Brasil Socioambiental: desenvolvimento, sim. De qualquer jeito, não.
Um dos motes do ISA em sua fundação
A política é o meio de exercer a cidadania para garantir direitos. Nesse campo, o ISA visa contribuir para o Brasil ser um país mais justo e sustentável, a partir de marcos legais, institucionais e de políticas públicas que reflitam os desafios colocados à sociedade brasileira, incluindo povos indígenas e comunidades tradicionais, cujo papel para a manutenção de nosso patrimônio socioambiental é fundamental. Com o trabalho em Política e Direito, trazemos para o debate público e à formulação de normas e políticas as experiências desenvolvidas por e com nossos parceiros, bem como o conhecimento acumulado pelo próprio ISA nos temas socioambientais.
Atuar com o tema Política e Direito é um dos pilares do trabalho do ISA desde sua criação. O Núcleo de Direitos Indígenas (NDI), organização que precedeu e integrou a fundação do ISA, foi uma referência na sociedade civil brasileira nos anos 80 e 90, atuando junto aos poderes da República para a implementação dos direitos constitucionais indígenas, conquistados na Constituição de 1988. O trabalho do Programa Povos Indígenas do Centro Ecumêmico de Documento e Informação (Cedi), outra instituição que participou da criação do ISA, também sempre esteve voltado para a garantia dos direitos dos Povos Indígenas.
Desde sua fundação, em 1994, o ISA ampliou essa atuação para outros temas socioambientais, tendo participado ativamente de debates sobre a formulação de leis e políticas fundamentais ao desenvolvimento sustentável do País. Esse trabalho requer constante articulação interinstitucional no âmbito da sociedade civil, dos movimentos sociais e com outros setores, o que fazemos por meio da participação de nossos advogados, pesquisadores e ativistas em coletivos, fóruns e redes.
A missão da equipe do ISA que atua diretamente com o tema Política e Direito valoriza as iniciativas políticas e legislativas de caráter propositivo, qualificando o debate público e apresentando soluções aos desafios em pauta, mas sem abrir mão dos recursos de obstrução e das estratégias de denúncia e de resistência política contra qualquer ameaça de retrocesso.
A equipe do ISA reúne perfis multidisciplinares e opera em articulação direta com os demais times da organização, sempre antenada com as demandas e propostas da sociedade civil para a agenda socioambiental e atenta à atuação dos atores políticos e tomadores de decisão. Além disso, atuamos inspirados pelo movimento social que mobiliza milhares de corações e mentes pelo Brasil para transformar o País em um lugar mais justo e sustentável.
Imagem
Imagem de capa
Icone
ID Type
politicas_e_direito
Youtube tag
#politicaedireito
Demarcação e segurança territorial são prioridades dos povos do Rio Negro na transição de governo
Marivelton Baré, diretor-presidente da Foirn e integrante do GT de Povos Originários, também apontou a necessidade de incentivo a políticas públicas na região
Comunidade Açaí-Paraná, Baixo Rio Uaupés, Rio Negro: povos indígenas da região definiram prioridades para equipe de transição do governo Lula|Fellipe Abreu/National Geographic
Demarcação de Terras Indígenas, reforço na segurança territorial – principalmente no combate às pressões do garimpo ilegal e do narcotráfico – e políticas públicas para a execução de propostas do Plano de Gestão Territorial e Ambiental do Alto e Médio Rio Negro (PGTA Wasu), são as prioridades dos povos do Rio Negro, no Amazonas, levadas à equipe de transição do próximo governo de Luiz Inácio Lula da Silva.
“Temos esse território estratégico que é o Rio Negro, que não se compõe só de Terras Indígenas, mas de Unidades de Conservação. Então, são necessárias políticas e ações positivas de incidência, de iniciativa sustentável para esse mosaico de áreas que tem aqui no Rio Negro”, afirmou Marivelton Barroso, do povo Baré, diretor-presidente da Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (Foirn) e integrante do GT de Povos Originários.
Imagem
Diretor-presidente da Foirn, Marivelton Barroso, do povo Baré, fala durante abertura da assembleia na comunidade de Cartucho|Ana Amélia Hamdan/ISA
Nos dias 24 a 26 de novembro, cerca de dez dias após ser indicado para fazer da equipe de transição, Marivelton conduziu a XVI Assembleia Geral Ordinária da Foirn realizada na comunidade de Cartucho, às margens do Rio Negro, em Santa Isabel do Rio Negro (AM).
Durante o encontro, ele informou aos cerca de 150 indígenas presentes sobre sua atuação no GT. Ao final da assembleia, os indígenas divulgaram uma carta de apoio aos trabalhos de Marivelton, reforçando sua representatividade.
Segundo ele, a Foirn, assim como outras organizações e associações indígenas de todo o país, podem e devem encaminhar contribuições ao GT. “O que estou falando nessa assembleia é que nós, os povos do Rio Negro, também devemos levar propostas, temos demandas organizadas a passar para a equipe de transição”, explicou.
A Foirn atua num território de aproximadamente 23 milhões de hectares, numa das áreas mais preservadas da Amazônia, e representa povos de 23 etnias que vivem em áreas urbanas e em cerca de 750 comunidades e sítios nos municípios de São Gabriel da Cachoeira, Santa Isabel da Cachoeira e Barcelos. Entre os povos que vivem nessa região estão os Baré, Baniwa, Tukano, Yanomami, Desano, Wanano e Hupda.
Conforme o PGTA Wasu, da área de abrangência da federação, 65% são constituídos por Terras Indígenas reconhecidas e Unidades de Conservação – sendo 55% de TIs, 10% de UCs e 5% de áreas sobrepostas. Toda essa diversidade ambiental e cultural torna a região estratégica para qualquer política ambiental e que envolva a emergência climática.
Marivelton lembrou que os processos de demarcação estão paralisados há pelo menos seis anos, período que inclui os governos de Michel Temer (2016-2018) e Jair Bolsonaro (2018-2022).
Ele citou cinco processos pendentes na região, sendo que ao menos um deles – a da Terra Indígena Uneiuxi, em Santa Isabel do Rio Negro, com 551.983 hectares – entrou para a lista de 13 demarcações prioritárias indicadas pelo GT Povos Originários em documento preliminar encaminhado à equipe de transição, em 30 de novembro.
Em três casos paralisados, ainda falta a homologação, que é a última etapa do procedimento de demarcação, sendo os da Terra Indígena Cué-Cué Marabitanas, da Terra Indígena Jurubaxi-Téa e da Uneiuxi.
Estão pendentes ainda as Terras Indígenas Aracá-Padauari – entre Barcelos e Santa Isabel do Rio Negro – e Baixo Rio Negro e Caurés, na região de Barcelos. Nesses dois últimos casos, segundo a Foirn, o próximo passo é a publicação do Relatório Circunstanciado de Identificação e Delimitação (Rcid).
Na área de abrangência da Foirn há ainda seis Terras Indígenas homologadas: Alto Rio Negro, Médio Rio Negro I, Médio Rio Negro II, Rio Apapóris, Rio Téa, e Balaio.
Segurança territorial e políticas públicas
Quanto à questão do reforço na segurança territorial, Marivelton explica que São Gabriel da Cachoeira fica na fronteira entre Brasil, Venezuela e Colômbia, o que demanda diálogo com o Ministério da Defesa.
As principais pressões, dependendo da área, vêm do narcotráfico, do garimpo e do turismo ilegal de pesca esportiva, esse último principalmente na região do Médio Rio Negro, que causam impacto ambiental e cultural, colocando em risco a sobrevivência das populações e seus modos de vida.
“É necessário o fortalecimento de proteção e fiscalização dos territórios. E essa não é só uma realidade do Rio Negro”, disse o diretor-presidente da Foirn.
Além dessas duas demandas – demarcação e segurança – que devem entrar na agenda prioritária do novo Governo Federal, o território do Rio Negro já tem uma série de propostas para implementação na região e que estão elencadas no PGTA Wasu em áreas como saúde, educação e economia da sociobiodiversidade.
Imagem
Terezinha Vargas Mota, do povo Piratapuya, coleta açaí preto. Políticas públicas devem respeitar modos de vida indígenas|Fellipe Abreu/National Geographic
As propostas foram elaboradas após processo de consulta às comunidades indígenas, num trabalho conjunto entre ISA e Foirn, e levam em conta os modos de vida dos povos da região.
Marivelton contou que está em discussão pelo GT Povos Originários a estruturação do Ministério dos Povos Originários – promessa de campanha de Lula – e os possíveis nomes para ocupar a pasta.
Até agora, o nome mais citado para assumir é o da deputada federal Joênia Wapichana (REDE-RR), mas ainda não há uma definição.
Os debates vão além e buscam meios de criar condições para que os órgãos públicos que atuam com os povos indígenas possam, de fato, voltar a funcionar. Entre eles estão a Fundação Nacional do Índio (Funai) e a Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai).
“A política nacional indigenista ficou durante esse período muito fragilizada, paralisada, invisibilizada, desconstruída. É necessário recompô-la”, defendeu Marivelton.
Além disso, o GT vem conduzindo um processo apelidado de “revogaço”, que consiste em produzir um levantamento de todos os atos que precisam ser revogados para o andamento das políticas indigenistas e proteção dos territórios indígenas.
O relatório final deve ser elaborado até 11 de dezembro.
Questionamentos
Logo após o anúncio de que o diretor-presidente da Foirn faria parte do GT de Povos Originários, a liderança indígena passou a ser alvo de questionamentos sobre sua representatividade. Parte do Setorial Nacional de Assuntos Indígenas do Partido dos Trabalhadores (PT) questionou sua legitimidade para compor o grupo.
Em seguida, a liderança indígena do Rio Negro teve o apoio – por meio de notas oficiais – das principais organizações indígenas do país, como a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), o Conselho Indigenista Missionário (Cimi) e a Articulação Nacional das Mulheres Indígenas Guerreiras da Ancestralidade (Anmiga).
Durante a XVI Assembleia Geral Ordinária da Foirn, em Cartucho, Marivelton recebeu também o apoio dos povos indígenas que representa.
“Acreditamos ser legítimo que o setorial do PT busque assento no GT de Transição para assuntos indígenas, mas jamais iremos tolerar ataques que afrontam e deslegitimam o trabalho das nossas lideranças e do movimento indígena no Rio Negro, em especial nesse caso ao dirigente maior da Foirn, que desenvolve ações em defesa direitos indígenas, reconhecida em nosso território, a nível nacional e internacional”, diz a nota.
Liderança jovem, Marivelton está em seu segundo mandato, tendo sido reeleito em novembro de 2020, com representantes do território do Alto e Médio Rio Negro.
“A Foirn não representa um município. Ela representa um território e um coletivo de povos como estatutariamente é garantido. Essa representatividade pode incomodar. Há um longo trabalho que deve ser feito em colaboração. Esse convite foi feito à Foirn, da qual sou o atual presidente”, ponderou.
