalmente contrária aos valores e à missão do ISA, que há 29 anos trabalha na defesa dos direitos dos povos indígenas e populações tradicionais no país.
Na manhã que precedeu o show, o ISA, em parceria com a Fundação Rainforest da Noruega, realizou um encontro entre Aurora e as lideranças indígenas Watatakalu Yawalapiti e Vanda Witoto e apresentou à cantora o recém-lançado livro “Povos Indígenas no Brasil 2017-2022”.
A publicação, entregue em mãos a Aurora, faz o registro do período mais cruel pós-redemocratização para os Povos Indígenas no Brasil, e é um instrumento para manter viva a memória coletiva sobre essa história de ataques, que não podem mais se repetir. O encontro foi realizado em um hotel na capital paulista, registrado e postado nas redes sociais do ISA.
O compromisso da luta pela defesa dos direitos dos povos indígenas e populações tradicionais não permite que pessoas públicas tomem posições contraditórias sobre gestos supremacistas, e ao mesmo tempo desconsiderem seus impactos nefastos sobre a sociedade.
Seguindo nosso posicionamento, as postagens que registravam o encontro foram excluídas das redes sociais do ISA. O racismo, a apologia ao nazismo e ao supremacismo são crimes no Brasil e não podem ser tolerados.
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Chuvas no litoral paulista isolaram Terra Indígena Ribeirão Silveira
Desastre alerta para a gravidade das mudanças climáticas e suas consequências nas vidas das populações mais vulneráveis. Saiba essa e outras notícias no Fique Sabendo desta quinzena
Chuvas no litoral norte de São Paulo levantam alerta sobre efeitos das mudanças climáticas sobre populações vulnerabilizadas; Terra Indígena Ribeirão Silveira foi uma das afetadas | Rovena Rosa/Agência Brasil
Com 9 mil hectares, a TI Ribeirão Silveira tem cinco aldeias e abrange os municípios de São Sebastião, Bertioga e Salesópolis. Lá, vivem cerca de 500 pessoas dos povos Guarani, Guarani Mbya e Ñandeva.
“Foi a primeira vez que vi uma chuva de tamanha proporção. Foram 12 horas de chuvas seguidas. Caiu um pedaço da encosta e uma pedra gigante desceu rodando. Ainda bem que tinha uma árvore no caminho que segurou ela porque, se não, teria atingido uma das casas”, contou ao UOL Serigo Macena, liderança do núcleo Rio Pequeno.
“O estrago é mais material, foi cama, colchão, geladeira, fogão, alimento se perdeu tudo", disse à Folha de S. Paulo o cacique Adolfo Timotio, da Aldeia Indígena Guarani Rio Silveira, que faz parte da TI. "Mas aos poucos tá chegando doação na aldeia, mais alimento, mais roupa". Segundo o cacique, a comunidade indígena já está segura e ninguém segue ilhado.
A Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) está no local para dar assistência à comunidade, colaborando com a distribuição de alimentos e no diálogo com autoridades. A Articulação dos Povos Indígenas da Região Sudeste (ArpinSudeste), junto à Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), lançou um alerta para a situação de todos os indígenas que vivem no litoral norte de São Paulo.
A Prefeitura de Bertioga direcionou um trailer de pronto-atendimento e uma unidade de saúde da família para o bairro da Boraceia, onde fica a TI, para substituir provisoriamente o posto de saúde indígena, mantido pela administração municipal de São Sebastião.
Entre os afetados pelas chuvas, que atingiram principalmente o município de São Sebastião, estão famílias trabalhadoras de baixa renda, que vivem em encostas perigosas, entre a Serra do Mar e a rodovia Rio-Santos, empurradas para essas regiões pela especulação imobiliária e pelo encarecimento das áreas planas e seguras, ocupadas por casas de veraneio, hotéis e mansões. O desastre nos alerta para a gravidade das mudanças climáticas e suas consequências sobre as vidas das populações marginalizadas e em vulnerabilidade. Tal fenômeno social tem nome: é racismo ambiental. Para entender mais, assista:
Extra
Mais de um mês após a declaração de emergência de saúde na Terra Indígena Yanomami (RR), a crise está longe de acabar. Na madrugada da quarta-feira (22), a base federal do Ibama localizada na aldeia Palimiú sofreu ataques de garimpeiros. O local tem a função de barrar a entrada de embarcações clandestinas no território e completou apenas duas semanas de funcionamento.