GT de Povos Originários
Os nomes dos integrantes do GT de Povos Originários foram divulgados pelo vice-presidente eleito, Geraldo Alckmin, em 16 de novembro. No dia seguinte, a Apib reivindicou a inclusão de mais cinco nomes.
Os membros do grupo são:
- Benki Piyãko, representante político e xamânico do povo Ashaninka
- Célia Xakriabá, professora e ativista indígena do povo Xakriabá, eleita deputada federal por Minas Gerais
- Davi Kopenawa Yanomami: presidente da Hutukara Associação Yanomami
- João Pedro Gonçalves da Costa, ex-senador pelo Amazonas e ex-presidente da Funai
- Joênia Wapichana, primeira mulher indígena a ser eleita deputada federal, em 2018
- Juliana Cardoso, deputada federal eleita (PT-SP)
- Marcio Meira, ex-presidente da Funai
- Marivelton Baré, presidente da Foirn
- Sônia Guajajara, líder indígena e deputada federal eleita por São Paulo
- Tapi Yawalapiti, líder e cacique do povo Yawalapiti da região do Alto Xingu, na Terra Indígena do Xingu
- Kleber Karipuna e Eunice Kerexu, coordenadores executivos da Apib
- Eloy Terena, coordenador jurídico da Apib
- Yssô Truká e Weibe Tapeba, lideranças de base da Articulação dos Povos Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo (Apoinme)
Notícias e reportagens relacionadas
As principais informações sobre o ISA, seus parceiros e a luta por direitos socioambientais ACESSE TODAS
GT de Povos Originários discute mudança de nome, demarcações e lista de revogações
Grupo de trabalho antecede a criação do primeiro Ministério dos Povos Originários da história do país. Leia essa e outras notícias no Fique Sabendo da quinzena
Deputada Federal Joenia Wapichana no ATL 2022, em Brasília. Parlamentar integra o recém-criado Grupo de Trabalho (GT) dos Povos Originários|Mídia NINJA
Bomba da Quinzena
O Grupo de Trabalho (GT) dos Povos Originários da equipe de transição do próximo governo de Luiz Inácio Lula da Silva se reuniu pela primeira vez em 21 de novembro, quando foram definidos os primeiros passos e ações do grupo. O GT está sendo considerado como um embrião do que será o primeiro Ministério dos Povos Originários da história do país, anunciado por Lula na campanha.
Entre as primeiras medidas definidas pela equipe está a elaboração de uma lista de indicação de indígenas e não indígenas para os demais 30 GTs do governo de transição, no intuito de que as pautas indígenas sejam tratadas por todas as áreas, de forma transversal.
Além disso, o GT produzirá um levantamento de todos os atos que precisam ser revogados, desengavetados e propostos, e vai solicitar informações aos órgãos públicos, como a Fundação Nacional do Índio (Funai), sobre a situação da política indigenista. O relatório final deve ser elaborado até o dia 11 de dezembro.
O documento deve demarcar as prioridades do novo ministério, como a retomada imediata das demarcações de Terras Indígenas, o fortalecimento e a recomposição orçamentária dos órgãos indigenistas e ambientais, e a retomada da fiscalização e monitoramento das terras.
Kleber Karipuna, coordenador executivo da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), foi escolhido coordenador executivo do GT. Até o momento, 15 pessoas integram o grupo, sendo 13 delas indígenas. São elas: Kerexu Guarani, Eloy Terena, Kleber Karipuna, Weibe Tapeba, Sonia Guajajara, Yssô Truká, Célia Xakriabá, Benki Piyãko, Joenia Wapichana, Davi Kopenawa, Marivelton Baré, Juliana Cardoso Terena e Tapi Yawalapiti.
Segundo a deputada federal Joênia Wapichana (REDE-RR), em relato publicado em suas redes sociais, o GT também tem discutido a mudança do nome do futuro ministério de "Povos Originários" para "Povos Indígenas". Além disso, o grupo também recolherá demandas e sugestões de organizações e lideranças indígenas.
Entretanto, o movimento indígena tem feito críticas em relação à sub-representação dos povos indígenas isolados no grupo. Beto Marubo, líder indígena do Vale do Javari – região onde foram assassinados Bruno Pereira e Dom Phillips – disse que há preocupação de que os povos isolados também sejam assistidos pelo governo federal.
Segundo Marubo, a Univaja (União dos Povos Indígenas do Vale do Javari) e o Observatório dos Direitos Humanos dos Povos Indígenas Isolados e de Recente Contato (Opi) não foram convidados para integrar o GT. A expectativa da Univaja é trabalhar junto com a Funai no governo Lula.
“Esperamos que a Funai possa ter o seu poder de polícia regulamentado e tenha orçamento decente, voltado sobretudo para a proteção das Terras Indígenas e para desativar o esquema de destruição dos mecanismos de proteção ambiental feito durante os quatro anos de governo Bolsonaro. Esperamos que a equipe de coordenação de indígenas isolados seja totalmente renovada”, disse Marubo em entrevista ao jornal O Globo.
De acordo com Marubo, a presença de invasores e quadrilhas organizadas persiste no Vale do Javari e as ameaças contra indígenas têm se tornado cada vez mais agressivas. Recentemente, uma liderança indígena Kanamari foi ameaçada de morte sob a mira de uma arma por um pescador. Para ele, o próximo governo precisa atuar de forma contundente na proteção dos povos isolados.
Extra
A Terra Indígena Pirititi, em Roraima, está interditada por tempo indeterminado graças a um acordo judicial entre o Ministério Público Federal (MPF) e a Funai. A medida impede a circulação de não-indígenas na região com presença dos povos indígenas isolados. A Funai também informou que vai concluir os relatórios de identificação e delimitação da Terra Indígena até fevereiro de 2025.
A área vinha sendo interditada por portarias de restrição de uso desde 2012, após a Funai ter identificado pela primeira vez a existência dos indígenas isolados. Desde então, o órgão emitiu portarias de validade curta, de apenas três anos. A partir de 2021, as portarias passaram a ter validade de seis meses.
Imagem
Ramal aberto por invasores no limite da Terra Indígena Pirititi, em Roraima, em região com presença dos povos indígenas isolados|Bruno Kelly/ISA
Segundo o MPF, isso criava intensas ameaças aos isolados, uma vez que invasores como grileiros e madeireiros que vivem nos limites da área tinham ciência dos prazos das portarias e ameaçavam invadir a área protegida assim que expirassem.
Com o acordo, a portaria passa a ter vigência indeterminada e a interdição só deve se encerrar quando os estudos para a demarcação forem concluídos e o território for homologado pela União.
Isso vale um mapa
Durante a COP-27, a Cúpula da ONU sobre mudanças climáticas que aconteceu no Egito, lideranças indígenas revelaram que esperam a homologação de cinco Terras Indígenas já no início do governo Lula. A homologação é o último passo para a plena demarcação do território indígena.
Em 2020, o então Ministro da Justiça, Sérgio Moro, recorreu a um parecer aprovado pelo então presidente Michel Temer para devolver à Funai 17 processos de demarcação de Terras Indígenas que estavam no órgão à espera de uma decisão do ministro. O parecer de Temer impôs a aplicação administrativa do chamado Marco Temporal.
Entre esses 17 processos devolvidos, estão cinco Terras Indígenas que aguardavam apenas o decreto de homologação.
O território do povo Kaingang fica localizado em Santa Catarina, em meio aos resquícios da Mata Atlântica. A terra também foi declarada em 2007.
Socioambiental se escreve junto
Treze comunicadores de quatro comunidades da Terra Indígena Yanomami se reuniram na casa do xamã Davi Kopenawa para uma oficina cinematográfica. Juntos, cineastas e antropólogos compartilharam algumas técnicas aos comunicadores indígenas para eles mesmo contarem suas histórias da floresta com o uso de câmeras profissionais, microfones, tripés e fones de ouvido, além de manuais de edição em Yanomae e computadores para edição.
Esta é a quarta oficina de comunicação desenvolvida pela Hutukara Associação Yanomami na terra indígena, e o cinema foi escolhido como foco a pedido dos próprios indígenas. As duas primeiras ocorreram em 2018 e 2019 com ensino de fotografia e produção de boletins de áudio em Boa Vista, na sede da Hutukara. A previsão é que todos os filmes produzidos pelos comunicadores indígenas sejam disponibilizados em um canal da associação.
O protagonismo dos povos indígenas no mundo audiovisual também é tema da exposição Xingu: contatos, que abriu para visitação gratuita no IMS Paulista no início de novembro e deve acontecer até abril de 2023.
Com fotografias que narram as vivências do Parque Indígena do Xingu, a mostra estabelece diálogos entre fotografias e filmes produzidos por não indígenas desde o século XIX e o trabalho atual de cineastas, artistas e comunicadores de povos do Xingu e de outras origens.
Notícias e reportagens relacionadas
As principais informações sobre o ISA, seus parceiros e a luta por direitos socioambientais ACESSE TODAS
Indígenas do Rio Negro esperam participação ativa em novo governo Lula
Presidente eleito teve 80,63% dos votos em São Gabriel da Cachoeira; liderança aposta na reconstrução dos direitos dos povos indígenas
População de São Gabriel da Cachoeira celebra vitória de Luiz Inácio Lula da Silva no segundo turno das eleições presidenciais|Raquel Uendi
São Gabriel da Cachoeira (AM), município mais indígena do Brasil, elegeu o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) com 80,63% dos votos. O resultado é reflexo do descontentamento com a atual gestão de Jair Bolsonaro, marcada pelo aumento da pressão do garimpo, do turismo ilegal e das denúncias de tráfico, além das ameaças aos direitos constitucionais dos povos indígenas.
Em outras duas cidades da região, Lula também ganhou com ampla maioria: em Santa Isabel do Rio Negro, com 73,94% dos votos, e em Barcelos, 65,02%. Os três municípios ficam no Alto e Médio Rio Negro, em uma das regiões mais preservadas da Amazônia – com aproximadamente 750 comunidades indígenas de povos de 23 etnias.
Diretor-presidente da Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (Foirn), Marivelton Barroso, do povo Baré, comemorou o resultado. Ele projeta uma reconstrução da política de direitos indígenas e o protagonismo dos povos indígenas no novo governo, com a ocupação de cargos de liderança no prometido Ministério dos Povos Indígenas ou Ministério dos Povos Originários e na Fundação Nacional do Índio (Funai).
Imagem
Marivelton Baré aposta na reconstrução do que foi perdido nos anos de governo Bolsonaro|Juliana Radler/ISA
“Primeiro, viva a nossa democracia. Agora temos democraticamente o presidente Lula eleito e a gente espera que, a partir do momento que ele assumir, possa buscar reconstruir toda uma política de direitos para os povos indígenas do Brasil que foi brutalmente acabada e desconstruída ao longo desse governo Bolsonaro”, disse Marivelton Baré.
“As pastas que são para trabalhar com os povos indígenas [devem ser ocupadas pelos povos indígenas] nessa construção participativa, seja no controle social, seja na implementação das ações, seja no protagonismo da política de gestão ambiental e territorial das terras indígenas”, afirmou.
Marivelton Baré também cobrou da nova gestão o respeito aos Planos de Gestão Territorial e Ambiental (PGTAs) – instrumento da Política Nacional de Gestão Territorial e Ambiental de Terras Indígenas (Pngati) – e aos protocolos de consulta. A região do rio Negro tem PGTAs elaborados e publicados, com propostas de gestão do território para áreas de economia da floresta, saúde, educação, cultura, entre outras.
O protocolo de consulta do Rio Negro deve ser concluído em assembleia geral da Foirn no final de novembro. Ao longo de 2022, foram realizados encontros regionais para garantir ampla participação na elaboração do documento.
“É necessário ainda que seja garantido o modelo de organização indígena, a partir das federações, das associações, das articulações e coordenações da Amazônia. A gente espera uma reconstrução de tudo aquilo que perdemos. Temos a expectativa de que o nosso presidente eleito vai fazer história para o protagonismo indígena no país”, desejou Marivelton Baré.
Em seu primeiro pronunciamento após o anúncio do resultado, Lula disse que tem compromisso com povos indígenas e que seu governo vai lutar pelo desmatamento zero da Amazônia. “Queremos a pacificação ambiental”, afirmou o presidente eleito.
Em São Gabriel da Cachoeira, após o resultado da eleição, as ruas do centro e da orla foram tomadas por carreatas e celebrações. A eleição aconteceu em clima de tranquilidade.
A Rede Wayuri de Comunicadores Indígenas fez a cobertura do primeiro e do segundo turno. A comunicadora Juliana Albuquerque, do povo Baré, anunciou pelo Instagram o resultado da eleição ao vivo.
Na cidade, Jair Bolsonaro (PL) obteve somente 19,36% (4.103) dos votos. Branco ou nulo totalizaram 3,23%. Para governador, Eduardo Braga (MDB) recebeu 13.490 votos (64,69%) e o candidato à reeleição Wilson Lima (UNIÃO) 7.364 (35,31%). Lima venceu o pleito e governará o Amazonas por mais quatro anos.
A abstenção foi de 31,55% no segundo turno, ligeiramente menor que a do primeiro (32,4%).
Obstáculos para a votação
Dificuldades para votar foram enfrentadas por indígenas em todo o país, o que levou a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) a enviar um ofício ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e aos Tribunais Regionais Eleitorais requerendo oferecimento amplo de transportes e denunciando crimes eleitorais.
Em 18 de outubro, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Luís Roberto Barroso, decidiu que prefeituras e empresas de ônibus poderiam oferecer transporte público gratuito no segundo turno das eleições. No dia 30 de outubro, a Prefeitura de São Gabriel da Cachoeira ofertou ônibus gratuitos em algumas regiões da cidade.
Rosana Marques, do povo Baniwa, usou ônibus gratuito para chegar ao local de votação, na Escola Estadual Sagrada Família. Da comunidade de Santo Antônio, na estrada de Cucuí, ela contou aos comunicadores Juliana Albuquerque e Adelson Ribeiro que, se não fosse a gratuidade, não teria conseguido votar.
No entanto, o comunicador Moisés Baniwa relatou que moradores de comunidades localizadas na BR-307, na estrada de Camanaus, não contaram com a gratuidade. “Eu soube que muita gente da minha comunidade não foi votar”, relatou ele, que mora em Itacoatiara Mirim, comunidade indígena próxima ao centro urbano.
Outra questão que levou à alta abstenção foi o horário da votação, que este ano foi unificado em todo o país, não havendo diferenciação devido ao fuso. Dessa forma, na região do Alto Rio Negro a eleição aconteceu das 7h às 16h, o que confundiu os eleitores – principalmente no primeiro turno.
Dona Elza Tenório, do povo Tukano, que não conseguiu votar no dia 2 de outubro por ter chegado meia hora depois do horário – buscando preservar a filha com deficiência do sol quente –, votou cedo no domingo. Ela deu entrevista à Rede Wayuri e contou que estava feliz por poder exercer sua cidadania.
Em São Gabriel da Cachoeira, a eleição tem características complexas: são 33 pontos de votação, sendo cinco na área urbana e 28 em comunidades em meio à floresta. Dos 32.106 eleitores, 17.725 (55,2%) votam na área urbana, com 14.381 (44,7%) estando em comunidades. Entre as comunidades, Iauaretê (2.764 eleitores) e Pari-Cachoeira (1.028) são as que têm maior número de eleitores.
Para levar as urnas até esses pontos é necessária uma logística que envolve veículos, barcos e aeronaves. Nem todas as comunidades recebem urnas e muitos indígenas precisam sair dos locais onde moram para ir votar.
Os Yanomami que vivem na comunidade Maiá, no território Yanomami no Amazonas, votam em São Gabriel da Cachoeira. Para chegar à cidade, viajaram seis dias em voadeiras – pequenas embarcações a motor –, relatou Pauderney Rodrigues, filho da liderança Luciano Nascimento Figueiredo.
No segundo turno, cerca de 200 indígenas dessa comunidade saíram de suas casas para votar. Nessa época, o rio está mais seco, o que torna a viagem ainda mais demorada.
Imagem
Fila de eleitores na Escola Estadual Irmã Inês Penha; no segundo turno, as filas foram menores que as do primeiro|Mauro Pedrosa, povo Tukano/Rede Wayuri
Moradora de São Gabriel, Janete Farias, do povo Baniwa, votou na Escola Irmã Inês Penha. No primeiro turno enfrentou longas filas, chegou às 12h e saiu às 15h30. “Fiquei muito tempo em pé, outras pessoas cansaram de esperar. Agora vim mais cedo e levei cerca de 40 minutos até conseguir dar meu voto”, contou As longas filas registradas no primeiro turno também foram apontadas como fator da alta abstenção.
Ela é natural de Tapira Ponta, comunidade na bacia do Içana, e conta que há muitas dificuldades para votar no interior. Algumas comunidades recebem as urnas eletrônicas e os moradores de outras localidades precisam se deslocar por conta própria para dar seu voto. “Em Tapira Ponta não tem urna. Quem está lá tem que seguir até a Tunuí-Cachoeira”, conta.
Rede de comunicadores
A Rede Wayuri de Comunicadores Indígenas, que conta com cerca de 50 integrantes na região do Alto e Médio Rio Negro, vem abordando desde julho as eleições no programa de rádio Papo da Maloca, que vai ao ar semanalmente na FM local.
Em seguida, o programa é editado e fica disponível como o podcast Wayuri nas principais plataformas de áudio.
No primeiro e no segundo turnos, os comunicadores que atuam em São Gabriel fizeram a cobertura ao vivo pelo Instagram. Já aqueles que estavam no território encaminharam fotos e informações da votação em suas comunidades.
Imagem
Comunicadores indígenas da Rede Wayuri entrevistam Elza Tenório, do povo Tukano, que não conseguiu votar no primeiro turno|Ana Amélia Hamdan/ISA
A professora Auxiliadora Fernandes, do povo Dâw, enviou foto de indígenas atravessando o Rio Negro de barco – entre a comunidade Waruá e a orla principal da cidade – para exercer a cidadania.Entre o primeiro e o segundo turno, a Rede Wayuri atuou para estimular o voto, produzindo cards e vídeos em português e nas línguas indígenas Nheengatu, Baniwa, Tukano e Yanomami.
Participaram da cobertura da eleição acompanhando a votação dos indígenas na área urbana os comunicadores Juliana Albuquerque, do povo Baré; Cláudia Ferraz, do povo Wanano, Adelson Ribeiro, do povo Tukano, Emerson Chaves de Oliveira, do povo Baré, Mauro Pedrosa, do povo Tukano, e Álvaro Socot, do povo Hupda.
O comunicador Ray Baniwa faz parte da rede desde a sua criação e atuou à distância. Os trabalhos foram feitos com o apoio da fotógrafa e web designer Raquel Uendi. A Rede Wayuri é vinculada à Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (Foirn) e tem parceria e assessoria do Instituto Socioambiental (ISA).
Notícias e reportagens relacionadas
As principais informações sobre o ISA, seus parceiros e a luta por direitos socioambientais ACESSE TODAS
Indígenas lutam por melhores condições para votar no segundo turno
Falta de transporte, mudança no horário de votação e longas filas foram maiores obstáculos no primeiro turno; Apib oficiou TSE e TREs denunciando crimes eleitorais
Longas filas marcaram o primeiro turno em São Gabriel da Cachoeira e foram fator de desmobilização para parte dos eleitores|Ana Amélia Hamdan/ISA
Reportagem atualizada no dia 27 de outubro, às 11h57.
Com índices de abstenção acima da média nacional (20,9%), comunidades indígenas no Amazonas, Roraima, Bahia e Mato Grosso relataram dificuldades e irregularidades para votar no primeiro turno, conforme apuração do Instituto Socioambiental (ISA).
A alta quantidade de denúncias levou a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) a enviar um ofício ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e aos Tribunais Regionais Eleitorais, requerendo oferecimento amplo de transportes e denunciando crimes eleitorais.
“Estamos solicitando providências junto aos órgãos responsáveis para que haja maior fiscalização quanto a tentativas de coação e de impedimento ao exercício legal do voto, diminuindo assim o número de abstenção”, afirmou Kleber Karipuna, coordenador executivo da Apib, em nota.
Em São Gabriel da Cachoeira (AM), município com a maior concentração de indígenas no Brasil, 10.273 eleitores deixaram de votar – uma abstenção de 32,5%, segundo dados do Tribunal Regional Eleitoral do Amazonas (TRE-AM). Nos vizinhos Barcelos e Santa Isabel do Rio Negro, as taxas foram ainda mais altas, atingindo 35,9% e 37,4%, respectivamente.
Relatos dos próprios indígenas apontam que um dos principais desafios são as longas distâncias que muitos têm que percorrer até o local de votação. Outros obstáculos registrados foram longas filas e a mudança de horário da votação.
Imagem
Urnas eletrônicas chegam a São Gabriel da Cachoeira no primeiro turno das eleições|Ana Amélia Handam/ISA
“É uma região imensa, em que algumas famílias têm que viajar o dia inteiro ou até mais de um dia para chegar às urnas”, avalia Gersem Baniwa, professor da Universidade de Brasília e um dos fundadores da Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (Foirn).
Em 2022, 28 comunidades indígenas receberam urnas em São Gabriel da Cachoeira e outras duas em Santa Isabel do Rio Negro, enquanto Barcelos não recebeu nenhuma. A quantidade, porém, ainda é pequena perto das 750 comunidades e sítios estimados nos três municípios.
No primeiro turno, por exemplo, indígenas Yanomami que vivem na comunidade Maiá precisaram viajar por três dias em voadeiras – pequenas embarcações a motor – para conseguirem votar na sede de São Gabriel da Cachoeira.