Garimpeiros armados furaram o bloqueio montado no rio Uraricoera e atiraram contra agentes federais que abordaram uma das embarcações. Os criminosos desciam o rio em sete “voadeiras”, de 12 metros cada, carregadas de cassiterita, metal cuja demanda tem aumentado. O carregamento foi identificado por drones operados por fiscais do Ibama. Após o ataque, os criminosos fugiram.
Em meio à onda de violência praticada por garimpeiros, indígenas pedem proteção contra retaliações– o início do processo de desintrusão na TI Yanomami aumenta o receio de outros povos de que o problema se agrave. Segundo levantamento de grupos indígenas, ao menos 18 líderes da etnia Munduruku estão ameaçados de morte próximo ao alto curso do Rio Tapajós, no Pará. Uma delas é Maria Leusa Munduruku, coordenadora da Associação das Mulheres Munduruku Wakoborûn, que precisou deixar sua casa por pressão de criminosos.
Um funcionário do Distrito Sanitário Especial Indígena (DSEI) do Vale do Javari e um auxiliar foram amarrados e assaltados por invasores, na quinta-feira pós-carnaval, próximo à sede do município de Atalaia do Norte (AM). Os invasores levaram uma embarcação, dois motores e mais de 3 mil litros de combustível.
O município abriga a maior parte da reserva Vale do Javari, segundo maior território indígena do país, marcado por conflitos como tráfico de drogas e pesca ilegal. Foi nessa região onde Bruno Pereira e Dom Phillips foram assassinados, em junho de 2022. Uma comitiva do governo federal desembarcou na região para discutir a segurança na área.
Coordenada pelo pesquisador Paulo Basta, da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (Ensp/Fiocruz), a equipe vai examinar amostras da qualidade de água de consumo humano e sedimentos nas aldeias de Maturacá e Ariabu, na região de Maturacá, em São Gabriel da Cachoeira (AM).
O projeto, intitulado ‘Nos caminhos das águas, a retomada da saúde Yanomami’, quer desenvolver adequações sociotécnicas (tecnologias sociais) que garantam o acesso à água em quantidade e qualidade adequadas para as comunidades selecionadas na Terra Indígena Yanomami.
O pesquisador pretende ainda desenvolver um mapa falante, com os potenciais fatores de risco de contaminação e pontos disponíveis de fornecimento de água na aldeia, considerando o uso doméstico pelas famílias. A equipe avaliará o manejo dos rios, das águas da chuva, dos dejetos humanos e dos resíduos sólidos.
Assista ao vídeo e Fique Sabendo:
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Na presidência da Funai, Joenia Wapichana retoma proteção de territórios de povos indígenas isolados
Empossada no início de fevereiro, Joenia assinou Portarias de Restrição de Uso de terras indígenas que estavam desprotegidas
A ex-deputada federal Joenia Wapichana tome posse como a primeira mulher indígena presidente da Fundação Nacional dos Povos Indígenas |Benjamin Mast/ISA
Durante a cerimônia de posse, que aconteceu no dia 3 de fevereiro, Joenia assinou 11 portarias: oito de criação ou recomposição de grupos de trabalho para demarcação de territórios, uma para a instituição do grupo de trabalho para acompanhar a situação do povo Yanomami e renovou as Portarias de Restrição de Uso de duas terras indígenas com presença de povos isolados, a Terra Indígena Jacareúba/Katawixi (AM) e a Terra Indígena Piripkura (MT).