E há os custos envolvidos na viagem, que a maioria não tem condições de cobrir. No dia 18 de outubro, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Luís Roberto Barroso, decidiu que prefeituras e empresas de ônibus podem oferecer transporte público gratuito no segundo turno das eleições. Consultada dia 25, a Prefeitura de São Gabriel da Cachoeira disse que ainda estava se informando sobre a medida.
A decisão do STF, no entanto, pode não ser suficiente para garantir o direito ao voto. No caso de comunidades indígenas, o apoio deve ser diferenciado e garantir oferta de transporte público das aldeias às urnas mais próximas, seja por vias terrestres ou fluviais.
Em Barcelos, onde a maioria dos eleitores indígenas é Yanomami, a logística complexa e a falta de recursos impediram pessoas de votar, comenta Rosilene Menez da Silva, do povo Baré, presidente da Associação Indígena de Barcelos (Asiba).
“Lá [na comunidade] Nova Jerusalém, por exemplo, solicitaram uma urna, porque é muito longe e o gasto é muito alto, mas o TRE não conseguiu colocar”, conta. “Eu creio que esse índice [de abstenção] aumentará mais ainda no segundo turno, porque aqueles que vieram das comunidades para votar no primeiro turno não vêm mais”.
“As próprias pessoas arcam com as despesas [de combustível] para poderem votar”, relata Plínio Guilherme Marcos, da etnia Baniwa, morador de São Gabriel da Cachoeira. A comunidade onde ele mora, Tunuí-Cachoeira, na Terra Indígena Alto Rio Negro, recebeu urnas, mas moradores de comunidades próximas, como Santa Rosa, Castelo Branco e Vista Alegre, precisaram ir até Tunuí para registrar seus votos.
Frequentemente, o custo para o deslocamento é muito mais alto que a taxa cobrada pelo TSE pelo não comparecimento, de R$ 3,51. Sem apoio, os eleitores podem ficar mais vulneráveis à compra de votos, ou enfrentar dificuldades para regressar às aldeias, caso de 400 eleitores Yanomami que estão em Barcelos desde o primeiro turno, alocados de maneira precária, sem acesso ao combustível necessário para fazer a viagem de volta.
“Precisamos garantir materialmente o direito ao exercício do voto. Assim como nas cidades se libera transporte público para os municípios, o mesmo deveria acontecer ao longo dos rios”, aponta Gersem Baniwa.
Fuso horário e fechamento das urnas
Além disso, pela primeira vez, a votação em todo o país seguiu o horário de Brasília, com adaptações para a hora local nos municípios que estão em fusos diferentes. Em São Gabriel da Cachoeira, Barcelos e Santa Isabel do Rio Negro, as urnas ficaram abertas das 7h às 16h.
A mudança foi divulgada pela Rede Wayuri de Comunicadores Indígenas e pelo Cartório Eleitoral de São Gabriel da Cachoeira na Rádio O Dia FM, mas alguns eleitores ainda assim se confundiram e chegaram às suas seções eleitorais após o fechamento dos portões.
Indígena do povo Tukano, Elza Tenório Vieira é moradora de São Gabriel da Cachoeira e foi uma das eleitoras que não conseguiu votar no primeiro turno porque se confundiu com o novo horário. Ela prefere votar no final da tarde porque tem uma filha com deficiência e, por isso, toma o cuidado de evitar as horas de sol forte.
“Eu cheguei atrasada, às 16h30, e por isso não votamos no primeiro turno. Neste segundo turno, eu e minha filha, eu conduzindo ela, vamos, sim, votar. Vamos fazer nosso dever de cidadão. Brinquei que vamos antes do café da manhã, a partir das 7h30”, diz.
Apontando para o segundo turno, a Rede Wayuri produziu anúncios e vídeos em português e nas línguas indígenas yanomami, tukano, nheengatu e baniwa, relembrando informações essenciais para os eleitores, como horário de votação e quais documentos levar. Confira:
Imagem
Imagem
Cards com informações para eleitores nas línguas Yanomami e Nheengatu, respectivamente|Rede Wayuri de Comunicadores Indígenas
Ainda, alguns eleitores indígenas chegaram a esperar até três horas nas filas, problema que se repetiu em zonas eleitorais em todo o país. A demora desmobilizou os eleitores e parte deles preferiu ir embora sem votar.
De acordo com Rosilene da Silva, da Asiba, um dos fatores que contribuiu para as longas filas foi a dificuldade para usar a urna eletrônica, em especial por indígenas que não falam o português.
O desconhecimento do sistema, relata ela, gerou situações complicadas: um eleitor yanomami, por exemplo, teria sido induzido pelo intérprete que o acompanhava a votar em um candidato diferente daquele que pretendia. “Tem que ter uma preparação. O TRE poderia, antes das eleições, ensinar essas pessoas a votar”, aponta Rosilene.
FIQUE ATENTO!
O segundo turno das Eleições Federais de 2022 acontece em 30 de outubro.
Na maior parte dos municípios do Amazonas, em Roraima, Rondônia, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, a votação ocorre das 7h às 16h, no horário local.
No Acre, as urnas estarão abertas das 6h às 15h, assim como em 11 municípios do Amazonas: Amaturá, Atalaia do Norte, Benjamin Constant, Eirunepé, Envira, Guajará, Ipixuna, Jutaí, Tabatinga e São Paulo de Olivença.
Em Fernando de Noronha, a votação será das 9h às 18h. No restante do país, o voto segue o horário de Brasília e vai das 8h às 17h
Fique de olho no relógio para não perder a hora!
Imagem
Fonte: Tribunal Superior Eleitoral
Para Gersem Baniwa, a abstenção reflete uma piora no comprometimento da população local com a política e a cidadania, fator que faz escalar a abstenção. “A gente percebe muito pouco debate sobre a importância do voto, de se participar da escolha”, considera.
Ainda segundo ele, a polarização política no Brasil também se registra nas comunidades indígenas, dificultando o diálogo. “Anos atrás, as comunidades se preparavam com antecedência, faziam vaquinhas para juntar combustível, iam em canoas coletivas votar. Esse movimento não há mais”.
Visando maior participação dos povos indígenas em pleitos futuros, ele reforça a necessidade de as associações indígenas fortalecerem a formação política e cidadã das comunidades. “É preciso fazer um trabalho extensivo nas aldeias, e não só com as lideranças”, diz. “Sem debate, agenda e pauta, não tem consciência e mobilização. É toda uma cadeia em que, [como] resultado final, os indígenas têm dificuldades de eleger seus representantes”.
O ISA procurou o Tribunal Superior Eleitoral por e-mail para que comentasse sobre os desafios registrados em todo o país, mas foi orientado a buscar os Tribunais Regionais Eleitorais e o Ministério Público Federal. Até o fechamento dessa reportagem, o TRE do Amazonas não havia respondido às perguntas sobre os problemas relatados pelas comunidades do Rio Negro.
Indígenas em Roraima e no Mato Grosso
Mesmo em Roraima, estado com a menor taxa de abstenções do país, o direito ao voto das comunidades indígenas não foi plenamente cumprido. É o que relata Joice Alberto de Souza, do povo Wapichana, moradora da Comunidade Novo Paraíso, em Bonfim (RR). “Muitas pessoas deixaram de votar. Um dos motivos é que muitos jovens, de 20 e 21 anos, não tiraram o título de eleitor.”.
No entanto, o principal desafio foi a falta de transporte. Segundo Joice, as urnas ainda não chegam à sua comunidade e os eleitores, cerca de 120 pessoas, se dividem entre duas seções eleitorais: uma na Vila São Francisco, a aproximadamente 7 km de distância e outra na Comunidade Manoá, a 20 km de distância. “Muitas famílias não têm transporte [privado] e não conseguem chegar até o destino da sua votação”, conta.
Ela afirma que em nenhum momento a justiça eleitoral de Bonfim os procurou para oferecer soluções à questão do transporte, o que, segundo a jovem, abre margem para que candidatos ofereçam carona em troca de votos e até de dinheiro. O ISA procurou o Cartório da 5ª Zona Eleitoral (Boa Vista, Bonfim, Cantá e Normandia), mas não conseguiu contato até o fechamento desta reportagem.
Imagem
Elza Tenório Vieira chegou atrasada à seção eleitoral em São Gabriel da Cachoeira e ficou sem votar no primeiro turno| Ana Amélia Hamdan/ISA
Problemas semelhantes foram levantados por comunidades na Bacia do Xingu. Dentro da zona eleitoral de Querência (MT), por exemplo, nenhuma urna foi instalada em aldeias indígenas. O cartório eleitoral da região ofereceu ônibus para apoiar o deslocamento até a cidade, mas algumas dificuldades foram registradas.
Lideranças da aldeia Afukuri, do povo Kuikuro, relataram que os motoristas dos veículos teriam se perdido no caminho, causando atrasos. Para o segundo turno, eles pedem que os ônibus cheguem na aldeia no dia anterior às eleições, mas, segundo o cartório eleitoral, esta medida está sujeita a uma checagem do volume de chuvas e da condição das estradas. Questionado, o cartório eleitoral respondeu que “os ônibus irão onde é possível o tráfego, [sendo] feitas tratativas com as lideranças dos locais [onde há] possibilidade de inacessibilidade, em busca de alternativas”.
Entre o povo Khisêtjê, lideranças indicam que houve uma desmobilização, em especial de pessoas idosas, quando estas souberam que precisariam ir de ônibus até Querência e passar o dia longe da aldeia para votar.
Nas Eleições Municipais de 2020, uma medida emergencial de combate à covid-19 permitiu a instalação de urnas na Escola Estadual Central Kisêdjê, na Terra Indígena Wawi e na Escola Aldeia Kalapalo, no Território Indígena do Xingu, facilitando a expressão cidadã dos indígenas nesses territórios.
O cartório eleitoral não manteve esse recurso nas Eleições 2022 e informa que a inclusão de urnas em terras indígenas só será possível após esse ciclo, “condicionada a estudos que garantam a efetividade e segurança dos trabalhos eleitorais”.
NÃO VOTEI NO 1º TURNO, E AGORA?
Não se preocupe, você tem o direito de votar no segundo turno, ainda que não tenha registrado seu voto na primeira rodada. Basta levar um documento com foto ou seu título de eleitor virtual (e-título) até sua seção eleitoral no domingo, 30 de outubro.
Lembre-se: no segundo turno, você vota para presidente (dois números) e, dependendo do seu estado, para governador (dois números).
Nas aldeias do Território Indígena do Xingu que estão próximas ao município de Feliz Natal (MT), há uma seção eleitoral na Escola Estadual Ikpeng, na aldeia Pavuru, acessível por via fluvial. O deslocamento desses eleitores é responsabilidade da Comissão de Transportes Eleitorais do Cartório Eleitoral de Vera (MT), que afirma ter fornecido neste ano 700 litros de combustível e 14 litros de óleo náutico, a serem rateados entre sete aldeias.
Oporike Ikpeng, diretor regional da Articulação Terra Indígena do Xingu (ATIX) no Médio Xingu, confirma que o combustível foi enviado, mas comenta que a quantidade ainda não é suficiente para garantir o amplo direito ao voto dos indígenas na região. “Têm aldeias muito distantes, que consomem muita gasolina, então falta [combustível] para trazer esses eleitores”, diz. “Quando não tem condições, essas aldeias não aparecem para votar”.
“Isso pode acontecer, mas é por uma questão de disponibilidade”, pondera Luis Antonio Rodrigues, representante do cartório eleitoral. Ele argumenta que a quantidade de combustível fornecida pode aumentar em pleitos futuros, mas isso depende de uma compatibilidade entre os recursos destinados a essa finalidade pela Comissão de Transportes e a quantidade requerida pelas comunidades indígenas. “Se tem reclamações, elas devem ser levadas ao Juiz Eleitoral ou para o TRE-MT, para que apontem uma solução do que poderia ser viabilizado”.
Oporike cita como dificuldade também a falta de apoio com alimentação para os eleitores que vêm de longe, mas avalia que este não é um fator decisivo para elevar os índices de abstenção. Em 2022, a aldeia Pavuru registrou 24,6% de abstenção.
Indígenas na Bahia
Na região do extremo sul da Bahia, comunidades indígenas foram impedidas de votar no primeiro turno das eleições, de acordo com relatos colhidos pela Associação dos Docentes da Universidade do Estado da Bahia (ADUNEB) e pelo Centro de Estudos e Pesquisas Intercultural da Temática Indígena (CEPITI), entre os dias 15 a 17 de outubro.
Segundo relatos das comunidades, na Região do Descobrimento, os indígenas não puderam sair de suas aldeias por medo, coação de pistoleiros e fechamento de passagens em estradas. A eleição em Prado, onde vivem mais de seis mil indígenas, município com maior número de indígenas da Bahia, registrou uma abstenção de 27,84%.
"Abstenção é uma palavra insossa que não quer dizer nada. Tem que desembrulhar a palavra ‘abstenção’ como a gente desembrulha evasão escolar, igual a evasão dos negros e indígenas da universidade porque não tem política de permanência. Esconde de fato a causa central do que a gente chama abstenção, que não é o sujeito que diz: ‘eu não quero votar, não tô interessado em eleições', mas que elimina compulsoriamente grupos, e grupos racializados, como é o caso dos indígenas”, afirma a professora Maria Geovanda Batista, coordenadora do CEPITI, da UNEB, e docente do colegiado dos cursos de licenciatura intercultural em educação escolar indígena e pedagogia intercultural.
“Podem falar: ‘ah, tá tudo bem, é um grupo pequeno, 30 da Aldeia Nova, 30 do Vale do Kay’. Eu pergunto, quantos povos e comunidades indígenas estão sendo atacados hoje? Será um fenômeno só dos Pataxó?”, questiona.
Além da coação de pistoleiros e do medo generalizado dos indígenas de saírem de suas aldeias para irem votar, dificuldades para se deslocar também foram relatadas. Aqueles que não corriam ameaça iminente contra suas vidas, não tiveram como se dirigir aos locais de votação, devido à longa distância entre as comunidades e as zonas eleitorais. Na Aldeia Barra Velha, os indígenas precisam percorrer mais de 100 quilômetros para votar.
O Movimento Indígena da Bahia (MIBA) protocolou, no dia 25 de outubro, no Tribunal Regional Eleitoral da Bahia (TRE-BA), um pedido de providências para que assegure o cumprimento do direito ao voto de “não só os indígenas, mas também os quilombolas e todos aqueles que necessitem de tais políticas”.
Na ação, o MIBA solicita que o TRE “auxilie tais comunidades no que diz respeito ao transporte aos respectivos locais de votação, ou então, alternativamente, que forneça os respectivos serviços, ou então, em último caso, que se obrigue as Prefeituras Municipais de Porto Seguro e Prado a concretizarem tais diligências”.
Na noite de 26 de outubro, a Justiça da 112ª Zona Eleitoral de Prado manifestou-se favoravelmente à ação. O órgão autorizou a utilização de veículos próprios, alugados ou emprestados, desde que sejam devidamente vistoriados e credenciados pelo Cartório Eleitoral, para o transporte de eleitores indígenas, quilombolas e de comunidades tradicionais. No caso, foi ressaltado que a decisão é restrita à extensão territorial dos municípios de Prado, Alcobaça e Caravelas, não abrangendo Porto Seguro, por se tratar de Juízo eleitoral diferente.
O órgão destacou ainda “que resta patente a necessidade de se garantir o pleno exercício dos direitos políticos pelas comunidades indígenas locais”, e indicou que seja “assegurado o fornecimento de transporte à população de aldeias indígenas, quilombolas e integrantes de comunidades remanescente, para viabilizar o exercício do voto”. Eventuais dúvidas sobre a logística de vistoria e credenciamento podem ser direcionadas diretamente no Cartório Eleitoral de Prado, por meio do WhatsApp (73) 3298-1155.
As principais informações sobre o ISA, seus parceiros e a luta por direitos socioambientais ACESSE TODAS
Célia Xakriabá: é hora de 'mulherizar' e 'indigenizar' a política!
#ElasQueLutam! Nova deputada federal por Minas Gerais, ela chega para superar o racismo da ausência e lutar por demarcações, educação e acesso à cultura
Célia Xakriabá mal tinha deixado a infância quando começou a acompanhar as lideranças da Terra Indígena Xakriabá (MG) em mobilizações nacionais em prol de seu povo. Tinha somente 13 anos quando entrou pela primeira vez no Congresso Nacional para fazer um pronunciamento, recorda, e começou a ouvir de seus parentes que ainda seria a futura deputada dos Xakriabá.
Célia, 19 anos depois, filiada ao PSOL, vê esse projeto se concretizar. Ela se tornou a primeira indígena da história do Estado de Minas Gerais a ser eleita deputada federal, com mais de 101 mil votos. A partir de 2023, ela assumirá um assento na Câmara ao lado de outros quatro parlamentares que se autodeclaram indígenas, um recorde, com destaque para Sonia Guajajara, também do PSOL, que foi escolhida para representar o Estado de São Paulo.
“Nós chegamos até aqui porque decidimos que não são os outros que vão falar quando é a nossa hora”, ela sublinha. “A nossa hora é quando já não der mais para suportar o genocídio [e] o etnocídio. Nossa hora é agora”.
Imagem
Célia Xakriabá e Sonia Guajajara: o movimento indígena quebra recorde e elege duas lideranças para deputadas federais em 2022|Kamikiá Kisêdjê
A vitória de Célia é fruto de um esforço coletivo do movimento indígena para expandir o número de candidaturas dos povos originários e ocupar a política institucional, ao qual se deu o nome de ‘Bancada do Cocar’. Em oposição à bancada ruralista, essa frente surge na perspectiva de barrar ataques ao meio ambiente e incidir pela demarcação de territórios e pela defesa dos direitos dos povos da floresta.
“Nós não queremos ser somente eleitores. Também temos condições de sermos votados e vamos fazer daquele Salão Verde um reflorestar da política com as nossas ideias e a nossa presença”, diz.
Um dos principais desafios que ela quer superar é justamente o ‘racismo da ausência’, isto é, a ideia equivocada de que o lugar do indígena é somente na aldeia ou numa “banquinha de artesanato”.
“Eles decidiram que era esse lugar para nós e nós decidimos passar com o nosso cocar. [Agora], é abrir caminho, porque junto conosco, eu quero que venham muitas outras”.
Célia Xakriabá assume o cargo na expectativa de semear esperança e reconstrução após um acirramento dos ataques aos povos indígenas, que foram colocados na mira do presidente Jair Bolsonaro (PL) e do próprio Congresso Nacional.
Imagem
“Nós decidimos passar com o nosso cocar. [Agora], eu quero que venham muitas outras”, afirma Célia Xakriabá|Tatiane Klein/ISA
Por isso, seu mandato tem como prioridade três pilares, todos construídos coletivamente com as comunidades indígenas e tradicionais de Minas Gerais: cultura viva, com o fortalecimento de políticas de preservação da memória e do patrimônio cultural e democratização do acesso à cultura; educação territorializada, com reconhecimento às sabedorias ancestrais e letramento étnico-racial de profissionais da educação básica; e justiça socioambiental, com demarcação de Terras Indígenas e titulação de territórios quilombolas, enfrentamento à mineração predatória e reformas agrária e urbana.
“[O governo Bolsonaro] usou a estrutura de poder para anunciar o ‘passar da boiada’. Como a gente vai pensar em possibilidade de futuro se existe um governo ecocida na centralidade política?” questiona. “É momento de retomar uma democracia para a vida”.
Apontando para um possível governo Lula, ela reforça também a necessidade de pensar a paralisação de atos normativos que promovem o retrocesso ambiental e territorial e o desrespeito aos direitos dos povos originários, que, ela calcula, já chegam a 250 textos. E garante que, caso essa perspectiva de um novo governo do ex-presidente se realize, vai seguir vigilante dentro do Congresso.
“Vai ser um mandato para a luta”, pontua. “A nossa representatividade não significa que os problemas estarão resolvidos. Pelo contrário: vamos ter uma voz e uma possibilidade de decisão com a caneta, mas a mobilização é o que nos sustenta”.
Minha escola é a luta
A política institucional já faz parte da vida de Célia Xakriabá. Nos últimos quatro anos, atuou como assessora parlamentar da deputada federal Áurea Carolina (PSOL), eleita por Minas Gerais em 2018. Antes, havia trabalhado na Secretaria de Educação de Minas Gerais, onde colaborou com o desenho de políticas públicas para a educação escolar diferenciada e com a abertura de escolas indígenas e quilombolas e rurais em todo o estado.
Imagem
Célia Xakriabá: "vamos ter uma voz e uma possibilidade de decisão com a caneta, mas a mobilização é o que nos sustenta”|Benjamin Mast/La Mochila Produções/ISA
Foi Áurea, inclusive, que primeiro convocou as lideranças Xakriabá a lançarem uma candidatura para a Câmara federal, ainda no pleito de 2018. Célia recorda, porém, que ainda não era o momento.
Pensando nas eleições de 2022, os Xakriabá passaram a discutir o fato de que muitos dos parlamentares que ajudavam a eleger não tinham os interesses do povo como verdadeiras prioridades. Alguns votavam, por exemplo, a favor da mineração ou contra políticas para a saúde indígena.
Decidiram, então, que havia chegado a hora de se unificar em torno de um nome que realmente os representasse. E esse nome era o de Célia.
“Os territórios indígenas apoiaram nossa candidatura e muitas das comunidades quilombolas de Minas Gerais [também]. Só em Belo Horizonte, eu fui a terceira mais votada. As pessoas estão entendendo a nossa emergência”, comenta a deputada eleita.