Suas ações no comando da Funai simbolizam uma grande mudança na política indigenista brasileira, especialmente levando em conta os últimos quatro anos, que foram de retrocessos para os povos indígenas do Brasil e seus territórios. O órgão enfrentou uma onda de sucateamento e desestruturação, com a diminuição de recursos, paralisação de demarcações e coordenações comandadas por militarese gestores sem experiência em políticas públicas para povos indígenas.
A Funai de Marcelo Xavier, ex-presidente do órgão, também deixou de garantir proteção às terras indígenas com presença de povos em isolamento ou de recente contato. As portarias que protegiam estas terras indígenas, ainda não homologadas, eram renovadas por períodos curtos de três a seis meses, gerando instabilidade nestes territórios e incentivando grileiros a invadirem as terras na expectativa de que a proteção não fosse renovada quando vencesse.
Entre os casos graves de omissão, está o da Terra Indígena Jacareúba/Katawixi, no Amazonas, que estava há mais de um ano com a Portaria de Restrição de Uso vencida. A TI virou terreno de exploração ilegal de madeira, com um crescimento de 209% nos índices de desmatamento ilegal dentro do território somente no último ano.
Já a Terra Indígena Piripkura, no Mato Grosso, tem 22% do território sobreposto a imóveis privados, registrados irregularmente no Cadastro Ambiental Rural (CAR). De agosto de 2020 a agosto de 2022, cerca de 1,3 milhões de árvores adultas foram derrubadas no território Piripkura, como aponta o boletim Sirad-Isolados, do Instituto Socioambiental. Agora, as duas terras indígenas tiveram sua proteção renovada até que sejam homologadas.
Extra
A Justiça Federal determinou que a União e a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) apresentem um plano de proteção para a Terra Indígena Uru-Eu-Wau-Wau (RO) em até 90 dias úteis, em conjunto com o Estado de Rondônia e o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio).
De acordo com o Ministério Público Federal (MPF), desde 2016 são recebidas denúncias de diversos crimes ambientais e invasões dentro da Terra Indígena, praticados por madeireiros, garimpeiros e grileiros. Ainda segundo o MPF, os povos “estão em risco iminente de expulsão de suas terras demarcadas e de morte”. O juiz federal Hiram Armenio Xavier Pereira disse que “sequer o mínimo vem sendo feito na proteção dos direitos indígenas e ambientais”.
De acordo com o boletim Sirad-Isolados, o território Uru-Eu-Wau-Wau, que conta com a presença de povos em isolamento, teve 155 hectares desmatados durante todo o ano passado, o que corresponde a aproximadamente 87 mil árvores adultas derrubadas.
Essa terra indígena está cercada por fazendas, com áreas de pasto e de plantio de soja. Os invasores não respeitam os limites da demarcação e avançam em direção ao interior do território. Além do desmatamento desenfreado causado pela grilagem, o boletim Sirad-Isolados mostrou que esse território também possui requerimentos minerários protocolados na Agência Nacional de Mineração para exploração de diversos minerais.
Isso vale um mapa
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Segundo o Mapbiomas, a atividade garimpeira sextuplicou em dez anos dentro de terras indígenas |Renata Buono/revista piauí
A crise humanitária vivida pelo povo Yanomami, no Amazonas, lançou luz sobre o poder arrassador da expansão do garimpo ilegal dentro de terras indígenas. É importante lembrar, ainda, que a TI Yanomami também tem o registro de povos indígenas isolados.
Segundo a análise produzida pelo Mapbiomas, nos três primeiros anos do governo Bolsonaro, a atividade garimpeira em territórios indígenas bateu recorde, tanto em tamanho, quanto em expansão. Em 10 anos, a área de garimpo em terras indígenas sextuplicou: cresceu de 3,2 mil hectares para 19,6 mil hectares. A análise mostra que a expansão do garimpo coincide com a invasão de territórios indígenas e unidades de conservação.
A Terra Indígena Yanomami foi uma das mais afetadas. Em apenas um ano, a atividade garimpeira quadruplicou, indo de 414 hectares em 2020 para 1.556 em 2021. As maiores áreas de garimpo em terras indígenas estão no Pará, nos territórios Kayapó (11,5 mil hectares) e Munduruku (4,7 mil hectares), e no Amazonas e Roraima, no território Yanomami.
Clique aquipara entender mais sobre a catástrofe vivida na Terra Indígena Yanomami e o que o que o garimpo ilegal tem a ver com isso.
A exposição Nhe’ẽ Porã: Memória e Transformaçãoestá aberta ao público até 23 de abril de 2023, no Museu da Língua Portuguesa, em São Paulo, e convida os visitantes a abrirem a mente e ouvirem as histórias, palavras e vidas indígenas com mais respeito. A exposição tem a artista, comunicadora e ativista Daiara Tukano como curadora.
A mostra se debruça sobre as mais de 175 línguas faladas hoje pelos 305 povos indígenas do Brasil, apresentando obras de mais de 50 profissionais indígenas, entre artistas visuais, fotógrafos, cineastas, comunicadores e pesquisadores. Quem visita a exposição encontra as árvores linguísticas que resistem hoje no Brasil e conhece histórias, cantos e discursos em dezenas de línguas indígenas.
A exposição tem apoio da Unesco, do Instituto Socioambiental (ISA), do Museu de Arqueologia e Etnologia da Universidade de São Paulo (MAE-USP), do Museu do Índio da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) e do Museu Paraense Emílio Goeldi.
Nhe’ẽ Porã: Memória e Transformação
Quando: Até 23 de abril
Onde: Museu da Língua Portuguesa - Estação da Luz, São Paulo
Horário:De terça-feira à domingo, das 9h às 16h30
Ingressos: R$20,00, com entradas gratuitas aos sábados
Assista ao vídeo e Fique Sabendo:
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Bolsonaro deixa presidência com recorde histórico de desmatamento em Áreas Protegidas
Devastação aumentou 94% nos últimos quatro anos em comparação com períodos anteriores, segundo análise do ISA
Análise do Instituto Socioambiental (ISA) dos índices de desmatamento em Áreas Protegidas durante o Governo Bolsonaro comprovou o alerta feito nos últimos quatro anos por cientistas: o período da presidência representou o maior retrocesso ambiental do século, com um aumento de 94% no desmatamento, se comparado com os anos anteriores da gestão.
As principais causas do índice escandaloso têm relação direta com o desmonte dos órgãos de gestão ambiental, a paralisação nas demarcação de Terras Indígenas (TI) e gestão de Unidades de Conservação (UCs), o não reconhecimento de Territórios Quilombolas e a paralisação quase que completa das operações de fiscalização de crimes no interior de Áreas Protegidas.
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Focos de incêndio ao longo da vicinal Paraná, via de acesso à Terra Indígena Bau, do povo Kayapó|Cícero Pedrosa Neto/Amazônia Real
Os quatro anos de Governo Bolsonaro são um retrato revelador da destruição da Amazônia, com perdas florestais severas que comprometem diretamente a vida dos povos indígenas e tradicionais.
Segundo a análise do monitoramento do ISA, as Unidades de Conservação Federais de proteção integral e uso sustentável registraram aumentos de 111% e 116%, respectivamente. Os Territórios Quilombolas (TQs) registraram um aumento de 13%. Já nas Terras Indígenas, principal alvo de crimes cometidos durante o atual governo, o aumento do desmatamento foi de 157%, demonstrando a omissão generalizada do Estado e o estímulo à ilegalidade ambiental.
Os dados oficiais de 2022, fornecidos pelo sistema Prodes/INPE, mostram que houve uma diminuição tímida da taxa de desmatamento nas áreas protegidas de 4% em comparação ao ano de 2021. Contudo, esse ano foram mais de 123 milhões de árvores derrubadas.