Em 2023, Célia Xakriabá carregará até Brasília uma bagagem recheada pela vasta experiência na área da educação e no engajamento junto ao movimento indígena. “Eu nunca percorri caminhos da velha política brasileira. Minha primeira escola foi e continua sendo a luta”, reafirma.
Célia sempre esteve muito presente na vida política do território e firmou suas primeiras relações com a luta junto a outros povos e comunidades tradicionais do norte de Minas Gerais. A proximidade e a troca de experiências com territórios quilombolas, geraizeiros, vazanteiros e outros mais tarde desaguou na Articulação Rosalino Gomes de Povos e Comunidades Tradicionais.
Imagem
Célia Xakriabá (dir.), Angela Kaxuyana e Sonia Guajajara: mulheres indígenas guerreiras em luta por seus direitos e territórios|Greenpeace
Ela lembra ainda que sempre estudou em escolas indígenas, e por meio delas, criou uma forte relação com o território e com as raízes culturais do seu povo. A experiência com a educação diferenciada a motivo a se tornar educadora.
Célia integrou a primeira turma do Curso de Formação Intercultural para Educadores Indígenas da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e, depois de formada, retornou ao território Xakriabá para atuar como professora de Cultura. “É importante pensar em uma educação territorializada, onde nosso corpo se desloca para outros lugares [além da sala de aula],” diz. “E assim também é pra mim a política: o parlamento se deslocando para onde está a luta. E eu pretendo fazer exatamente isso”.
Mais tarde, Célia tornou-se a primeira mestra do seu povo, se especializando em Desenvolvimento Sustentável na Universidade de Brasília (UnB), e a primeira indígena a ingressar no doutorado da UFMG.
O pioneirismo é uma motivação para continuar lutando. “Nós não nos sentimos mais felizes por sermos as únicas. Temos a responsabilidade redobrada”, afirma.
Mulherizar a política
Quando era jovem, Célia gostava de observar as mulheres do seu povo e questionar de que maneiras elas estavam contribuindo para a luta coletiva dos Xakriabá. As respostas que recebia demonstravam que as mulheres ainda não tinham um grande protagonismo e notoriedade dentro do movimento indígena, mas desde sempre eram imprescindíveis para a organização social do povo.
“Elas falavam: 'a única coisa que eu tinha que fazer era abrir a roça para sustentar meus filhos e também sustentar a cultura'”, recorda. “São mulheres que se tornam protagonistas ao se perceberem como pilares. Então, o pilão que pisava o milho não apenas alimentava os filhos, mas sustentava o território,” ela escreve em sua dissertação de mestrado.
Imagem
Anna Terra Yawalapiti, Célia Xakriabá, Watatakalu Yawalapiti e Sonia Guajajara em Brasília na 1ª Marcha das Mulheres Indígenas|Katie Mähler/APIB
“E aí de repente eu começo a repensar esse lugar do que é a política”, comenta. Olhando ao seu redor, ela notou, por exemplo, que a companheira de seu tio não tomava decisões no centro da aldeia, mas orientava o marido de dentro de casa. Percebeu, ainda, a potência do trabalho de sua bisavó, que era benzedeira, e de suas tias, parteiras. “Quem disse que trazer à vida de uma maneira tradicional, humanizada, não é fazer política? Eu entendo política quando as pessoas estão participando, dialogando".
“O Brasil começa por nós, mas não existia a nossa presença lá”, diz. Ela espera dar continuidade ao legado de Joenia Wapichana, que não conseguiu se reeleger em 2022, e para isso, conta com o apoio e a força de sua colega no movimento indígena na bancada do cocar, Sonia Guajajara.
Ainda que possa parecer pouco ter somente duas eleitas, Célia garante que a presença de duas mulheres indígenas alinhadas às pautas coletivas do movimento na Câmara tem um significado diferente, de muita potência. “Não se trata de quantas pessoas [estão lá], mas de quantas morreriam se nós estivéssemos de braços cruzados,” pontua. “E se nós somos minoria do lado de dentro, nós vamos convocar a maioria do lado de fora!”
#ElasQueLutam é a série do ISA sobre mulheres indígenas, ribeirinhas e quilombolas e o que as move. Acompanhe no Instagram!
Notícias e reportagens relacionadas
As principais informações sobre o ISA, seus parceiros e a luta por direitos socioambientais ACESSE TODAS
No Rio Negro, comunicadores indígenas cobrem as eleições em tempo real
Rede Wayuri percorreu pontos de votação em São Gabriel da Cachoeira (AM) fazendo transmissões ao vivo e divulgando dados
Cuidar dos igarapés, das áreas de pescaria, ter escola e manter o território protegido. Essas foram algumas das reivindicações feitas pela liderança indígena Américo Socot, do povo Hupda, pouco antes de votar no primeiro turno das eleições que aconteceram em 2 de outubro para presidente, governadores, senadores, deputados federais e deputados estaduais.
“E não pode esquecer: eu e meu povo estamos lá [no território]", reforçou ele, dirigindo-se aos candidatos. Seu Américo é um dos 32.106 eleitores de São Gabriel da Cachoeira (AM), município conhecido por ter a maior concentração de população indígena do país.
Imagem
Álvaro Socot Hupda, comunicador indígena, faz entrevista com jovem na Escola Sagrada Família, um dos pontos de votação de São Gabriel|Ana Amélia Hamdan
Américo deu a entrevista ao filho, Álvaro Socot, integrante da Rede Wayuri de Comunicadores Indígenas, que fez a cobertura do 1º turno das eleições em São Gabriel da Cachoeira. A Rede Wayuri é vinculada à Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (Foirn) e tem parceria e assessoria do Instituto Socioambiental (ISA).
Os comunicadores receberam e divulgaram notícias do processo eleitoral nas comunidades dos povos Baniwa, Yanomami, Tukano, Baré, entre outros. O lema escolhido pelo grupo foi "Vote pelo Coletivo e pelos Direitos Indígenas".
Desde as 6h30 até o início da noite, os comunicadores percorreram os pontos de votação ouvindo os indígenas sobre seus anseios e reivindicações, acompanhando o momento democrático e repassando informações.
A Rede Wayuri já tinha trabalhado na cobertura de outras eleições. Mas essa foi a primeira vez que foram divulgadas informações ao vivo, com a produção para o Instagram e WhatsApp. Conhecedores indígenas, famílias, jovens, idosos, pessoas de várias idades e etnias foram ouvidas.
Algumas entrevistas podem ser conferidas no Instagram da Rede Wayuri:
Por volta das 19h30, a comunicadora Juliana Albuquerque, do Povo Baré, encerrou os trabalhos repassando numa transmissão ao vivo pelo Instagram o resultado parcial das eleições para presidente em frente ao Cartório Eleitoral.
No município, o candidato Luiz Inácio Lula da Silva (PT) ficou à frente, com 79,12% dos votos, enquanto Jair Bolsonaro (PL) recebeu 17,52% dos votos. Em seguida vieram Simone Tebet (MDB), com 1,97%, e Ciro Gomes (PDT), com 0,83%, seguidos dos demais candidatos. O índice de abstenção foi de 32,47%.
Além de Juliana Albuquerque e Álvaro Socot, também integraram a equipe que cobriu as eleições em São Gabriel da Cachoeira o comunicador Adelson Ribeiro, Tukano, e Emerson Chaves de Oliveira, Baré. Os comunicadores Ray Baniwa e Cláudia Ferraz, do Povo Wanano, fazem parte da Rede desde a sua criação e atuaram à distância. Os trabalhos foram feitos com o apoio da fotógrafa e web designer Raquel Uendi.
“Foi muito importante participar da cobertura, ouvir os eleitores, saber o desejo deles. Pelo que percebi, todos que entrevistamos querem que o país melhore. Mas não é só um desejo individual, é sempre pensando no coletivo”, observou o comunicador Adelson Ribeiro.
Essa é a primeira cobertura de eleições que ele participa. Na opinião dele, um dos pontos marcantes foi ouvir os jovens. “A gente percebeu que a juventude quer mudanças”, disse. Os jovens ouvidos reivindicaram, entre outros pontos, a melhoria do acesso às universidades e à educação em geral.
Para a comunicadora Cláudia Ferraz, “as eleições são importantes porque é um momento em que todos vão às urnas para depositar o seu voto de confiança e escolher candidatos que de fato possam representar a população”, refletiu. Nas eleições municipais de 2020, ela entrevistou os candidatos a prefeito de São Gabriel da Cachoeira junto com a comunicadora Daniela Villegas, do povo Yebamasã.
Cláudia Wanano e Juliana Baré são as locutoras do programa de rádio Papo de Maloca, que vai ao ar semanalmente na FM local. Em seguida, o programa é editado e fica disponível em plataformas de áudio como o podcast Wayuri.
Votação
Ainda bem cedo, logo ao chegar ao Colégio São Gabriel — um dos pontos de votação na sede do município —, Juliana já se atentou para os folhetos impressos pela Justiça Eleitoral com a “cola”, ou seja, espaços em branco para os eleitores anotarem os números de seus candidatos.
A comunicadora pegou o folheto e repassou a informação pelo Instagram, prestando um serviço para evitar uma questão que foi enfrentada durante o dia todo: em vários pontos do país, inclusive em São Gabriel, foram registradas longas filas. Os próprios comunicadores tiveram que esperar cerca de duas horas para votar.
Em São Gabriel da Cachoeira, a eleição tem características especiais: são 33 pontos de votação, sendo cinco na área urbana e 28 em comunidades.
Dos 32.106 eleitores, 17.725 (55,2%) votam na área urbana e 14.381 (44,7%) em comunidades. Entre as comunidades, Iauaretê (2.764 eleitores) e Pari-Cachoeira (1.028) são as que têm maior número de eleitores.
Para levar as urnas até esses pontos é necessária uma logística que envolve veículos, barcos e aeronaves. A distribuição é organizada pela Justiça Eleitoral de São Gabriel. Mas alguns indígenas precisam sair de suas comunidades para votar em São Gabriel da Cachoeira.
É o caso dos Yanomami que vivem na comunidade Maiá. Eles enfrentaram cerca de três dias de viagem em voadeiras — pequenas embarcações a motor — da comunidade até a sede do município.
No território do Rio Negro, onde a Rede Wayuri atua, são cerca de 23 povos vivendo em 750 comunidades e sítios em área dos municípios de São Gabriel da Cachoeira, Santa Isabel do Rio Negro e Barcelos.
E, mesmo com limitações de acesso à internet, chegaram informações de algumas comunidades. Em Tunuí-Cachoeira, na Bacia do Rio Içana, houve a participação do comunicador Plínio Guilherme, Baniwa. Na comunidade de Nazaré, também na região do Içana, Therezinha Evangelista, Baré, acompanhou a votação.