Dentre as áreas mais afetadas estão as Terras Indígenas e Unidades de Conservação. O desmatamento se concentrou em um conjunto de 41 Áreas Protegidas, sendo 20 TIs, 13 UCs federais e estaduais e oito TQs, localizadas em regiões pressionadas pela abertura de estradas vicinais, grilagem de terras e implantação de obras de infraestrutura.
Para Antonio Oviedo, pesquisador do ISA, esse cenário retrata um método de governo irresponsável e uma triste herança para o país. “Este resultado negativo para as Áreas Protegidas é fruto de um esforço persistente de desmonte das políticas de gestão ambiental e de combate ao desmatamento no governo de Jair Bolsonaro. Uma destruição do nosso maior patrimônio socioambiental, que distancia o país cada vez mais de um protagonismo mundial na proteção da natureza”, afirma.
A nota aponta medidas urgentes para reverter esse panorama, entre elas está a necessidade de ressuscitar as medidas de gestão e proteção das áreas protegidas, em especial o Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC), a Política Nacional de Gestão Territorial e Ambiental em Terras Indígenas (PNGATI) e a Gestão Territorial e Ambiental Quilombola.
Povos indígenas em marcha durante o Acampamento Terra Livre, momento de resistência em Brasília|Cassandra Mello/Terra Floresta Filmes/ISA
2022 foi marcado por retrocessos e resistências na luta socioambiental. Desmatamento, garimpo e grilagem seguiram crescendo e ameaçando as Terras Indígenas e os povos da floresta. No entanto, a esperança se fez presente mês a mês com estratégias de resistências locais e com a possibilidade de um novo governo no próximo ano, com protagonismo dos povos indígenas no Congresso e no novo Ministério dos Povos Originários.
O Fique Sabendo dessa quinzena relembra reveses, avanços e lutas que marcaram o último ano na pauta socioambiental e dos povos indígenas do Brasil. Confira a retrospectiva:
Janeiro
No início do ano, um balanço socioambiental de 2021 produzido pelo Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon) mostrou que a Amazônia teve o pior desmatamento da década. Mais de 10 mil km² de mata nativa foram completamente devastados em apenas um ano. O balanço de 2021 para os povos indígenas isolados também foi negativo. Esses povos começaram o ano commais de 3 mil hectares recém desmatados nos 12 meses anteriores, segundo dados do boletim Sirad-I, produzido pelo Instituto Socioambiental (ISA).
Mas o ano também começou com ares de esperança: a primeira criança vacinada no Brasil contra a Covid-19 foi indígena. Davi Seremramiwe, Xavante de 8 anos, natural do Mato Grosso, foi imunizado em São Paulo e deu início à vacinação infantil no país contra o vírus que matou mais de 600 mil brasileiros desde 2020 e que afetou gravemente os povos indígenas.
A Vacina é um ato de honra aos nossos ancestrais!
Hoje foi um dia simbólico na Luta Pela Vida. Vacinamos o primeiro parentinho, uma criança indígena imunizada contra o vírus e todo o projeto de morte do governo Bolsonaro.
Fevereiro começou com um avanço: a pedido da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), o ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal (STF), suspendeu um ofício do governo Bolsonaroque restringia a atuação da Funai a áreas homologadas, ou seja, somente aquelas com todas as fases da demarcação concluídas. Barroso determinou que as ações de proteção da fundação devem ser mantidas independentemente de homologação ou não da área.
Logo no início do ano, lideranças indígenas alertaram para a situação dos parentes isolados no Vale do Javari, no Amazonas. A Covid-19 voltou a representar uma ameaçapara essas comunidades indígenas: a imunização da terceira dose estava atrasada para eles. Indígenas denunciaram que anciões estavam morrendo em um momento em que, nos centros urbanos, a vida já parecia voltar à “normalidade”. Na aldeia Maronal, no Vale do Javari, quatro anciãos do povo Marubo morreram entre novembro de 2021 e fevereiro deste ano com suspeita de Covid-19.
Março
Em março, a luta dos povos isolados pela proteção de suas terras seguiu sofrendo ameaças. A portaria de restrição de uso da Terra Indígena Piripkura, no Mato Grosso, expirou após ser renovada por apenas seis meses em 2021. Em abril de 2022, ela foi renovada de novo, também por apenas seis meses. Denúncias feitas pela Apib e pelo Observatório dos Direitos Humanos dos Povos Indígenas Isolados e de Recente Contato (OPI) mostraram que parte da TI foi a leilãopara sanar as dívidas de uma das propriedades que invadiu o território.
O mês de março também foi marcado pela retomada das discussões sobre mineração em Terras Indígenas. O PL nº 191/2020, que pretende legalizar o garimpo em território indígena, foi incluído na agenda legislativa prioritária do governo federal para o ano e provocou tensões por ser considerado um “libera geral” para a exploração minerária dentro de Áreas Protegidas. Ao longo de todo o ano, os povos indígenas resistiram e se mobilizaram contra a aprovação do PL. As mobilizações seguiram durante todo o mês de abril.
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Indígenas protestam contra o PL do Garimpo, que pretende legalizar a mineração em Terras Indígenas|Cassandra Mello/Terra Floresta Filmes/ISA
Abril
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No ATL, Lula se compromete com Ministério dos Povos Originários |Benjamin Mast/La Mochila Produções/ISA
Abril, mês dos povos indígenas, foi marcado por demonstrações de esperança e possibilidades de um futuro melhor em meio a tanto retrocesso. Povos e organizações indígenas de diversas partes do país se reuniram em Brasília no tradicional Acampamento Terra Livre, que completou 18 anos de (re)existência. Com o tema ‘Retomando o Brasil: Demarcar Territórios e Aldear a Política’, o acampamento pautou a luta contra o “Pacote da Destruição”, uma série de proposições legislativas danosas ao meio ambiente e aos povos indígenas que estavam na agenda prioritária do Congresso em 2022.
Ainda em abril, a Hutukara Associação Yanomami lançou relatórioinédito com dados, imagens aéreas e relatos da criminosa invasão de garimpeiros ilegais dentro da Terra Indígena Yanomami. Segundo dados extraídos do relatório, em 2021 o garimpo ilegal avançou 46% em comparação com 2020. O número de comunidades afetadas diretamente pelo garimpo ilegal soma 273, abrangendo mais de 16 mil pessoas, ou seja, 56% da população total do território. Acesse o relatório e saiba mais.
Maio
Em maio, a onda de ataques violentos aos povos indígenas que marcaram o ano de 2022 teve como alvo os Parakanã, da Terra Indígena Apyterewa, localizada no Pará. Grileiros montados em cavalos invadiram duas aldeias Ka’a’ete e Tekatawa, instaurando o terror e escalando a tensão no território. Além da grilagem de terras, a região enfrenta o avanço do garimpo ilegal.
Após experiências traumáticas com obras de infraestrutura, o povo Arara publicou protocolos de consulta para garantir direito ao território e sua proteção. Dois protocolos foram lançados: um escrito pelos Arara da Terra Indígena Cachoeira Seca e outro, pelos Arara da TI Arara.
O direito de consulta aos povos originários e tradicionais garante que nenhum empreendimento que tenha impacto nas TIs pode ser feito sem antes escutar a comunidade local. Essa consulta tem que cumprir um protocolo claro, com regras estabelecidas pelos próprios indígenas.
Junho
Junho foi marcado por uma das piores notícias do ano. Logo no início do mês foram iniciadas as buscas pelo indigenista Bruno Pereira e o jornalista Dom Phillips, que haviam desaparecido durante uma incursão no território do Vale do Javari. Pouco mais de dez dias depois, foi confirmado o assassinato de Bruno e Dom. O cruel assassinato escancarou a situação de extrema violência contra os que defendem os povos indígenas e a proteção das florestas no Brasil, o 4º país que mais ameaça e mata ambientalistas.