Passando para o Rio Uaupés, na comunidade de Taracuá, o comunicador Irinelson Piloto Freitas, Tukano, acompanhou a chegada das urnas, os preparativos e a votação. Também foram encaminhadas notícias do território Yanomami, da comunidade Maturacá, onde o comunicador Valdemar Lins mora.
Da cidade de Barcelos, a comunicadora Neide Dantas também mandou informações. Nilza Pinheiro, da Associação Indígenas de Barcelos (Asiba), mostrou um grupo de Yanomami recebendo informações sobre como votar na urna eletrônica.
Os comunicadores também atuam combatendo fake news. Informações duvidosas são compartilhadas no WhatsApp dos comunicadores para que seja feito o devido esclarecimento sobre a veracidade do dado. Em seguida, a informação correta é passada adiante.
Em maio, a Rede Wayuri de Comunicadores Indígenas recebeu o Prêmio Estado de Direito 2022, do World Justice Project (WJP), na cidade de Haia, na Holanda, durante o Fórum Mundial de Justiça 2022. A rede foi reconhecida pela inovação e o combate à desinformação na Amazônia brasileira.
Além disso, a Rede foi reconhecida pelo Repórteres Sem Fronteiras (RSF) por seu trabalho durante a pandemia. Durante o ano de 2022, a organização promoveu oficinas e intercâmbios que fortaleceram a atuação da Rede Wayuri, o que se refletiu na cobertura eleitoral.
Povos indígenas nas eleições
Esta eleição é considerada histórica especialmente para os povos indígenas. Frente aos ataques e à ameaça de retirada de direitos,os povos indígenas, por meio de suas federações e associações, se organizaram no movimento “Aldear a Política”, buscando aumentar a sua representatividade nas Casas Legislativas.
Nesta eleição, cinco pessoas autodeclaradas indígenas foram eleitos para a Câmara dos Deputados, entre eles se destaca Sônia Guajajara, que foi eleita pelo PSOL de São Paulo e recebeu 156.966 votos. Já a professora indígena Célia Xakriabá foi eleita pelo PSOL de Minas Gerais, com 101.154 dos votos. Ambas tiveram o apoio do movimento indígena e se alinham às pautas coletivas defendidas pelo movimento.
Buscando atuar no fortalecimento do Estado de Direito e pelos direitos dos povos indígenas, a Rede Wayuri abordou o tema da eleição durante o ano todo, principalmente a partir de julho. Foram convidados para participar do programa Papo da Maloca pessoas que deram esclarecimentos sobre o processo eleitoral, como a Defensora Pública do Polo Alto Rio Negro, Daniele Mascarenhas.
Imagem
Da esquerda para direita, Emerson de Oliveira Baré, Juliana Alburquerque Baré, Adelson Ribeiro Tukano e Álvaro Socot Hupda|Ana Amélia Hamdan/ISA
Também foi abordado o tema "Juventude e Mulheres nas Eleições 2022", com a presença de uma das coordenadoras do Departamento de Mulheres Indígenas da Foirn (Dmirn), Dadá Baniwa, e do coordenador do Departamento de Adolescentes e Jovens Indígenas da Foirn, Elson Kene. Foi feito um programa especial sobre Eleições e Pessoas com Deficiência, com a participação do chefe do Cartório Eleitoral, Renato Crespo.
O comunicador Ray Baniwa, mestrando da UFRJ e comunicador da Rede Wayuri, escreveu sobre o tema “Eleições e primeira infância”, em projeto selecionado pelo coletivo Nós, mulheres da periferia.
Na quarta-feira (28/9) que antecedeu o primeiro turno foi realizado o Papo da Maloca – Especial Eleição 2022 com a presença da também coordenadora do Dmirn, Belmira Melgueiro, do povo Baré, e da coordenadora do Departamento de Educação e Patrimônio Cultural da Foirn, Lorena Araújo, do povo Tariano, que falaram sobre a importância do voto e de se informar bem sobre os candidatos.
Renato Crespo retornou ao Papo da Maloca para dar as últimas orientações sobre as eleições, com destaque para dois pontos: não levar celular para a cabine de votação e prestar atenção ao horário, pois neste ano, no Amazonas, os pontos de votação ficaram abertos das 7h às 16h, não havendo alteração devido ao fuso.
Uma das últimas pessoas a ser entrevistada pela Rede Wayuri no domingo de eleição foi Elza Tenório Vieira, indígena do povo Tukano, que não conseguiu votar justamente por causa do horário. Ela chegou às 16h30, levando sua filha cadeirante, mas os portões já estavam fechados.
“Eu venho nesse horário, sempre, para evitar o sol forte por causa da minha filha. Queria muito votar, ver meu candidato ganhar”, disse. No segundo turno, ela irá votar. E a Rede Wayuri estará, novamente, acompanhando as eleições 2022!
Notícias e reportagens relacionadas
As principais informações sobre o ISA, seus parceiros e a luta por direitos socioambientais ACESSE TODAS
Rede Wayuri participa da cobertura das Eleições 2022 com foco nos direitos indígenas
Com cerca de 50 integrantes atuando em áreas urbanas e comunidades da região do Rio Negro, coletivo de comunicadores indígenas circula informações confiáveis sobre o processo eleitoral
Em São Gabriel da Cachoeira, capacitação para as eleições de 2022 aconteceu no Cartório da 19ª Zona Eleitoral|Ana Amélia Hamdan/ISA
A eleição no município de São Gabriel da Cachoeira é única. A cidade, localizada no Noroeste do Amazonas, é banhada pelo Rio Negro e cercada pela floresta amazônica e por comunidades indígenas, algumas de difícil acesso e com pouca comunicação. Para a eleição de 2022, são 33 pontos de votação, sendo cinco na área urbana e 28 em comunidades, com a logística para entrega das urnas eletrônicas envolvendo barcos e aeronaves.
Com todos esses desafios, a Rede Wayuri de Comunicadores Indígenas está fazendo circular informações sobre o processo eleitoral de 2022, tendo como lema Vote pelo Coletivo e pelos Direitos Indígenas. As informações estão sendo registradas no Instagram da Rede e circulando em grupos de WhatsApp, sempre com a preocupação de serem usadas fontes confiáveis como forma de combater as fake news.
No domingo (02/10), data das eleições para presidente, governador, senador, deputado federal e deputado estadual, a Rede Wayuri estará nas ruas para ouvir os eleitores indígenas. Comunicadores que estiverem no território também vão compartilhar informações sobre a votação.
Imagem
Urnas eletrônicas chegam a Taracuá, no Rio Uaupés, Terra Indígena Alto Rio Negro|Irinelson Piloto, povo Tukano/Rede Wayuri
A próxima eleição é considerada histórica especialmente para os povos indígenas. Frente à atual gestão do Governo Federal, que vem promovendo ataques e a retirada de direitos dos indígenas, as federações e associações se organizaram no movimento d“Aldear a Política”, buscando aumentar a representatividade dos povos tradicionais nas Casas Legislativas.
Em São Gabriel da Cachoeira, o município com maior concentração de população indígena do país, são 32.106 eleitores. Do total de eleitores, 17.725 votam na área urbana, o que representa 55,2%. Outras 14.381 pessoas(44,7%) votam em comunidades. Entre elas, as que têm maior número de eleitores são Iauaretê (2.764 eleitores) e Pari-Cachoeira (1.028).
Imagem
Participantes do programa Papo da Maloca, produzido pela Rede Wayuri de Comunicadores Indígenas, em imagem de abril de 2021|Ana Amélia Hamdan/ISA
As urnas começaram a ser enviadas ao território indígena pelo Cartório da 19ª Zona Eleitoral em São Gabriel da Cachoeira. As comunidades que já receberam os equipamentos até a sexta-feira (30/9) são Juiviteira, Aracu Cachoeira, Canadá, Caruru Cachoeira, Boca da Estrada, Maturacá, Taracuá, Pari Cachoeira, Iauaretê, São Joaquim, Coraci, Querari, Anamoin, Tunuí, Castelo Branco, Assunção do Içana e Nazaré do Cubate.
Notícias e reportagens relacionadas
As principais informações sobre o ISA, seus parceiros e a luta por direitos socioambientais ACESSE TODAS
Eleições 2022: ISA lança vídeos com principais pontos da agenda socioambiental
Série especial debate questões-chave como fome, racismo ambiental e crise hídrica e energética. Primeiro episódio conta com Sâmela Sateré Mawé, jovem comunicadora e ativista. Assista!
Depois de quatro anos marcados por recordes de desmatamento e pelo aumento da violência contra os povos indígenas e tradicionais, a agenda socioambiental deve estar no centro das pautas das próximas eleições gerais, marcadas para acontecer em 2 de outubro de 2022.
Para contribuir com o debate, o Instituto Socioambiental (ISA) lança neste mês uma série especial com três vídeos detalhando temas que deveriam aparecer nas discussões e propostas de candidatos e candidatas.
Fique Sabendo Especial Eleições 2022 reuniu os jovens comunicadores e ativistas Sâmela Sateré Mawé, Cristian Wari’u e Clara de Assis para falar sobre questões que afetam a realidade das juventudes indígenas e periféricas, como a fome, o aumento dos preços, a crise hídrica e energética e o racismo ambiental.
A série mostra como, para essas populações, esses problemas não são uma preocupação só do futuro, mas do presente. Os três episódios serão lançados semanalmente nas redes sociais do ISA durante o mês de setembro.
O primeiro episódio da série é apresentado por Sâmela Sateré Mawé, uma jovem liderança indígena e comunicadora que vive em Manaus (AM). Nele, Sâmela explica como a derrubada da floresta pode provocar um grande colapso hídrico e energético no Brasil.
“Você já percebeu que a conta de luz só está aumentando? Já chegou do “rolê” tarde da noite e não conseguiu tomar banho porque cortaram sua água? E se além de pagar caro e sofrer racionamentos, você acordasse um dia e seu estado inteiro estivesse sem energia elétrica? E se eu te disser que tudo isso tem a ver com o aumento das queimadas e do desmatamento na Amazônia?”, explica a ativista.
O episódio mostra como a matriz energética brasileira, extremamente dependente das hidrelétricas, e o aumento do desmatamento, agravam o cenário de crise hídrica e energética.
No segundo episódio da série especial, Cristian Wari’u, comunicador indígena Xavante e apresentador do podcast Copiô, Parente, explica por que um país que produz tanto alimento como o Brasil tem uma população com mais de 33 milhões de pessoas passando fome todos os dias. “O Brasil é o maior produtor de soja e tem o maior rebanho bovino do mundo! É boi e lavoura que não acabam mais… Mas milhões de pessoas estão passando fome no país! Como é que isso pode acontecer?”, indaga o comunicador.
O episódio mostra que o agronegócio recebe hoje a maioria dos investimentos governamentais, enquanto pouco incentivo chega aos pequenos produtores rurais. “Em uma década, as propriedades da agricultura familiar diminuíram, enquanto as do agronegócio cresceram 35%. Até mesmo quem produz alimento tá passando fome hoje em dia”, explica Cristian.
Já no terceiro e último episódio, a ativista e educadora socioambiental, e estagiária do Programa de Monitoramento de Áreas Protegidas do ISA, Clara de Assis, explica o que é racismo ambiental e como a desigualdade no acesso às áreas verdes e às políticas de conservação e proteção socioambiental afetam a vida de quem mora nas quebradas.
Com a indagação “Do lado da sua casa tem floresta?”, Clara, que é moradora da periferia da Zona Leste de São Paulo, mostra que a população preta, os povos indígenas, e as classes mais pobres são os mais afetados pelas mudanças climáticas e pela omissão do estado em relação às pautas socioambientais.
Acompanhe a seŕie nos canais oficiais do ISA!
Fique sabendo
O Fique Sabendo é um boletim quinzenal, resultado do trabalho de monitoramento de notícias e do Diário Oficial da União e dos Estados, realizado pela equipe do Programa de Monitoramento de Áreas Protegidas do ISA que alimenta o Sistema de Áreas Protegidas (Sisarp).
Essa seleção de notícias tem o objetivo de dar visibilidade às notícias divulgadas em canais de pequena circulação, imprensa não hegemônica, jornais locais e regionais e também publicações científicas e artigos acadêmicos com incidência relevante para o campo socioambiental.
Notícias e reportagens relacionadas
As principais informações sobre o ISA, seus parceiros e a luta por direitos socioambientais ACESSE TODAS
Orçamento socioambiental do Governo Bolsonaro é o menor em 17 anos
Relatório do ISA e da UFRJ aponta que a dotação orçamentária inicial para a gestão ambiental no Brasil caiu 71% entre 2014 e 2021
O orçamento de órgãos federais com funções socioambientais vem caindo significativamente nos últimos oito anos, mas chegou ao fundo do poço no Governo Bolsonaro, atingindo o menor valor dos últimos 17 anos. Os recursos são usados no combate ao desmatamento e às queimadas, na oficialização e manutenção de Áreas Protegidas e na proteção a comunidades indígenas e tradicionais.
O documento reúne informações de 2005 a 2022 sobre o Ministério do Meio Ambiente (MMA) e os principais órgãos a ele subordinados, como o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), responsável pela gestão das Unidades de Conservação (UCs) federais.
Imagem
Área desmatada no município de Careiro da Várzea (AM), próximo às Terras Indígenas do Povo Mura|Alberto César Araújo/Amazônia Real
Conforme mostra o estudo, a dotação orçamentária inicial para a gestão ambiental no Brasil caiu 71%, despencando de R$ 13,1 bilhões, em 2014, quando alcançou seu maior patamar na história, para R$ 3,7 bilhões, em 2021.
A dotação orçamentária é o total de recursos reservados para um determinado fim pela Lei Orçamentária Anual (LOA), mas que, em geral, não é totalmente pago. Já o gasto efetivamente realizado diminuiu 45%, caindo de R$ 5,7 bilhões para R$ 3,1 bilhões no mesmo período.
O rombo é ainda maior se analisados órgãos, funções e períodos específicos, principalmente na comparação com a atual gestão. Tomando como referência o ano de 2012, a dotação orçamentária em 2021 teve uma redução de 66%. Considerando apenas o MMA, e não os órgãos a ele subordinados, o tombo foi ainda maior: a dotação inicial e os gastos discricionários efetivos despencaram 72% e 86%, respectivamente, no mesmo período.
Em 2012, foi registrada a menor taxa da série histórica do desmatamento da Amazônia, coincidindo com o fim de um período de consolidação de importantes medidas de gestão ambiental, como a criação e gestão de áreas protegidas, as políticas de comando e o controle e monitoramento ambiental.
Gasto discricionário
De 2018 a 2021, o gasto discricionário realizado pela pasta sofreu uma queda de 56%. Em resumo, no ano passado os recursos gastos efetivamente pela pasta foram cinco vezes menores do que em 2017 e são os menores para toda a série histórica.
A despesa discricionária é aquela destinada às ações finalísticas das instituições oficiais, excluídos os gastos obrigatórios, por exemplo, com salários, previdência, outros encargos sociais e dívidas.
“Além das medidas de flexibilização das normas ambientais brasileiras, incentivando práticas predatórias nos biomas, desde 2019 o país vem apresentando uma baixa execução orçamentária, o que dificulta ainda mais a implementação das políticas ambientais. Ou seja, além da redução nos orçamentos, os órgãos não gastam 100% do orçamento aprovado”, explica Antonio Oviedo, assessor do ISA e um dos autores da análise.
O relatório também analisou os orçamentos do Serviço Florestal Brasileiro (SFB); do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), que monitora o desmatamento; da Funai, responsável pela demarcação das Terras Indígenas; e do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), que tem a competência de regularizar os territórios quilombolas.
Orçamento público
A análise confirma o diagnóstico de que o “desmonte ambiental” promovido pelo governo Bolsonaro também afetou o orçamento público, junto com o enfraquecimento de instâncias de participação, legislação, políticas e órgãos do setor.
Imagem
“Em paralelo à flexibilização da regulação ambiental e o desmonte institucional dos principais órgãos executores da política ambiental, nos últimos anos o Brasil adotou uma série de políticas de austeridade fiscal que, ao constranger o direcionamento de recursos necessários para a execução da política, colocam em risco a continuidade de importantes programas de combate à degradação ambiental”, diz o estudo.
Ele reforça ainda que o desmantelamento das políticas ambientais resultou em recordes de desmatamento e queimadas no país, o avanço das invasões sobre as áreas protegidas e da grilagem de terras. No ano passado, a taxa de desmatamento na Amazônia chegou a 13 mil km2, o terceiro recorde sucessivo e o maior número em 16 anos.
“Essa redução tem consequências gravíssimas. De 2018 a 2021, observamos um aumento de 149% no desmatamento em Unidades de Conservação federais e de mais de 34 % em Terras Indígenas. No Bioma Pantanal, a redução da superfície de água teve um aumento de 27,9% no mesmo período”, ressalta Oviedo.
Imagem
Destaques do relatório
- Os resultados mostram a queda na execução orçamentária do Serviço Florestal Brasileiro (SFB), especialmente no período de implementação do Código Florestal. Entre 2018 e 2019, os valores destinados ao órgão foram reduzidos de R$ 147,5 milhões para R$ 85,1 milhões (queda de 27,2%). Os valores dos anos seguintes continuaram caindo, chegando a um patamar de R$ 51,46 para o ano de 2022. Entre 2019 e 2022, houve uma nova queda na dotação inicial destinada ao órgão de 39,6%.
- A Funai apresentou em 2021 a menor dotação inicial do período analisado, com uma redução quando comparamos o maior orçamento da série histórica, que atinge 43%. Entre 2018 e 2022, houve redução de quase um quarto dos recursos destinados ao órgão, de R$ 715,7 milhões para R$ 561,6 milhões.
- O Inpe, responsável por uma das principais medidas que reduziu o desmatamento em 83%, entre os anos de 2004 a 2012, já sofreu redução de 74% em suas despesas (dotação inicial).
- O orçamento voltado às indenizações, à demarcação dos territórios e à promoção das comunidades quilombolas para o Brasil é irrisório, acumulando uma redução de 100%. O mesmo para a demarcação das TIs, que já reduziu 71%.
- Com relação à gestão das TIs e UCs, hoje o país investe R$ 17,00 por hectare de TI e R$ 7,00 por hectare de UC.
Notícias e reportagens relacionadas
As principais informações sobre o ISA, seus parceiros e a luta por direitos socioambientais ACESSE TODAS
DPU recomenda consulta a povos indígenas e tradicionais antes de renovação da licença de Belo Monte
Órgão instruiu Funai e Ibama a ouvirem as comunidades do Médio Xingu impactadas pela construção e operação da mega-hidrelétrica
A Defensoria Pública da União (DPU), por meio do Comitê Altamira, expediu na última semana uma recomendação à Fundação Nacional do Índio (Funai) e ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama) sobre a necessidade de oitiva qualificada e consulta livre, prévia e informada aos povos indígenas e comunidades tradicionais antes da renovação da Licença de Operação da usina de Belo Monte.
Segundo a recomendação, a consulta prévia “deverá integrar a decisão estatal, sob pena de nulidade, e deve ser conduzida pelo órgão/ente estatal responsável pela adoção da medida administrativa que autoriza a operação do empreendimento UHE Belo Monte''.
A instalação e operação da UHE Belo Monte impacta 13 Terras Indígenas e diversos territórios de povos tradicionais. Segundo a recomendação, desde 2015, quando da expedição da Licença de Operação, não houve nenhuma manifestação técnica pública de avaliação ampla da Funai sobre a efetividade da execução das medidas de compensação e mitigação e das condicionantes indígenas.
Em janeiro de 2022, o Ibama solicitou à Funai que realizasse parecer técnico de avaliação das condicionantes indígenas relativas ao Plano Básico Ambiental do Componente Indígena.
Diante disso, a recomendação estabelece, em respeito às normativas da Funai e que regem o licenciamento ambiental, que essa análise ocorra “somente após a devida oitiva qualificada de cada um dos povos indígenas impactados pela UHE Belo Monte” (incluindo as comunidades indígenas “desaldeadas”), que a oitiva seja realizada exclusivamente pelo órgão indigenista – sem a participação do empreendedor para evitar possíveis conflitos de interesse –, e finalmente que as datas dos encontros sejam amplamente divulgadas entre os povos indígenas impactados com antecedência mínima de 20 dias.
Em respeito à Convenção n.º 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), a recomendação também estabelece ao Ibama que, na qualidade de órgão licenciador da usina, promova, após a oitiva qualificada e elaboração de parecer técnico pela Funai, a consulta prévia, livre e informada dos povos indígenas impactados (incluindo as comunidades indígenas “desaldeadas”), bem como das demais comunidades tradicionais não indígenas da área afetada pela usina para fins de renovação da Licença de Operação.
Ambos os entes devem apresentar resposta quanto ao acatamento ou não da recomendação, de forma fundamentada, em 15 dias úteis.
Volta Grande do Xingu, Pará, gravemente impactada pelo funcionamento da hidrelétrica de Belo Monte|Lilo Clareto/ISA
Expansão urbana devido a construção da Usina Hidrelétrica de Belo Monte: a cidade avança sobre a Floresta Amazônica, Altamira (PA)|Lilo Clareto/ISA
Árvore submersa na cheia do Rio Xingu, severamente impactado pela usina de Belo Monte|Lilo Clareto/ISA
Peixe morto na região da Volta Grande do Rio Xingu, devido às obras da Usina Hidrelétrica de Belo Monte|Cristiane Carneiro
Notícias e reportagens relacionadas
As principais informações sobre o ISA, seus parceiros e a luta por direitos socioambientais ACESSE TODAS