Um dossiê produzido pela associação que congrega servidores da Fundação Nacional do Índio (Funai), a Indigenistas Associados (INA), e pelo Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), mostrou como Bolsonaro transformou a Funai em um órgão anti-indígena. O estudo revelou que apenas duas das 39 coordenações regionais da Funai eram chefiadas por servidores públicos.
Outras 19 eram coordenadas por membros das Forças Armadas; três por policiais militares e duas por policiais federais. Servidores da Funai entraram em greveno final de junho por conta desse descaso sistemático. Em manifesto, os indigenistas pediram exoneração de Marcelo Xavier da presidência do órgão.
Julho
O mês de julho foi marcado pela continuidade dos ataques de fazendeiros contra os indígenas Guarani Kaiowá, do Mato Grosso do Sul. Grande parte dos ataques teve como cenário a cidade de Amambaí, palco de uma disputa por um território indígena ancestralonde atualmente está localizada uma fazenda. No final de junho, dois indígenas foram mortos e sete ficaram feridos em uma tentativa de retomada do território ancestral. Em maio, um jovem indígena de 18 anos foi assassinado com ao menos cinco tiros em outra retomada dos Guarani Kaiowá. Já em julho, outro Guarani Kaiowá foi assassinado em uma emboscada também em Amambaí.
O mês de julho também foi de resistência! Na periferia de São Paulo foi lançada a feira Quilombo Quebrada, uma parceria de combate à fome e estímulo à segurança alimentarentre moradores periféricos e populações tradicionais. A feira leva mensalmente à periferia de São Paulo uma variedade de frutas, legumes e verduras produzidos pelos quilombolas do Vale do Ribeira.
Agosto
Em agosto, mês internacional dos povos indígenas, o "índio do buraco", último da terra Tanaru, foi encontrado morto em Rondônia.O “índio do buraco” já não tinha mais parentes, pois foram mortos em uma sequência de massacres de invasores, principalmente fazendeiros, que ainda cercam o território, no sul de Rondônia. Sem o “índio do buraco”, há receio de que fazendeiros aumentem as pressões pela invasão do território.
“Essa morte mostra a extinção de um povo em pleno século 21. Mostra que a política indígena não está protegendo os povos isolados”, disse a liderança e ativista Neidinha Suruí, da Associação de Defesa Etnoambiental Kanindé. Por não ser demarcada, a Terra Indígena Tanaru está sob ameaça de invasões e ataques.
Ainda em agosto, o ISA lançou um estudo que mostra que os povos indígenas e tradicionais são essenciais para a preservação das florestas. A análise mostrou que nos últimos 35 anos essas populações protegeram mais de 20% da vegetação nativa no Brasil. Além da alta tecnologia social no manejo tradicional da florestas, a presença de povos indígenas amplia a governança sobre os territórios e promove contribuições socioambientais importantes para recuperar áreas degradadas. “As florestas precisam das pessoas, assim como as pessoas precisam das florestas”, sintetizou o estudo.
Setembro
No Rio Negro, Amazonas, lideranças indígenas denunciaram uma invasão garimpeiraem setembro. A Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (Foirn) cobrou a retirada de dragas de garimpo de ouro que entraram ilegalmente em território indigena. O aumento da pressão do garimpo ilegal sobre as Terras Indígenas do Rio Negro está colocando a população em risco e levando ao crescimento de denúncias.
Levantamento realizado pelo ISA mostrou que havia, na época, cerca de 77 pedidos de exploração minerária nas áreas que compreendem as Terras Indígenas Jurubaxi-Téa, Rio Téa, Yanomami, Médio Rio Negro I, Médio Rio Negro II e Cué-Cué Marabitanas.
A resistência dos povos indígenas ocupa diversos espaços. Nas ruas, na floresta e também nos palcos. Em setembro, os Brô MCs foram o primeiro grupo de rap indígena a se apresentar no festival Rock In Rio, no Rio de Janeiro. A apresentação também divulgou, a nível nacional, a campanha Isolados ou Dizimados, alerta para o risco que povos indígenas isolados de quatro áreas diferentes no país correm, caso o governo federal não tome providências legais para a proteção desses territórios.
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Brô Mcs: grupo de rap indígena do Mato Grosso do Sul gravou música em defesa dos parentes isolados e ameaçados|João Albuquerque/Dzawi Filmes/ISA
Outubro
Em outubro, o ISA lançou um estudo comprovando que o garimpo impede o progresso social na Amazôniae derruba os indicadores sociais. O garimpo afeta pelo menos 216 municípios e uma população estimada de 6 milhões de pessoas na Amazônia Legal, ainda de acordo com o levantamento. O Índice de Progresso Social (IPS) médio dos municípios amazônicos afetados pelo garimpo é de apenas 52,4, menor do que a média para a Amazônia, de 54,5, e bem abaixo da média nacional, de 63,3.
Outubro trouxe esperança com o resultado das eleições, mas também mostrou que os próximos quatro anos também serão de desafios para a luta socioambiental. A maior bancada indígena da história do país foi eleita neste ano, com grandes representantes como as lideranças indígenas Sônia Guajajara e Célia Xakriabá para o Congresso Nacional.
Além disso, o país elegeu em segundo turno o presidente Lula, que prometeu uma mudança na política socioambiental com protagonismo dos povos indígenas. Apesar dos avanços, o governo Lula e a Bancada do Cocar enfrentarão opositores ferrenhos, como o deputado federal eleito Ricardo Salles, ex-ministro do Meio Ambiente e principal responsável pela política anti-ambiental do governo Bolsonaro, e o senador Hamilton Mourão, vice-presidente de Jair Bolsonaro.
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Sônia Guajajara, Angela Kaxuyana e Célia Xakriabá em protesto na Alemanha: vozes globais pela vida dos povos indígenas e pelo clima|Greenpeace
Novembro
Em novembro, organizações indígenas cobraram uma investigação sobre o ataque a tiros que matou Ana Yanomami Xexana, em Boa Vista, Roraima, em mais um capítulo da guerra contra os Yanomami. Cerca de 30 indígenas estavam reunidos na Feira do Produtor, um local comum de estadia dos Yanomami quando estão de passagem pela cidade. Em outubro, um líder indígena e um adolescente ficaram feridos após ataque a tirosefetuados por garimpeiros na Terra Indígena Yanomami.
Neste fim de ano, a Terra Indígena Jacareúba-Katawixi, no Amazonas, completou um ano sem nenhuma proteção após o vencimento da Portaria de Restrição de Uso que protegia o território. Ela está entre as Terras Indígenas com a presença de povos isolados mais ameaçadas do país. Um levantamento do ISA mostrou que, entre agosto de 2021 e setembro de 2022, mais de 12 mil árvores adultas foram derrubadas no território.
O ano também termina com grandes expectativas sobre os próximos passos com a posse do novo governo a partir de janeiro de 2023. Um Grupo Técnico dos Povos Origináriosfoi formado para discutir os desafios da política indígena para o próximo ano, que deve ser marcada pela retomada imediata das demarcações, pelo fortalecimento e recomposição orçamentária dos órgãos indigenistas e ambientais, e pela retomada da fiscalização e monitoramento das Terras Indígenas.
Relatório produzido pelo GTindicou 13 Terras Indígenas em condições de terem demarcações homologadas já no primeiro mês do próximo governo. Entre os atos normativos anti-indígenas indicados para serem revogados imediatamente, está o parecer normativo 001/2017, publicado pelo ex-presidente Michel Temer, que prevê o Marco Temporal.
Outros seis atos normativos devem ser revogados imediatamente e outros quatro durante os 100 primeiros dias de Governo Lula. Um exemplo disso é o Decreto 10.965, que facilita a mineração dentro de terras indígenas e a Portaria 3.021, do Ministério da Saúde, que determina a exclusão da participação social nos Conselhos Distritais de Saúde Indígena.
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